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4. As decorações

4.3. Grupo 3 – Grupo Folha de Acácia

4.3.2. Folha de Acácia

O conjunto de Folhas de Acácia da Ota é, sem dúvidas, o mais rico de todo o conjunto cerâmico, permitindo observar um leque de organizações decorativas e motivos amplos e diversificados, mostrando que o significado real desta linguagem decorativa suporta vários tipos de expressão e reinterpretações. A Folha de Acácia, por si, permite estabelecer considerações cronológicas relativas, sendo, ainda hoje, considerada um dos “fósseis directores” para uma ocupação concreta em altura e fortificada (Sousa, 2010, p. 287), contudo é necessário um trabalho de análise de caso, que possibilite considerações mais concretas e “contextuais” que nos permitam entender os tipos de ocupação dos locais onde surge. Certo é, segundo os conhecimentos actuais, que este grupo decorativo não surge em ambiente funerário, indicando uma relação intima com as actividades dos “vivos”.

Como referido anteriormente, o ponto de partida metodológico baseia-se nas considerações e conclusões sistematizadas para os motivos e variáveis no Castro do Zambujal (Kunst, 1996; Kunst, 1987), recorrendo-se e incorporando as adaptações feitas por Ana Catarina Sousa (2010) que, no nosso entender, têm um factor de complementaridade grande, tendo em vista uma facilitação das leituras com o objectivo central de proceder a uma sistematização, com uma maior abrangência a nível do território estremenho. As três principais famílias, que agrupam e sistematizam os desenvolvimentos dos motivos decorativos em grupos iniciados com a letra K (Kerblattvertzierte Keramic), são o grupo K1, correspondente a Folhas de Acácia com uma organização espacial horizontal, o K2 associável a Folhas de Acácia verticais e ainda o K3, o grupo mais distinto, que se resume a uma organização decorativa em crucífera, não deixando de ser enquadrável nas técnicas e gestos associados à Folha de Acácia, bem como o grupo K4 que

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reflecte a existência de motivos oblíquos. Ana Catarina Sousa acrescenta o grupo KC, reflexo das necessidades que encontra ao estudar as cerâmicas do Penedo do Lexim (Sousa, 2010, p. 288), que assume a existência de motivos compósitos, que combinam os grupos anteriormente mencionados. Optámos por não aplicar as variáveis sistematizadas por Michael Kunst (1987) por considerarmos que, para o caso da Ota, as grandes famílias seriam suficientes para enquadrar as cerâmicas em estudo – ainda assim frisamos que a maneira de expressar as variáveis do método, por exemplo K212 (Folha de Acácia vertical, com distância curtas), podem levar a erros que podem alterar totalmente os dados. Outras maneiras, mais simples, seriam essenciais para tornar estes métodos descritivos efectivamente “universais”.

As grandes famílias estão bem representadas, existindo uma predominância para a Folha de Acácia horizontal (K1) que conta com um total de 32 fragmentos no seu conjunto dominando, correspondendo a 53% do conjunto deste tipo decorativo. Este resultado vai de encontro com a preponderância deste motivo, face às outras grandes famílias, verificando-se em alguns dos sítios mais importantes da Península de Lisboa como o Penedo do Lexim - 60% (Sousa, 2010) - Zambujal - 65% (Kunst, 1996) - Leceia - 75% (Cardoso, 2006). Já os motivos K2 (Folhas de Acácia verticais), detêm oito exemplares e os K3 (crucíferas) com dez correspondências – estes números vão de encontro com a ideia de que o motivo mais difundido e compreendido seria o que mostra a aplicação e desenho de Folhas de Acácia na sua forma horizontal. Por sua vez, o grupo KC permite proceder a uma subdivisão derivada do estabelecimento de combinações entre os grupos previamente sistematizados e, quando aplicável, outros – o KC1 correspondente a Folha de Acácia horizontal (K1) + Crucífera (K3) com cinco exemplares na Ota; KC2 representa a combinação entre Folha de Acácia horizontal (K1) e vertical (K2), não tendo sido identificado nenhuma peça enquadrável nesta categoria; KC3 a união entre a Folha de Acácia vertical (K2) e crucífera (K3), com uma peça; o KC4, correspondendo à soma de todos os grupos (K1+K2+K3), também com um exemplar e, por fim, o KC5, que une a Folha de Acácia vertical (K2) e os motivos encontrados e sistematizados para as decorações geométricas, tendo sido encontradas duas peça. Estes grupos, aquando de estudos estratigráficos mais finos e objectivos, podem ainda permitir desenhar evoluções ou adaptações cronológicas que podem vir a servir como marcadores cronológicos relativos, mais concretos. Como é sabido, a influência do grau de fragmentação poderá condicionar todo o processo de classificação, uma vez que a caracterização poderá ser determinada pela incapacidade de leitura do todo, a partir de uma das partes.

As pastas destes exemplares mostram uma grande diversidade, em especial no tipo de compacidade e elementos não plásticos, indiciando proveniências, a nível de barreiros, diferentes. Estas questões podem aumentar o grau de fractura das cerâmicas (Sousa, 2010, p. 288-290), ainda

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assim parece-nos que os fenómenos pós-deposicionais, tendo igualmente em conta os tipos de contextos, podem ajudar na explicação da fracturação e da dispersão dos fragmentos pelo terreno.

Outra das questões que prendeu a nossa atenção foi o estudo das “folhas” da decoração Folha de Acácia. O principal intuito deste processo descritivo passa, em primeira instância, pela identificação de técnicas de “desenho”, quer sejam elas a impressão ou incisão. Por outro lado, permite-nos fornecer dados e considerações sobre técnicas de produção das decorações, à comunidade científica, não deixando de ser um processo interessante para compreender intencionalidades do Homem, nos processos decorativos. A tipologia das “folhas” vai, novamente, socorrer-se de estudos já realizados, (Sousa, 2010, p.293), tendo sido consideradas quatro variantes, para as Folhas de Acácia impressas, de dois grandes grupos: as folhas de tendência oval (F1 e F2) e as folhas de tendência linear (F3 e F4), também representadas no povoado de Ota – em suma, a F1 está associada à forma oval, a F2 à forma oval alongada, F3 à linear rectilínea e a F4 à forma linear côncava.

Os tipos de “folha” com maior expressão no conjunto são as folhas de tendência oval (F1), representando um total de 57% do conjunto (34 exemplares), centrando-se maioritariamente em motivos de Folha de Acácia horizontal (15 peças), seguido dos motivos cruciformes, onde foram registados oito fragmentos, e das Folhas de Acácia verticais, com sete registos. A forma F2, tendência oval alongada, apresenta-se em 11 exemplares, na sua maioria relacionados com o motivo decorativo K1 (Folha de Acácia horizontal), realidade semelhante à identificada antes, rapidamente explicada com a hegemonia deste motivo decorativo, estando também presente em motivos enquadráveis na categoria dos motivos compósitos. Este tipo de dados é também observável para as 13 peças onde foi identificada a forma F3 (linear rectilínea). O último tipo de “folha” é o associável à forma linear côncava (F4), sendo o grupo constituído por dois fragmentos cerâmicos, nos quais não foi possível identificar um motivo decorativo, pela sua reduzida dimensão. Estes dados vão de encontro com os obtidos, essencialmente, para o Penedo do Lexim (Sousa, 2010, p. 294) e para Leceia (Cardoso, 2006, p. 36), realidade que vai ajudar na inscrição e identificação da Ota como um possível sítio congénere a estes.

A existência de exemplares incisos tem pouca expressão no conjunto da Ota, representado 11 peças, estando estes, na sua totalidade, empregues em decoração de tipo Folha de Acácia horizontal. Esta realidade, sempre diminuta em contextos semelhantes (Sousa, 2010; Cardoso, 2006) pode levantar questões teóricas relacionadas com a sua cronologia, sendo estes espécimes incisos muitas vezes associados à “falsa” Folha de Acácia que surge em contextos Neolíticos. Ainda assim, não crendo que o conceito “falsa” seja o mais correcto e pela amplamente mencionada falta de referências contextuais e cronológicas, as nossas menções, em relação a estas peças são, necessariamente, diminutas e pouco concretas.

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A já referida pluralidade de formas nos motivos revela, consequentemente, diversas técnicas que estão, certamente, relacionadas com o modo de execução das mesmas, podendo ter sido desenvolvidas através de “haste de madeira polida, pequeno seixo alongado ou mesmo, um bordo regularizado de concha” (Cardoso, 2006, p 36), no entanto, parece mais provável que se utilizasse matizes tendo em conta um objectivo final, que considerasse não só o tipo de “folha” a desenvolver, mas também a forma e a pasta – estas decorações são transversais a nível formal, aparecendo quer em taças quer em potes, mostrando que o seu significado e verdadeira expressão é adaptável consoante as necessidades dos indivíduos. Novamente, estas considerações são extrapoláveis para sítios como o Penedo do Lexim (Sousa, 2010, p. 296-296), Zambujal (Kunst, 1987), Leceia (Cardoso, 2006) e Castro da Rotura (Gonçalves, 1971). Neste último caso, na Rotura, foi identificado um vaso de paredes rectas, onde tendencialmente surge decoração Folha de Acácia vertical (Sousa, 2010, p. 295) associada a motivos geométricos, realidade também identificada para a Ota. Este tipo de recipientes vem sendo assumido como um recipiente tipo copo, que marca a transição entre os copos canelados e as formas posteriores (Cardoso, 2006), uma perspectiva mais moderada, face às ideias de sucessão directa entre os copos e o Campaniforme, teorizadas para o Zambujal, por Michael Kunst (1996). Ainda assim inscrevemo- nos numa linha mais cuidadosa (Sousa, 2010, p. 295), que não assume nenhum tipo de forma ou funcionalidade para estes recipientes, já que, até ao momento, não foi recuperada nenhuma peça com perfil completo.

Avançando já para as questões relacionadas com os aspectos técnicos de preparação dos recipientes para a aplicação da linguagem decorativa, como referido anteriormente taças e globulares, podemos sublinhar uma grande homogeneidade em relação aos tratamentos de superfície. Na Ota, as cerâmicas decoradas com Folha de Acácia apresentam, tendencialmente, uma correspondência entre os tratamentos de ambas as superfícies, demonstrando, apenas, uma discrepância quanto ao tratamento recorrendo às aguadas vermelhas e negras, que evidenciam dez casos (17%) na superfície externa, face à inexistência de exemplares em que se verifica este tipo de tratamentos internamente. Este dado da Ota é corroborado com os dados recolhidos por Michael Kunst (1996), Ana Catarina Sousa (2010, p.296) e João Luís Cardoso (2006), que reconheceram, e registaram, o reduzido investimento nos acabamentos, sobretudo nas superfícies internas. Ainda assim, na Ota, assiste-se a uma uniformização dos gestos e das técnicas, que se traduzem na correspondência dos tipos de tratamento em ambas as superfícies. Em primeiro lugar, não foi detectada qualquer face rugosa e o alisamento tosco, apesar de estar presente, está reduzido a seis fragmentos (10% do conjunto). A grande maioria dos exemplares cerâmicos (75%), com este tipo de decoração, denota um alisamento interno e externo. Face à existência de cerâmicas com decoração Folha de Acácia que apresentam superfícies alisadas ou com aguadas, é proposto,

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para o Zambujal (Kunst, 1996), um tratamento posterior à decoração. Contudo, esta análise não foi, até ao momento, apurada para o conjunto da Ota.

Os recipientes cerâmicos que apresentam este tipo de decoração denotam características técnicas díspares. A compacidade das pastas demonstra-o, com uma distribuição desigual entre pastas compactas (20%), semi-compactas (68%) e pouco compactas (12%), tendo os componentes não plásticos sido assumidos como “o verdadeiro elemento diferenciador” (Sousa, 2010, p.296). O conjunto ostenta uma abundância considerável (73%) de elementos não plásticos com uma granulometria, maioritariamente, marcada por componentes médios (70%). Estas proporções enquadram-se com o panorama do 3º milénio a.n.e. na estremadura portuguesa, ainda que, no nosso caso, o domínio seja da associação de componentes não plásticos de granulometria variada (finos, médios e grandes).

Em suma, podemos concluir que, no que toca às cerâmicas com decoração específica com o motivo Folha de Acácia, estas são enquadráveis dentro das principais características detectáveis para os sítios arqueológicos congéneres. As diferenças, especialmente relacionadas com as técnicas de fabrico e gestos de produção, não tornam o conjunto da Ota diferenciado, sendo assumidas, essas especificidades, como resultantes de um papel claro do individuo por de trás do recipiente e de uma variação associada às produções de recipientes de forma manual.

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