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3. COMPROMETIMENTO NO TRABALHO: BASES TEÓRICAS

3.2. FOCOS DO COMPROMETIMENTO

Como assinalam Bastos e Lira (1997), “o comprometimento pode estabelecer-se com múltiplos focos (ou entidades às quais o mesmo se dirige) como, por exemplo: a organização, o sindicato, a carreira, a profissão, o grupo de trabalho etc”. Pesquisando a literatura, Fink (1992, p.2) observou que quase todas as definições de comprometimento encontradas eram relativas à organização como um todo; muito poucas definições incluíam o trabalho ou a equipe como dimensões independentes. Para ele, a abordagem unidimensional não é propriamente errada, mas é limitada em relação à visão multidimensional, que oferece perspectivas dinâmicas de compreensão e atuação sobre o comprometimento das pessoas.

Como argumenta Reichers (1985 apud Bastos, 1998, p.2), as organizações “são vistas, tipicamente, como entidades monolíticas e indiferenciadas que eliciam uma identificação e apego por parte dos indivíduos”, mas na realidade as organizações são sistemas formados por diversos elementos, tais como proprietários, gerentes e consumidores, que podem ter objetivos e valores diferentes. Introduzindo a necessidade de se estudar o comprometimento sob uma visão multidimensional, Reichers (1986 apud Bastos, 1994) pesquisou a existência de conflitos entre alvos do comprometimento e discriminou (com base na Teoria dos Papéis) quatro grupos relevantes nas organizações que podem ser alvo do comprometimento dos trabalhadores: o topo gerencial, os colegas de trabalho, os clientes e o sindicato.

Fink (1992) estudou os focos trabalho, equipe (grupo) e organização. Segundo este autor, o seu modelo tridimensional de comprometimento representa uma fusão de conceitos advindos de três diferentes linhas de pensamento:

x As teorias de comportamento individual (principalmente motivação), da Administração Científica de Taylor aos conceitos recentes de “redesenho” do trabalho;

x As teorias sobre comportamento e dinâmica de grupos, da experiência de Hawthorne até a atual ênfase no desenvolvimento de equipes em todos os níveis da organização;

x As teorias de liderança organizacional, que extrapolaram a questão da construção da lealdade em direção à criação de uma identidade de missão e propósitos entre indivíduos e organização, resultando no envolvimento mais forte dos colaboradores, que vem a ser a origem do comprometimento.

Para Morrow (1993), existem quatro tipos de comprometimento no trabalho, os quais diferenciam-se por estar direcionados para focos distintos: Aceitação da Ética do Trabalho (Work Ethic Endorsement), cuja origem vem da obra de Max Weber; tem a ver com o valor intrínseco do trabalho para o indivíduo, com a idéia de fazer algo produtivo, ter um emprego remunerado e ser independente e com uma certa “rejeição ao lazer”; Comprometimento com a Carreira / Comprometimento Profissional (Career Commitment /

Professional Commitment), que abrange o desenvolvimento de objetivos de carreira pessoais

e a identificação e envolvimento do indivíduo com esses objetivos, além da escolha vocacional da profissão; Envolvimento com o Trabalho (Job Involvement), que relaciona-se com o grau de absorção do indivíduo pelas suas atividades de trabalho; e Comprometimento Organizacional (Organizational Commitment), a forma de comprometimento que tem sido mais amplamente estudada, cujo conceito refere-se a uma ligação psicológica de um membro para com a organização na qual está inserido, em suas várias dimensões.

O reconhecimento de múltiplos focos de comprometimento levou os pesquisadores à busca da identificação de padrões ou perfis de comprometimento, através da investigação de como os indivíduos articulam diversos vínculos. Através da combinação dos

focos de comprometimento estudados, Fink (1992) identificou oito perfis distintos: System

Performers (indivíduos com altos níveis de comprometimento com o trabalho, a equipe e a

organização), Team Performers (forte comprometimento com o trabalho e a equipe, mas baixo comprometimento organizacional), Contributing Performers (pouco comprometidos com a equipe, mas muito comprometidos com seu trabalho e a organização), Individualistic

Performers (alto comprometimento apenas com o trabalho), Team Players (baixo

comprometimento com o trabalho e alto com a equipe e a organização), Social Bonders (muito comprometidos apenas com a equipe), Good Soldiers (muito comprometidos apenas com a organização) e Defeated Players (que não apresentam forte comprometimento com nenhum dos focos). Os padrões identificados suscitam diferentes intervenções para desenvolver o comprometimento frente aos diversos focos, bem como sugerem que perfis diferentes podem ser interessantes para situações diferentes, potencializando as contribuições individuais.

Um dos primeiros trabalhos a estabelecer combinações de focos para a identificação de padrões foi o de Becker e Billings (1993 apud MEYER e ALLEN, 1997, p.18), que definiram perfis de comprometimento frente a diferentes focos, conforme os níveis de liderança existentes na organização: Locally Committed (comprometidos com o supervisor e o grupo), Globally Committed (comprometidos com a alta direção e com a organização),

Committed (comprometidos tanto a nível “local” como a nível “global”) e Uncommitted (não

são comprometidos nem a nível “local”, nem a nível “global”). A pesquisa de Becker e Billings demonstrou que o terceiro perfil (committed) apresentava o mais alto grau de satisfação no trabalho, a menor intenção de deixar a organização e os mais altos níveis de comportamento pro-social. O primeiro e segundo perfis (locally committed e globally

committed) não apresentam diferenças de atitudes e comportamentos em geral; entretanto,

grupo, os indivíduos enquadrados no primeiro perfil (locally committed) apresentaram maior comprometimento do que aqueles enquadrados no segundo perfil (globally committed).

No contexto brasileiro, destacam-se os estudos conduzidos por Bastos sobre padrões de comprometimento frente a focos distintos. Em sua Tese de Doutorado, Bastos (1994) identificou a existência de sete padrões de comprometimento a partir dos vínculos de trabalhadores de diversos ramos de atividade com suas respectivas organizações, carreiras e sindicatos. Bastos, Correa e Lira (1998), em outro estudo, pesquisaram padrões oriundos dos focos organização e profissão, resultando em quatro perfis que formavam pares antagônicos (duplo compromisso, duplo descompromisso, unilateral organização e unilateral profissão). Bastos e Costa (2001) estudaram duas organizações, novamente com a composição de padrões por combinação de comprometimento com os focos organização, carreira e sindicato, dessa vez com seis perfis resultantes entre as duas organizações. Os mesmos focos foram também investigados em um trabalho mais recente de Bastos e Borges-Andrade (2002), em distintos formatos organizacionais, que resultou em oito perfis de comprometimento, com quatro pares antagônicos: o anti-sindicato (escore positivo para carreira e organização e negativo para o sindicato) versus o sindicalista (vinculam-se fortemente apenas ao sindicato); o profissional (comprometidos apenas com a carreira) versus o descomprometido com a carreira (baixo escore apenas para essa dimensão); o profissional-sindicalista (elevado compromisso com carreira e sindicato e reduzido compromisso com a organização) versus o localista (comprometimento moderado, apenas com a organização); o descomprometido (com os três focos) versus o comprometido (nas três dimensões). Os autores destacam a importância do impacto do contexto de trabalho no comprometimento do trabalhador, ressalvando que “a presença, em uma mesma organização, de indivíduos com distintos focos, fortaleça a determinação pessoal ou individual”.

A revisão da literatura sobre focos de comprometimento remete à conclusão de que há um vasto leque de focos, dimensões e tipologias que podem levar à caracterização de padrões diversos. Para a finalidade desta pesquisa, optamos por trabalhar com os focos trabalho e organização (com a identificação de padrões decorrentes da combinação entre eles), por considerar que este é o recorte que pode melhor descrever o contexto do segmento varejista e da empresa estudada.