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O 4º e o 3º milénio a.n.e. sítio da Ota (Alenquer) : perscrutando por entre colecções antigas e projectos recentes

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

O 4º e o 3º milénios a.n.e. no sítio da Ota (Alenquer)

Perscrutando por entre colecções antigas e projectos

recentes

Volume I

André Texugo Lopes

Dissertação de Mestrado em Arqueologia

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

O 4º e o 3º milénios a.n.e. no sítio da Ota (Alenquer)

Perscrutando por entre colecções antigas e projectos

recentes

André Texugo Lopes

Dissertação de Mestrado em Arqueologia

Tese orientada pela Professora Doutora Ana Catarina Sousa

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AGRADECIMENTOS

A realização desta dissertação de mestrado só foi possível graças à colaboração e ao contributo, de forma directa e indirecta, de várias pessoas e instituições, para as quais gostaria de exprimir algumas palavras de agradecimento, admiração e reconhecimento:

Aos meus pais e irmão, por serem o núcleo duro do que eu sou, por me formarem em todas as valências da palavra, por terem lutado, acreditado e reconhecido o meu futuro. Obrigado por me terem proporcionado este momento e por termos sido uma família, em todos os momentos deste percurso, face a tantas e tão duras adversidades.

Ao Diogo Lourenço, Nelson Mota e Ricardo Pereira, agradeço a amizade, ajuda em diversos pontos desta dissertação, nomeadamente, nos desenhos técnicos, mas, sobretudo, a presença, a confraternização, o empenho na elevação da moral e a resistência ao meu fatigante estado de alma.

Ao António Carlos Valera, que de forma directa, ainda que sem se aperceber (creio eu!), funcionou como exemplo de boas práticas e caminhos necessários na investigação, incutindo sempre um grande grau de exigência, que se reflecte em muitas das ideias apresentadas na dissertação. Também a forma como acarinhou a minha paixão pela Arqueologia, fazendo-me, desde o primeiro momento, saber qual seria a meta a atingir.

À Câmara Municipal de Alenquer, por pôr em marcha uma mudança em Alenquer, de forma sustentada, em que o Património Cultural tem lugar no discurso, caminhando-se para uma recuperação, valorização e divulgação de uma herança cultural que é de todos, e é, sem dúvida, um dos pontos mais destacados desta Vila. Ainda neste ponto, quero particularizar as pessoas de Rui Costa (Vice-Presidente da Câmara Municipal de Alenquer) e Paulo Franco (Vereador) que acederam sempre aos meus pedidos, correspondendo, com muito interesse, e tornando possível esta dissertação, nos moldes aqui apresentados.

Ao Filipe Rogeiro, uma enorme palavra de gratidão por ter me proporcionado, com

extrema paciência, o acesso à colecção e os meus “caprichos” científicos.

Ao José Carlos Morais, por me ter confiado, em primeira instância, a coordenação dos trabalhos de arqueologia do Canhão Cársico de Ota e ter reconhecido em mim a capacidade e o engenho para os levar a cabo. Obrigado, também, pelo apoio na cartografia e nas questões climáticas, faunísticas e botânicas.

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À restante equipa do Canhão Cársico de Ota agradeço-lhes a aprendizagem, o entusiasmo e qualidade dos trabalhos produzidos, que irão reconhecer, devidamente, a excepcionalidade da paisagem cársica de Ota.

Às instituições de Ota, nomeadamente, a Junta de Freguesia de Ota e Centro Social Recreativo e Desportivo da Ota, representada pelos seus presidentes Diogo Carvalho e Alexandre Azevedo, respectivamente, que acederam afirmativamente a todos os meus pedidos e se demonstraram confiantes no sucesso dos trabalhos produzidos.

A toda à população de Ota, por me terem criado no vosso seio, por me terem ensinado a viver em segurança e em sociedade (para comigo e com os “outros”), por me terem apoiado, por um lado, e suportado, por outro, e me terem incutido um patriotismo desmedido, por esta terra.

Ao Miguel Cipriano Costa pelo apoio na bibliografia, nos trabalhos de campo e pela síntese que realizou nos seus trabalhos, que em muito serviram nesta dissertação.

Aos doutorandos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, especialmente, ao Marco, César e Henrique, pela prospecção e a ajuda no que concerne às geologias locais e aos locais de aprovisionamento.

Aos meus colegas de curso, particularmente, ao Gonçalo Sá-Nogueira, Álvaro Pereira, Richard Peace, Luís Constantino Rendeiro, Cátia Delicado, Ana Olaio, Patrícia Castanheira, Pedro Abade e Filipa Santos, uma enorme gratidão por terem feito parte do meu percurso académico, e de inúmeras histórias, discussões e sonhos, sempre tendo como pano de fundo uma Arqueologia melhor.

Ao João Pedro Cunha-Ribeiro, por ter acolhido os meus desafios e propostas, sempre com um entusiasmo contagiante.

À Ana Catarina Sousa, minha orientadora, que na verdade foi sempre mais do que isso, orientadora nos trilhos da Arqueologia, incansável, presente e, consistentemente, dedicada aos

alunos, trabalhos, Arqueologia e ao 4º e 3º milénio a.n.e. Neste caso, partilhou o “brilhozinho nos olhos” pela estremadura portuguesa e persuadiu-me (não foi difícil) a trabalhar a minha “casa”,

num percurso semelhante, com as devidas diferenças, ao seu.

À Ana Catarina Basílio por ter sido tudo desde o primeiro momento, pela paciência (e a falta dela), pela genialidade que lhe é característica e que me obrigou a crescer, por ter partilhado este caminho comigo, estando sempre pronta ajudar-me com textos, opiniões, discussões e grafismos. Agradeço-lhe tudo neste meu percurso, sendo muito mais do que qualquer linha que pudesse redigir. Obrigado pelo carácter, amizade, carinho, genialidade e coerência.

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O 4º e 3 milénio a.n.e. no sítio da Ota (Alenquer): perscrutando por entre colecções antigas e projectos recente.

A Ota tem sido, recorrentemente, integrada em mapas, em discursos e dados empíricos sobre as mais diversas temáticas, em muito devido à sua larga diacronia de ocupação - Neolítico Final ao Período Islâmico – essencialmente baseada no espólio do “Castro” de Ota, em depósito no Museu Hipólito Cabaço (Alenquer). Este foi integralmente apresentado em 1956, por Ernani Barbosa num artigo expositivo, funcionando, ainda nos dias de hoje, como base ilustrativa do espólio existente.

O estudo presente nesta dissertação conjuga as duas realidades disponíveis até à data, a coleção do Museu e o resultado do projecto COTA – Canhão Cársico de Ota – procurando o seu enquadramento sociocultural e cronológico. O vazio de conhecimento existente sobre as estruturas e espaços do sítio, em toda a diacronia, tornou de extrema utilidade esta abordagem, procurando compreender, e relacionar, a paisagem antrópica dos períodos Neolítico/Calcolítico,

com a “Macro” Região da Estremadura Portuguesa e com a região imediata perfilada pela bacia

hidrográfica dos rios de Alenquer, Grande da Pipa e Ota, que partilham a mesma base geológica

– Jurássico “Lusitaniano”.

Apesar da fragilidade resultante da ausência de contextos, a procura de paralelos com os sítios mais reconhecidos, em áreas limítrofes, permitiu o estabelecimento de uma caracterização cronológica relativa e genérica dos materiais arqueológicos. A sua análise seguiu muitas das propostas de outros autores, ainda que se tenha procurado desenvolver alguns aspectos em particular, gerando interpretações e justificações preparadas para lidar, em alguns casos, com possíveis adaptações locais.

O arqueossítio da Ota terá sido, acreditamos nós, em finais do IV milénio e nos séculos seguintes do III, vivenciado mais intensamente por um conjunto de comunidades, cuja tipologia de ocupação do espaço, ainda se encontra por determinar, em especial porque pode ganhar ritmos diferenciados consoante a cronologia. Ainda que, segundo os dados disponíveis, as actividades agrícolas e florestais se encontrem, minimamente, fundamentadas, em associação ao elevado número de elementos de tear que poderão, também, suportar uma possível ocupação enquanto povoado, do local em estudo.

Simultaneamente, as comunidades revelam a manutenção de contactos inter-regionais, lidos através de algumas matérias-primas encontradas, quer seja devido a um intenso grau de mobilidade ou relacionado com redes de troca. Esta influência encontra-se registada em materiais como o anfibolito, os metais, o xisto e algumas tipologias cerâmicas. É certo que esta abordagem careça de um estudo futuro de proveniências, a fim de alargar o conhecimento acerca das matérias-primas em questão, ainda assim parecem-nos bons pontos de partida. A Ota representa assim,

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mais do que um regresso a um sítio clássico, um regresso à Estremadura Portuguesa, que carece de novas visões, dados, abordagens e preconceitos.

The 4th and 3rd millennium a.n.e. at the site of Ota (Alenquer): Peering through old collections and recent projects.

Ota has been recurrently integrated into maps, speeches and empirical data on the most diverse themes, much due to its wide diachronic occupation - Late Neolithic to the Islamic period - essentially based on the collection of the "Castro de Ota” in deposit at the Museum Hipólito Cabaço (Alenquer). The collection was fully published in 1956 by Ernani Barbosa in an exhibition article, running, still today, as the illustrative basis of the existing artifacts.

The study presented in this dissertation combines the two realities available to date, the collection of the Museum and the result of the project COTA – Canhão Cársico de Ota - looking for its socio-cultural and chronological framework. The emptiness existing regarding the knowledge about the structures and spaces of the site, across the diachronic, has turned this approach extremely useful, once is seeking to understand and relate the anthropic landscape of Neolithic / Chalcolithic periods, with the "macro" region of Extremadura Portuguese and with the immediate region shaped by the river basin of the rivers of Alenquer, Grande da Pipa and Ota, who share the same geological base - Jurassic "Lusitaniano".

Despite the fragility of the study, resulting from the absence of contexts, the demand for parallel with the most recognized sites in neighboring areas allowed the establishment of a relative chronological and generic characterization of the archeological materials. Its analysis followed many of the proposals already defined by other authors, although it has sought to develop some aspects in particular, generating interpretations and justifications prepared to deal with, in some cases, possible local adaptations.

The “arqueossítio” of Ota have been, we believe, at the end of the fourth millennium and

in the fallowing centuries of the 3rd, experienced more intensely by a number of communities whose occupation typology of space is still to be determined, especially because it can acquire differentiated rhythms, according to the chronology. Although, according to available data, the agricultural and forestry activities are minimally founded, in association with the high number of loom elements, the occupation of the site as a settlement, remains as the principal hypothesis.

At the same time, communities reveal the maintenance of inter-regional contacts, read through some raw materials found, whether due to an intense degree of mobility or related with exchange networks. This influence is recorded in materials such as amphibolite, metals, shale and some ceramic types. It is true that this approach lacks a future study of sources, in order to extend the knowledge of the raw materials in question – even though it still seem, to us, a good starting

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points. Ota is thus, more than a return to a classic site, a return to Portuguese Estremadura, which lacks new insights, data, approaches and preconceptions.

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Índice

AGRADECIMENTOS RESUMO/ABSTRACT

1. INTRODUÇÃO... 9

2. ENQUADRAMENTOS... 11

2.1 - História das investigações: O “Castro de Ota”... 11

2.2 - Ponto de Viragem?... 15 3. MÉTODOS E PRÁTICAS... 21 3.1 – Posicionamento teórico... 21 3.2 – Prospecção ... 24 a. Condicionalismos... 24 b. Metodologia... 25

c. Áreas naturais definidas... 26

4. SÍTIO ARQUEOLÓGICO DE OTA ... 28

4.1 – Enquadramentos ... 28 a. Enquadramento geográfico... 28 b. Enquadramento geomorfológico... 28 c. Enquadramento geológico ... 29 d. Paleoambiental ... 32 4.2 – Contextos... 36 5. COMPONENTE ARTEFACTUAL... 41 5.1 – O conjunto... 41 a. Pedra lascada ... 43 1. O conjunto... 43 2. Núcleos... 45

3. Produtos de preparação e reavivamento... 47

4. Debitagem ... 47 5. Lascas... 47 6. Material residual ... 48 7. Produtos alongados... 49 8. Utensilagem... 53 9. Utensílios diversos... 54 9.1. Foliáceos... 55 9.1.1. Foliáceos ovóides... 55

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9.2. Pontas de seta... 58 b. Pedra polida ... 62 1. Caracterização tipológica ... 64 2. Matérias-primas ... 68 c. Pedra afeiçoada... 69 1. Elementos de moagem... 70 2. Polidores/Afiadores... 71 3. Esferóides ... 72 d. Recipientes cerâmicos... 73 1. Caracterização do conjunto... 73

2. Número mínimo de exemplares... 75

3. Repertório formal... 75

4. As decorações... 80

4.1. Grupo 1 – Os bordos denteados ... 81

4.2. Grupo 2 – Grupo Taças Caneladas ... 82

4.3. Grupo 3 – Grupo Folha de Acácia... 84

4.3.1. Caneluras... 86

4.3.2. Folha de Acácia... 87

4.4. Grupo 4 – Motivos Geométricos... 91

4.5. Grupo 5 – Motivos Campaniformes ... 93

e. Elementos de tear ... 96

f. Os artefactos de osso polido ... 99

g. Os artefactos metálicos... 103

6. A OTA E O SEU ENTORNO: CONTRIBUTO PARA UMA LEITURA REGIONAL ... 107

7. APONTAMENTOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 116

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 125

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INTRODUÇÃO

Proceder ao estudo de um sítio fortificado estremenho é relembrar uma parte essencial na história da Arqueologia Portuguesa, sendo uma actividade pontilhada de dados materiais, existindo uma vincada falta a nível contextual e estratigráfico. Esta realidade obriga os estudos recentes a apoiarem-se numa base totalmente artefactualista, sem conseguirem, de forma segura, aceder a dados contextuais e, acima de tudo, sociais, que permitiriam aceder a informações mais úteis e antropológicas. Ainda assim é necessário sublinhar que o processo de estudo e contacto com a componente material dos sítios, neste caso da Ota, apresenta-se como uma tarefa necessária e de extrema utilidade, necessária ao processo de investigação sobre as sociedades humanas antigas.

Tendo este conhecimento e pressupostos de base, partimos para o estudo do sítio da Ota, com o principal objectivo de compreender, clarificar e confirmar, caso assim se verificasse, os verdadeiros ritmos, fases e funcionalidades presente no sítio da Ota, essencialmente durante o final do 4º milénio e o 3º a.n.e., sem descurar uma visão geral da região, totalmente necessária para compreender a Ota numa possível rede, bem como de forma individual, tentando fundamentar algumas das nossas considerações com recurso aos trabalhos de prospecção – resultado do projecto de Caracterização e Plano de Ação do Canhão Cársico de Ota, votado e escolhido pela população afecta a este Património. As questões cronológicas mantêm-se como um dos principais problemas a ultrapassar, sendo necessário proceder a intervenções com pressupostos e técnicas contemporâneas, resultando num conjunto de informações crono-estratigráficas.

O presente trabalho encontra-se então dividido em quatro partes distintas, tentando dar uma visão ampla do sítio da Ota, do seu tempo e espaço, bem como do projecto, das prospecções realizadas e do posicionamento do autor, uma realidade básica necessária para compreender as escolhas e desenvolvimento do presente trabalho.

A primeira parte é dedicada aos enquadramentos gerais da presente dissertação, passando pela ideia e concretização do projecto do Canhão Cársico de Ota, bem como os antecedentes arqueológicos do projecto que influenciam a agenda e os condicionalismos existentes para a área da Ota. É uma parte relativamente curta, que serve essencialmente como justificação para o presente trabalho, representando uma necessidade científica, é igualmente como ponto de apresentação de um caminho a seguir no futuro da Arqueologia, aproximando-a da população, tornando a Arqueologia uma ciência totalmente participada ao serviço da comunidade.

A segunda parte versa sobre a componente metodológica, clarificando a corrente teórica pela qual o autor é influenciado, e a sua agenda científica, associando-se também a apresentação

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das questões práticas (condicionalismos e metodologia de terreno) utilizada aquando dos trabalhos de prospecção. Acima de tudo o principal objectivo desta parte é o de esclarecer os leitores sobre os conceitos norteadores a aplicar na dissertação, sendo que o próprio autor reconhece os seus condicionalismos e potencialidades a nível teórico.

Na terceira parte serão realizados os clássicos enquadramentos geográficos, geomorfológicos, geológicos, paleoambientais e contextuais, tentando compreender todos os factores influenciadores do espaço de implantação da Ota e da sua região, e como esses factores influenciariam, certamente, as populações. Pretende-se então passar uma imagem completa do sítio e da sua envolvência.

A quarta parte é, sem dúvida, a parte mais extensa do trabalho, sendo aqui apresentada a componente material de forma individual, procedendo-se igualmente a uma leitura geral e agrupadora do conjunto. Todos os materiais são apresentados e comparados com sítios semelhantes, a nível regional e a nível de tipologia de implantação/arquitectura, pretendendo-se identificar pontos em comum, mas, essencialmente, particularidades que possam ser típicas do sítio da Ota, permitindo-nos aceder mais facilmente ao agente e à vontade e variabilidade humana. A análise aqui realizada é, como referido anteriormente, artefactualista, tendo-se em conta questões de aprovisionamento, gestos e técnicas na produção dos artefactos, bem como possíveis utilizações dos mesmos, tentando enriquecer-se ao máximo esta componente.

Por fim, no nosso entender uma das principais partes deste trabalho, o enquadramento efectivo da Ota no seu espaço e tempo, procedendo-se ao debate de conceitos operativos estruturantes do pensamento em torno dos sítios fortificados, realizando-se o exercício de pensamento crítico em relação à manutenção e aplicabilidade de alguns destes conceitos, tendo com base empírica e teórica o sítio da Ota.

O trabalho será apoiado com um conjunto de referências bibliográficas e anexos, quer sejam eles cartográficos, referentes aos critérios descritivos aplicados ou ainda contendo estampas ilustrativas dos materiais tratados e analisados. As diversas bases de dados seguem em anexos digitais, especialmente pela sua ampla dimensão, não sendo útil nem funcional a sua impressão. Em suma, a presente dissertação serve como meio de realização pessoal e profissional, dando a conhecer uma realidade pouco tida em conta no panorama científico, pelo menos até ao momento, tendo-se revelado um sítio riquíssimo, possibilitando o seu contacto, valorização e divulgação por entre a população, facilitando e viabilizando as tentativas de aceder ao verdadeiro objecto da disciplina arqueológica – as comunidades do Passado.

Referimos ainda que não foi utilizado o novo acordo ortográfico, sendo que nos opomos totalmente à sua utilização e aplicação.

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2. ENQUADRAMENTOS

2.1 História das investigações: O “Castro de Ota”

“(…) el científico, hijo de su tiempo, refleja las ideas preconcebidas de tipo ideológico u outro que son propias de su entorno e experiencias, así como inquietudes históricas o socialmente específicas” (Hobsbawn, E. 1998, p. 138)

O “Castro de Ota”, nome pelo qual é conhecido, ou o “sítio da Ota”, foi exposto à comunidade científica no ano de 1956, por intermédio do arqueólogo Ernani Barbosa. É de referir, contudo, que a sua descoberta e investigação se deve ao arqueólogo alenquerense Hipólito Cabaço, em 1932. No entanto, assumindo que um sítio arqueológico resulta de um processo somatório de realidades, entre as quais a história das suas investigações, retrocedamos até à génese das investigações do sítio arqueológico da Ota.

A história das investigações deste sítio centra-se, directamente, nos arqueólogos mencionados anteriormente: Hipólito Cabaço e Ernani Barbosa. No entanto, se recuarmos a uma das primeiras figuras da Arqueologia portuguesa, General Carlos Ribeiro, vemos, desde logo que este, embora não o tenha mencionado nos seus trabalhos, reconhece a importância do sítio arqueológico aqui em estudo. É ainda de sublinhar que Carlos Ribeiro procede à identificação de diversas áreas de aprovisionamento de sílex, num dos locais onde se detectam, em níveis superficiais, vestígios da larga diacronia de ocupação da Ota. A não referencia à identificação de uma ocupação mais recente é rapidamente justificada, se tivermos em conta a corrente teórica dominante à época (Ribeiro, 1871), bem latente num dos seus principais trabalhos: ALGUNS SILEX E QUARTZITES LASCADOS encontrados nas camadas dos terrenos terciário e quaternário das bacias do Tejo e do Sado. No entanto, Carlos Ribeiro é, ainda assim, um dos nomes que está na génese das investigações deste sítio arqueológico – não directamente ao “Castro de Ota” em si, mas do seu entorno, com a questão do Homem Terciário da Ota, bem como do próprio desenvolvimento e nascentes do Rio de Ota, tendo visitado toda a sua extensão (Ribeiro, 1867, p.72). Não podemos deixar de referir que o IX Congrès International d´Anthropologie et d´Archéologie Préhistoriques (CIAAP) teve o mérito de colocar a região de Alenquer, nomeadamente, Ota, no mapa da Pré-História internacional. (Branco, 2007, p. 12). A problemática dos trabalhos de Carlos Ribeiro permanece em aberto até ao ano de 1942, ano em que é encerrada, de forma definitiva, por H. Breuil e G. Zbyszewski, este último membro da mesma instituição a que pertencera também Carlos Ribeiro – os Serviços Geológicos.

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Carlos Ribeiro não só influenciou toda uma geração arqueológica que lhe sucedeu, como todo um concelho, sentindo-se, ainda hoje, algumas dessas influências - Hipólito Cabaço é o melhor exemplo, sendo fruto e descendente de uma “geração de ouro” que, embora tenha herdado desta o reconhecimento pela classe arqueológica e a magia da “descoberta”, não recebeu o legado dos hábitos de registo e recolha sistemática ou de publicação internacional, dificultando a reconstrução dos antigos processos de escavação, não se tendo acesso a proveniências aproximadas que, nos dias de hoje, permitiriam definir funcionalidades e zonas específicas dentro dos sítios arqueológicos.

“A derradeira sequela da impressionante polémica desencadeada em Portugal há precisamente 120 anos sobre o Homem Terciário teve por palco, exactamente, os mesmos terrenos pisados por Carlos Ribeiro e seus pares, tendo por protagonistas os membros de uma equipa dirigi da por Mendes Corrêa. Admitindo a existência humana no Terciário, foi com grande expectativa, como declara, que este Professor de Antropologia se deslocou em 1926 à Quinta do Vale das Lapas, junto à estrada de Alenquer a Ota, onde Hipólito Cabaço havia recolhido ossos humanos em terrenos miocénicos. A confirmar-se a idade de tais restos, estava encontrada a prova que, em vão, insistentemente se procurou nas décadas anteriores. A escavação que, de imediato, ali se realizou, viria a revelar, porém, uma sepultura neolítica em covacho aberto no substrato miocénico (Corrêa, 1926).” (Cardoso, 1999/2000, p.49).

Hipólito Cabaço, o arqueólogo alenquerense - definido em 1970, ano do seu óbito, por Maria Amélia Horta Pereira como um pioneiro heróico e gigantesco - torna-se, a partir da descoberta do sítio Paleolítico na Quinta do Espírito Santo, o grande precursor da Arqueologia na região de Alenquer, a partir de 1903, sendo também responsável pela mais extensa e coerente

obra de prospecção e exploração dentro dos domínios da Pré-história, realizada na primeira metade do século XX, sobretudo nesse sector ingrato, difícil e controverso que é o paleolítico.

(Pereira, 1970, p.7).

Hipólito Cabaço nasce em 1885, numa freguesia do Concelho de Alenquer. Provém de uma família burguesa abastada, proprietária de inúmeros terrenos no concelho que via, no seu primeiro filho, o herdeiro natural dessas mesmas propriedades. É com o objectivo de manter o negócio familiar no activo que, em 1901, Hipólito se fixa na região de Bordéus, sob a protecção do seu padrinho. Contudo, segundo as suas próprias declarações, posteriormente descritas pela autora incumbida de realizar a devida homenagem: passava mais tempo nos museus do que nas

adegas (Pereira, 1970). Foi nos museus que encontrou a sua verdadeira vocação: a Arqueologia.

Não nos esqueçamos também que Hipólito Cabaço é influenciado por todo um crescimento apoteótico da arqueologia francesa, encabeçada por Boucher de Perthes (1788-1868), Édouard

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Lartet (1801-1871) ou mesmo o Gabriel de Mortillet (1821-1898). É, nesse paradigma, que dois anos depois chega a Portugal e se lança na sua jornada de prospecções arqueológicas descobrindo, com apenas 18 anos, uma jazida paleolítica que viria a ser estudada por Henri Breuil e Georges Zbyszewski, em 1943. A esta descoberta sucedeu-se a localização de quase uma centena de estações de todos os períodos cronológicos, desde o Paleolítico Superior até ao período Medieval Cristão, ao longo de uma extensão territorial que percorre os concelhos de Alenquer, Salvaterra, Azambuja, Peniche, Caldas da Rainha, Santarém, Abrantes, Elvas, Cadaval, entre outros. No intervalo de 1920 e 1922, o arqueólogo alenquerense dedica-se às jazidas da Ota, onde explora a Caverna da Moura e, em 1925, descobre, no Vale das Lajes, uma jazida paleolítica e uma sepultura, classificada com cronologia Neolítica pelo professor de antropologia Mendes Corrêa. A chegada ao povoado da Ota dá-se pela aproximação do topónimo “Casal da Moura” à realidade aí existente, levando-o a identificar este sitio arqueológico no ano de 1932, onde realizou a sua exploração arqueológica, por meio de sondagens, dois anos depois.

Em situação semelhante encontra-se a estação arqueológica de Pedra d’Ouro, identificada em 1934, bem como Vila Nova de São Pedro, em 1936. Este conjunto de identificações são o resultado de uma observação por parte de Hipólito Cabaço que mostra ter reconhecido as características particulares e partilhadas por este tipo de sítios, que se localizam, tendencialmente, em altura onde o controlo visual de uma ampla paisagem é quase “obrigatório”, assim como as boas ligações a afluentes do Tejo. Tal como referido anteriormente, este arqueólogo não publica, tendo sido dadas a conhecer, as suas descobertas, por investigadores posteriores, entre os quais Afonso do Paço, Padre Jalhay e, no caso concreto da Ota, Ernani Barbosa.

Ernani Barbosa é outro dos nomes principais que se cruza na história das investigações do “Castro de Ota”, sendo que também se intersecta com o nome de Hipólito Cabaço. Porque se o explorador do arqueossítio recolhe os louros pela sua descoberta em 1932, deve-o ao arqueólogo Ernani Barbosa que, em contexto de realização da sua tese de licenciatura, publicada em 1955, expõe muitos dos sítios descobertos por Hipólito Cabaço, correspondentes aos períodos cronológicos situados entre o Paleolítico e a Idade do Bronze – Alenquer nas épocas Pré e

Proto-históricas – apresentada na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sendo bolseiro do

Instituto da Alta Cultura. Entre os sítios arqueológicos publicados encontram-se o “Castro de Ota” e o “Castro da Pedra d’Ouro” que irão ter uma preocupação maior por parte do autor, que se vê reflectida na publicação, no ano seguinte (1956), na revista O Arqueólogo Português, de textos individualizados para ambas as jazidas, em detrimento das restantes estações trabalhadas na tese de licenciatura.

A publicação de 1956 é, sem sombra de dúvidas, o ponto de viragem para o sítio da Ota, Ernâni Barbosa leva a cabo um estudo tipológico e formal dos materiais, tentando ainda

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compreender as dinâmicas de vivência do sítio, como se encontra explanado no capítulo A vida

dos habitantes do Castro. A vida de Ernani Barbosa na Arqueologia portuguesa fica

intrinsecamente ligada a esta publicação do “Castro de Ota” e ao seu congénere na revista do Arqueólogo Português, contudo a primeira ganhou maior destaque já que é a única, e mais extensa publicação, sobre o povoado. Este trabalho, apesar de não atingir a perfeição desejada por uma arqueologia actual, é a separata de eleição para identificar paralelos com as realidades presentes no Castro de Ota.

A biografia de Ernani Barbosa, ou mesmo os contornos mais básicos da sua vida, são desconhecidos nos dias de hoje, estando a sua “vida” arqueológica explanada na bibliografia que produz – podemos utilizar o ano da sua última publicação como referência, 1970 (ano da morte de Hipólito Cabaço), em que publica novamente materiais da colecção de Cabaço, desta vez sob o tema: Notícia de alguns achados romanos no Concelho de Alenquer., ficando claro que o autor está no activo e mantém a sua ligação à colecção nesta altura. Ernani Barbosa é assim um arqueólogo em toda a sua amplitude, denotando as suas raízes metodológicas, próprias da “escola” em que se licenciou.

A história das investigações do sítio arqueológico da Ota centra-se, essencialmente, nestas duas personagens: Hipólito Cabaço e Ernani Barbosa, mas outros arqueólogos podem ser associados à Ota, ainda que de forma fugaz, como o caso do Prof. Mendes Correia que é levado por Hipólito Cabaço e efectua recolhas no sítio arqueológico, sem qualquer publicação desses materiais; outro dos investigadores é Victor S. Gonçalves, que numa visita ao Castro de Ota encontrar uma das três moedas da 2ª guerra púnica em solo português, realizando, paralelamente a esta visita, a escavação do “Castro” congénere – Pedra d’Ouro (informação pessoal que se agradece).

Esta última intervenção explana a situação em que se encontra, até ao momento, a atenção do meio arqueológico face ao povoamento entre o 4º e 3º milénio a.n.e. no concelho de Alenquer, com uma divisão e interesse desigual. A especificidade da Ota, nomeadamente, o amplo leque cronológico – do Calcolítico ao Período Medieval Islâmico, revelado pelos materiais do local – torna qualquer leitura, baseada nas análises de superfície, mais prudente. É interessante verificar que, apesar do potencial deste sítio, os estudos a ele dedicado pouco avançam para além da longa lista de materiais sem grandes considerações teóricas (Barbosa, 1955 e 1956). A partir da década de oitenta as referências à área em estudo tornam-se pontos num mapa, menções pontuais em obras de carácter mais abrangente, como sejam os efectuados por João José F. Gomes (1978, 1987, 1994), que se resume a listagens de materiais depositados no museu Hipólito Cabaço. Passando pela tese de mestrado de Maria Miguel Lucas (1994), em que inclui a Ota no inventário dedicado às regiões de “Torres” e “Alenquer”, às referências de Kalb (1980) a propósito do

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Bronze Atlântico onde incluí alguns materiais da Ota. Ainda na sequência se pode destacar Rollán (1996), que menciona os pesos de tear (placas) do sítio na sua vasta publicação sobre esta temática especifica, contudo, tal como os anteriores, vai beber à publicação de Ernani Barbosa e coloca a Ota como não tendo qualquer peso de tear decorado – o que não corresponde à realidade. As leituras ou investigações que se desenvolvem são feitas, na sua grande maioria, tendo por base um catálogo elaborado na década de sessenta - as revisões do conjunto são escassas e poderão ter sido iniciadas com o trabalho de Miguel Costa (2006). Apesar de este autor não ter feito um trabalho especificamente sobre o sítio em estudo ou sobre as temáticas do 4º e 3º milénio a.n.e., estudou o conjunto e visitou o sítio a fim de fazer a sua própria leitura espacial.

A Ota surge assim com um dos sítios arqueológicos com um maior potencial, e necessidade de estudo, já que até ao momento não é encarado como um ponto seguro no mapa do povoamento fortificado estremenho, no 4º e 3º milénio a.n.e.

2.2 Ponto de viragem?

O futuro, ou o presente, da Ota, surge ligado ao aparecimento de um fenómeno recente na sociedade portuguesa – os orçamentos participativos. É neste âmbito que esta dissertação se encontra, enquadrando-se no projecto denominado Caracterização e plano de ação do Canhão Cársico de Ota, tendo sido este vencedor do Orçamento Participativo do Município de Alenquer de 2014. O trabalho de investigação e desenvolvimento para a área do Canhão Cársico de Ota incide na caracterização da mesma área (mapa 1 e 3 – anexos), do ponto de vista da Biologia, Geologia e Arqueologia, através do trabalho de uma equipa multidisciplinar de técnicos e investigadores, todos eles ligados ao concelho de Alenquer. A implementação do projecto prevê também uma componente de divulgação e um plano de acção com identificação de valores, ameaças e recomendações de gestão a concluir até ao final de 2016. A coordenação da componente de Arqueologia ficou a cargo do autor da presente dissertação e tem, como principal objectivo, a identificação, localização, caracterização e valorização do património arqueológico. A componente de Arqueologia está delimitada aos limites do geossítio – Canhão Cársico de Ota – exceptuando a área do “Castro de Ota” que se estendeu para além dos limites, impostos pela unidade paisagística do Canhão, tendo como objectivo maior compreender as dinâmicas da ocupação humana no espaço em estudo. Trabalhar a Arqueologia na área do Canhão Cársico de Ota é entrar numa viagem no tempo, remetendo para um período da História da Arqueologia em que os métodos e os pressupostos científicos refletiam as mentalidades da época. O principal sítio identificado, já referenciado nos anos 30, é o Castro de Ota (Barbosa, 1956). Este sítio tem, desde as primeiras publicações, uma cronologia de ocupação que remonta ao Neolítico/Calcolítico e se estende até ao Período Romano, sendo que atinge o seu auge no período Calcolítico/Idade do

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Bronze – realidade observável pelos seus materiais. Juntamente a este sítio, já clássico da História da região foram identificados mais três (Outeiro do Seio I, CNS: 22073; Outeiro do Seio II, CNS: 22074; Via Romana/Moderna), no ano de 2005 (fichas de sítio – anexos), aquando do Estudo de Impacte Ambiental para a expansão da Pedreira do Outeiro do Seio (Monteiro e Caninas, 2005). Estas eram as informações de que dispúnhamos no início deste projecto, sendo que careciam de confirmação e de adição de novos dados. E foi mesmo esta carência, que se encontrava disseminada pelas áreas de trabalho, que motivaram, numa primeira fase, o grupo de investigadores a que pertenço a intervir junto da comunidade. A criação de plataformas nas redes sociais facilitou o processo de divulgação de vídeos explicativos, de textos informativo sobre as mais diversas áreas e de explicações adicionais fundadas na curiosidade dos utilizadores. Toda esta dinâmica em torno de um espaço distinto no concelho de Alenquer, que mesmo assim era desconhecido por uma maioria esmagadora dos munícipes, aliada a um surpreendente «patriotismo local» dos habitantes da Ota, tornaram e possibilitaram que o projecto vencesse e conquistasse o financiamento exigido pelo grupo de trabalho.

A soberania cedida pelos organismos de representação, a nível municipal, aos cidadãos integra-os, desde da sua génese, aos projectos e promove a sua vinculação quanto ao desenvolvimento dos mesmos. O Orçamento Participativo implica a reintrodução de elementos de participação a nível local, tais como as assembleias locais e de grupos a nível municipal, representando, portanto, uma combinação dos métodos da tradição de democracia participativa. Em segundo lugar, é caracterizado por ser uma tentativa de reversão das prioridades de distribuição de recursos públicos a nível local, sendo estes deliberados pelos próprios munícipes (Santos e Avritzer, 2002). É, portanto, uma das respostas para os défices democráticos que têm sido vinculadas através de práticas de orçamento participativo, numa abordagem que visa colmatar as falhas dos sistemas democráticos, através do incentivo à participação e envolvimento dos cidadãos nos processos decisórios. Ainda que não tenha sido possível medir os impactos do 1º Orçamento Participativo de Alenquer, a sua continuidade foi assumida pela administração local e houve, no 2º Orçamento Participativo de Alenquer um incremento em cerca de 35% de participação, em relação ao anterior - faz-se notar um crescente interesse por estas prácticas de inclusão. O caso da Ota foi também ele representativo dessa evolução e de desenvolvimento alargado do anterior projecto, uma vez que, ainda que o projecto Caracterização e plano de ação do Canhão Cársico de Ota esteja a decorrer, foi submetido paralelamente a concurso o projecto de Requalificação dos Olhos de Água (Ota), que pretenderia melhorar a primeira imagem do Canhão Cársico de Ota. Essa mobilização fez-se notar num crescimento de 41% de votos face ao primeiro projecto vencedor da Ota, ainda que não tenha conquistado financiamento. Mesmo estando a concretização do projecto numa fase intermédia, a repercussão é já evidente e pode ser

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visualizada e contabilizada em meios díspares, como é o das redes sociais ou mesmo da crescente procura das visitas guiadas e percursos pedestres à área em estudo.

O faseamento da execução da componente de Arqueologia do Canhão Cársico da Ota esteve, num primeiro momento, dependente de aprovação por parte da Direcção Geral do Património Cultural de um projecto de prospecções sistemáticas, numa área de 70 ha, denominado COTA – “Canhão Cársico da Ota” (2015/1 (174)). Viria a ser aprovado e iniciado no dia 4 de Agosto de 2015. A par do trabalho de campo foi desenvolvida a recolha bibliográfica em conjunto com o “estudo de materiais I”, numa primeira fase, apenas sobre a colecção Hipólito Cabaço e, posteriormente, incidindo nos materiais resultantes das prospecções. Esta segunda fase, estudo de materiais II, distingue-se do estudo de materiais I, uma vez que, logo na sua descoberta em campo, os materiais foram inventariados in situ com a devida georreferenciação e o registo fotográfico. Nestas prospecções apenas foram recolhidos elementos classificáveis e passiveis de estudo, fazendo-se assim uma recolha selectiva e mais cuidada com os contextos arqueológicos e os materiais. Já em laboratório foram devidamente lavados, tratados e marcados podendo assim, como estava estabelecido no Pedido de Autorização de Trabalhos Arqueológicos, aprovado pela tutela, ser devidamente acondicionados e preparados para integrar uma proposta de depósito no Museu Hipólito Cabaço. A última fase prevista, tanto no projecto do Caracterização e plano de ação do Canhão Cársico de Ota como no COTA, remete para a difusão dos resultados obtidos e destina-se a dois públicos distintos: um estritamente científico e um não especializado/ local. Independentemente das fases de concretização do projecto é mantido, desde do início, a plataforma na rede social – Facebook – que traz a todos os seguidores e interessados, as noticias semanais e actualizações relativas às diferentes componentes do projecto.

Os resultados preliminares decorrentes do estudo de materiais I, das prospecções arqueológicas e do estudo de materiais II são reveladores da dimensão arqueográfica, patente na área em estudo, e evidenciam a larga diacronia que já era referida por Ernani Barbosa, trazendo o elemento de campo que ficou perdido na memória do falecido Hipólito Cabaço. Em relação aos três sítios arqueológicos que já se encontravam registados aquando do início destes trabalhos, pode referir-se que o Castro de Ota se mantém como o mais rico a nível arqueológico, não só pelos seus contextos e estruturas, como pelo espólio em depósito no Museu.

Este último apresenta uma grande quantidade de materiais classificáveis estando, entre esses, fósseis directores que permitem confirmar que este local terá tido diversos momentos distintos de ocupação (conceito): entre o 4º e o 3º milénio; Bronze Final; Romano Republicano; Romano Imperial; Medieval. Estas várias fases e ritmos estavam implícitos nas arquitecturas que Ernani Barbosa transcreveu, a partir das descrições do descobridor do local (Barbosa, 1956). Estas estruturas que na sua maioria remetem para a Pré-História Recente, eram, até à data deste projecto,

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desconhecidas e desapareceram por entre a vegetação intensa de carrascos e pinheiros bravos - como será apresentado no capítulo 4.2, muitas delas foram relocalizadas, não na sua totalidade, tendo sido também descritas e alvo de uma tentativa preliminar de interpretação.

O sítio do Outeiro do Seio 1 (CNS: 22073) é referenciado na bibliografia como um possível povoado fortificado Pré-Histórico (Monteiro e Caninas, 2005) - os resultados das prospeções efetuadas pela equipa de trabalho não confirmam estas informações. Os alinhamentos e estruturas descritas por aqueles autores no Relatório sobre a Avaliação do Descritor de Património Arqueológico, Arquitectónico e Etnológico do Estudo de Impacto Ambiental do Projeto de Execução da Ampliação da Pedreira Outeiro do Seio n.º 2 (Alenquer), resumem-se a blocos de grandes dimensões que se desprenderam dos afloramentos por via da erosão, ou mesmo afloramentos naturais típicos desta região, aos quais não foi possível associar qualquer vestígio da presença Humana. Como tal este sítio, Outeiro do Seio 1, em função das observações efetuadas, não pode ser considerado como um sítio arqueológico. A recomendação que será enviada à Direcção Geral do Património Cultural vai no sentido de rectificar este local na base de dados Portal do Arqueológo/Endovélico.

Outra das informações, proveniente dos trabalhos de campo efectuados no Estudo de Impacte Ambiental, referido anteriormente, é a caracterização do sítio do Outeiro do Seio 2 (CNS: 22074) (Monteiro e Caninas, 2005) enquanto abrigo com presença Pré-Histórica. Este carso é comparável a muitos outros “abrigos” /cavidades presentes nas vertentes calcárias que se encontram a descoberto no Canhão Cársico de Ota. No que concerne às gravuras filiformes - duas formas lineares que se cruzam formando dois V - a cronologia Pré-Histórica parece-nos pouco fundamentada já que, nas fotografias apresentadas aquando do já referido Estudo de Impacto Ambiental, as gravuras filiformes aparentam ter uma aparência bastante “viva” que apontaria para uma fabricação moderna ou contemporânea – as paredes calcárias presentes em todo o Canhão Cársico de Ota impossibilitam, salvo em raras excepções, devido à sua rápida erosão e constante transformação, a durabilidade de gravuras, ou pinturas, de períodos muito recuados. Estas gravuras não devem deixar de constar na lista de “sítios arqueológicos”, mas a sua cronologia deve sim ser revista e ponderada, já que pelas suas condições naturais envolventes a probabilidade de ter uma origem Pré-Histórica é remota.

As prospecções trouxeram também a identificação de uma Via Romana secundária que se encontrava sumariamente referenciada nos trabalhos de Miguel Costa (2010), tendo sido agora confirmada. Será objecto de inventariação junto da Direcção Geral do Património Cultural. Esta via é um potencial reaproveitamento de um caminho.

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No âmbito do estudo dos materiais arqueológicos é de destacar as cerca de 160 peças que foram recolhidas no decorrer das prospecções na área do Castro de Ota. Estes materiais possibilitaram ensaiar e identificar manchas de ocupação, como adiante veremos, permitindo também uma análise territorial, bem como um rascunho do espaço e tempo no sítio da Ota. Foi também possível aceder ao conjunto de materiais que se encontram depositados no Museu Hipólito Cabaço, em Alenquer, o que permitiu assim testar modelos de associação entre os materiais georreferenciados decorrentes da prospecção e os materiais do Museu resultando, numa primeira instância, nas áreas de maior incidência de cada período histórico. Foi através do estudo de materiais que se aumentou o balizamento cronológico da ocupação no Castro de Ota e colocar um ponto no mapa a respeito a uma presença Islâmica, ainda que não se tenha averiguado a sua expressividade no território – foi possível identificar um fragmento de asa vidrada e uma peça estampilhada, decoração característica deste período, no decorrer dos séculos XII e XIII (Viegas e Arruda, 1999, p. 164; Bugalhão, Gomes e Sousa, 2007).

A segunda e última parte do projecto, financiado pelo Orçamento Participativo de Alenquer, corresponde à identificação e criação de um plano de acção para fazer face às ameaças encontradas. Até ao momento, foi possível apontar algumas das principais ameaças e efectuar algumas propostas para minorar os efeitos negativos, no diz respeito à preservação e conservação do património cultural. As ameaças identificadas para o geossítio da Ota correspondem às actividades de extracção de inertes, nas pedreiras “Serra da Atouguia” e “Outeiro do Seio”; à visitação e desportos de natureza e à destruição directa do património arqueológico.

As actividades de extracção de inertes, situadas a Norte da área afecta ao projecto Caracterização e plano de ação do Canhão Cársico de Ota, deverão ser fiscalizadas quanto ao cumprimento dos planos de lavra aprovados, ao respectivo faseamento e devido acompanhamento desses procedimentos. As visitas guiadas ou desportos de natureza necessitarão de uma regulamentação, em sede de plano de ordenamento e gestão de áreas, a criação de um centro de interpretação com funções de divulgação, sensibilização, apoio à visitação e, também, de fiscalização das medidas impostas. A marcação e delimitação de trilhos e estações de visitação do Canhão Cársico de Ota farão também parte de um plano de explicação e de sensibilização para o património natural e cultural, que culminará na elaboração de uma carta de boas práticas onde conste também o desporto de natureza. A destruição do património arqueológico que tem sido levada a cabo, até aos dias de hoje, tanto pelos “caçadores” de tesouros como pela falta de sensibilidade dos responsáveis florestais, já resultou no aparecimento de três “sondagens”, na zona do “Castro de Ota”, numa área estimada de afectação de 20m². Ainda assim, o maior atentado ao património cultural na Ota deu-se nos inícios dos anos 2000, com a abertura de um caminho florestal que invadiu o sítio arqueológico desde de a sua base até ao topo. Numa extensão 100

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metros e numa área afectada próxima dos 685 m², todo este espaço foi arrasado por uma retroescavadora, ainda que haja esperança que não tenha atingido a base da ocupação humana do arqueossítio.

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3. MÉTODOS E PRÁTICAS

3.1 - Posicionamento Teórico

We are concerned to emphasise that the person of the archaeologist is essential in coming to understand the past. The past is not simply under the ground waiting to be discovered. It will not simply appear, of course, but requires work. Consider discovery. Discovery is invention. The archaeologist uncovers or discovers something, coming upon it. An inventor may be conceived to have come upon a discovery (Shanks e Hodder, 1995, p.11).

A provocação que segue na citação de Shanks e Hodder remete-nos para uma das principais dificuldades com que o arqueólogo se depara, a “invenção”. Esta resulta de uma dinâmica de diversos factores, como o geológico e o ambiental, por parte do meio, e social e cultural, por parte do arqueólogo que, sobre o sítio/contexto, actua (na escavação e/ou interpretação). Por este motivo, considero que a apresentação desta dissertação deve ser resguardada, ao máximo, pelo registo arqueológico, uma vez que esta sociedade, ainda que presente até aos dias de hoje, certamente não é a mesma que a do passado (Shanks e Hodder, 1995, p.12).

A pretensão deste trabalho resulta, invariavelmente, do posicionamento teórico e das motivações para a concretização do mesmo. A reflexão da minha posição teórica vai de encontro à definição e conceito proposto por Gandara (2008, p.74), e é tendo em conta os pressupostos valorativos, ontológicos, epistemológicos e metodológicos que se procurará explicar o questionário arqueológico empregue, e a minha relação com objecto de estudo, o Homem.

Na área valorativa, os supostos estão relacionados com as questões “para quê? E para quem?” se está a desenvolver a actividade científica, que assenta em quatro pilares estruturais. Os pilares éticos e políticos são os que permitem selecionar que problemas são relevantes – que sentido faz a investigação? E quem beneficia com a sua solução?. Que tipo de conhecimento é necessário produzir? é um marco a atingir com o chamado “objectivo cognitivo”, que elenca uma combinação entre a descrição, explicação causal, interpretação e compreensão e a glosa (em tradução livre, iluminar). Por fim, o pilar estético, que pretende definir as teorias a produzir, devendo ser formalmente simples, elegantes ou complexas, consoante o objectivo atingir.

A reflexão acerca desta dissertação perfila dois tipos de objectivos centrais tendo, naturalmente, dois tipos de grupos-alvo distintos – comunidade científica e comunidade local – o que discorre da natureza dos objectivos (éticos) e do sentido deste estudo. Em primeiro lugar, é o primeiro estudo dedicado, em exclusivo, ao conjunto de materiais da Ota, sendo, porventura, um dos sítios arqueológicos, na estremadura do 3º milénio a.n.e., com menos atenção por parte da

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comunidade arqueológica, resultando na escassez de informações acerca do mesmo – podem resumir-se à tese, para a zona de Alenquer, e ao artigo de 10 páginas escritas por Ernani Barbosa, no Arqueólogo Português. A investigação levada a cabo torna-se, assim, essencial para o estudo da Pré-História recente em Portugal, uma vez que, além da Ota se encontrar desconhecida, a dicotomia entre a Estremadura e a região do Alentejo é avassaladora, pondo em contraste uma área que teve um alto impacto na Arqueologia - derivado das obras públicas que nessa região se implantaram - e uma outra que permanece “adormecida”, desde o frenesim das décadas de 40 a 80 – com uma carência clara de contextos, intervencionados segundo os paradigmas teórico-práticos contemporâneos. Do mesmo modo que se apresenta vital colocar a Ota no mapa da comunidade arqueológica, este trabalho pretende, também, corresponder e colmatar uma necessidade de conhecimento, acerca do sítio arqueológico de Ota, por parte da comunidade local, que tem demonstrado uma carência efectiva, que se demonstra através das suas pretensões: a enorme afluência a exposições, comunicações e, também, a sufrágios públicos (leia-se aqui, por exemplo, Eleições autárquicas e Orçamentos participativos), quando se encontra algum vinculo com o sítio.

Quanto ao “objectivo cognitivo”, que assenta nos quatro pilares anteriormente enunciados, estes irão ter graus de envolvimento e profundidade distintos, o que acaba por ser “normal”, segundo Gandara (2008, p.82), revelando que, no geral, a Antropologia e as Ciências Sociais só podem “navegar” num dos elementos estruturais, ao contrário das ciências exactas, ou mesmo das naturais. Contudo, o presente trabalho prevê ser mais do que somente uma descrição, ainda que se assuma que é uma das suas principais valências. As minhas ambições, quanto à presente investigação e às futuras intervenções neste local, são de ter a dimensão da descrição estabelecida e proceder a um desenvolvimento da “interpretação compreensiva” (Gandara, 2008, p. 86), que corresponde à tentativa de entender as populações do passado, através de um questionário sobre as acções, os objectos e os agentes. Ainda que reconheça as minhas fragilidades, provenientes das poucas leituras bibliográficas, ao nível da Filosofia, Antropologia, Psicologia e Sociologia.

A área Ontológica, no entender de Gandara (2008, p.93), é onde se localizam os pressupostos que correspondem ao questionário relacionado com as características das realidades. A ideia, segundo o autor, é simples: contestar a la pregunta de qué está hecha la realidad –en nuestro caso, la realidad social, la realidad arqueológica?; cuáles son las unidades relevantes de estúdio?; qué propiedades tienen? Os supostos ontológicos são metafísicos, precisamente, porque as disputas entorno à “estrutura arqueológica” não refletiam o total dos elementos de uma cultura, incluindo o nível social e ideológico, que, normalmente, não se resolvem mediante investigações empíricas. Fugindo, por falta de recursos, aos temas centrais da Ontologia, que não

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se reduzem apenas aos problemas de que são feitas e onde reside a cultura, mas procurando corresponder às propriedades presentes.

A incapacidade de reconhecer a causalidade, a “nomologicidade” (Hair et al, 1998) e as hierarquias, discorrem dos objectivos desta dissertação e da proveniência do objecto de estudo que se suporta numa base empírica, sem contextos seguros, e recolhidos sobre normas, métodos e práticas não desejáveis em Arqueologia. Ainda que, reconheça uma visão sobre o objecto de estudo como proveniente de um Realismo Social de Durkheim (1894), e somando uma visão da cultura como mecanismo extrasomático de adaptação humana de White (1959). Em contra-senso, não na totalidade, está a minha posição na propriedade ontológica da agência face à estrutura, em que assumo a importância de um discurso assumido por Giddens (1989), no entanto, opto pela variante introduzida por Marcus e Flannery (1996) que, através da chamada teoria da acção, reconhece tanto a contribuição da estrutura, como a do agente, sendo que os poderes de decisão de ambos devem ser tidos em conta e os mesmos podem ser capazes de criar situações que promovem mudanças.

A área da epistemologia é um campo fértil na Arqueologia, sendo parte da constituição da mesma, de modo informal. Isto porque, a Arqueologia não tem acesso directo à realidade social que estuda, logo implica que o nosso acesso seja mediado, dependente do material arqueológico - com esse facto registou-se um aumento generalizado de cepticismo. A área da epistemologia, como Gandara a caracterizou, corresponde aos pressupostos relacionados com as questões até onde e como é que podemos conhecer o passado através do registo arqueológico. Sendo que se tratam, muitas das vezes, de conceitos profundamente integrados na prática quotidiana e que tendem a ser pouco aprofundados e examinados criticamente no seu uso. Na prática, esta realidade está enraizada na Arqueologia portuguesa, com um incontável uso de termos abusivos relacionados com funcionalidades, percepções e entendimentos da realidade arqueológica muito influenciados e condicionados pelo contexto em que se pensa sobre eles.

A análise do conhecimento é um dos principais propósitos da epistemologia, sendo expressa por António Valera (2008, p.4) como O ser humano quando conhece, conhece o quê?. Este é então um dos propósitos que a Epistemologia serve, estando sustentada numa tradição grega de análise clássica do conhecimento, que propõe cumprir três condições: crença, justificação e verdade. Para que algo conte como conhecimento, a crença deverá unir-se de razões e argumentos (justificação), e o seu resultado deverá reflectir a verdade. A apresentação de uma crença como uma verdade irrefutável, sem expor qualquer justificação, é conhecida como o dogmatismo. Esta dissertação conjectura, também ela, uma crença do autor que, neste caso, expõe uma propensão para a verdade sobre a presença Neolítica no local; o valor da Ota no panorama cientifico actual, principalmente nas questões do 3º milénio a.n.e.; a mais valia dos estudos de

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coleções antigas em associações a trabalhos recentes e ainda à abordagem do Realismo Social com uma visão de Cultura como mecanismo extra-somático. A justificação das minhas crenças deverá ser tida em conta com o decorrer do trabalho, tanto na parte de descrição do conjunto como na abordagem à “integração” cultural, às conclusões acerca do conjunto, como na exposição e interpretação das estruturas encontradas na Ota. A verdade, em relação estreita com as teorias por detrás da justificação, é assente no coerentismo (Gandara, 2008, p.128; Oliva, 2002, p.62), que presume que a verdade de uma teoria não pode ser avaliada por uma comparação com uma realidade independente, dado que a dita realidade independente não existe. O máximo que poderemos atingir, ou aspirar, é a criação de um discurso coerente, sendo que é também assumida a possibilidade de haver mais do que um discurso coerente, respeitável e “verdadeiro”, ou complementar.

3.2 - Prospecção

a. Condicionalismos

Os principais condicionalismos com que nos deparámos na área do projecto do Canhão Cársico de Ota prendem-se com questões topográficas, tendo em conta que o terreno é bastante irregular, atingindo os 170 metros de altura, pontilhado de declives acentuados e zonas de escarpas, que dificultam o processo de prospecção. A este problema podemos adicionar a densidade da vegetação que, por inerência, diminui drasticamente a visibilidade do solo dificultando novamente a identificação de materiais e estruturas, bem como a própria circulação (Sousa, 2010).

Estas realidades surgem associadas ao fenómeno geológico do Canhão Cársico, que forma, por acção do rio, encostas muito acentuadas onde a vegetação, essencialmente herbácea e arbustiva é extremamente densa, pontilhada com alguns exemplares arbóreos – estas condições, como mencionado anteriormente, tornam a visibilidade para o solo, e por vezes para a própria paisagem, reduzida ou, em certos casos, nula. Ainda assim, com recursos às devidas medidas de segurança, foi-nos possível prospectar toda a área em estudo, onde se incluem também as cavidades naturais.

A nível de acessibilidades, a presença de caminhos florestais para combate a incêndios torna o acesso á zona do Canhão Cársico relativamente fácil. Quando estas não estão presentes utilizam-se os caminhos estabelecidos pelas explorações de inertes (pedreiras).

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b. Metodologia

A metodologia de prospecção arqueológica a aplicar prende-se, essencialmente, com o objectivo e com a agenda científica por detrás dos trabalhos, estando, necessariamente, incompleto. Assim sendo, em primeiro plano, o principal objectivo está na identificação de realidades arqueológicas dentro da área do projecto do Canhão Cársico, tendo em vista a sua protecção, valorização, estudo e divulgação. Para tal é necessário compreender a dispersão dos achados e dos respectivos sítios arqueológicos, apreendendo, exaustivamente, a dinâmica das várias ocupações no Canhão Cársico da Ota. A prospecção pode, tendo a ideia anterior como norteadora, identificar artefactos, estruturas e solos antrópicos (leia-se aqui cortes) que, no caso da Ota não são possíveis de identificar uma vez que não estão presentes.

A prospecção sistemática e intensiva – tendo como objectivo identificar o maior número possível de sítios arqueológicos - foi realizada tendo em conta uma divisão artificial feita na área em estudo, tornando-a mais fácil de registar, já que a criação de áreas seguiu o declive natural das zonas – procedeu-se então à definição de áreas de prospecção naturais com imposição institucional (Bicho, 2011, p. 100), referente à zona do Canhão Cársico.

Foram feitas diversas campanhas de prospecção, percorrendo-se, várias vezes, as mesmas áreas, ainda que, com questões e intenções diferentes sobre os mesmos locais – procedeu-se a prospecções nas diversas estações do ano, procedeu-sendo que no Inverno, depois de períodos de chuvas, novos materiais surgiam e peças, como o sílex, eram mais fáceis de identificar. As campanhas de prospecção foram realizadas, sistematicamente, pelo autor e por Ana Catarina Basílio, aos quais se associaram equipas de alunos, que fizeram incursões esporádicas ao território em estudo. Nestas prospecções colaboraram ainda os investigadores: Michael Kunst, Linda Batouille, Dirk Brandherm, Thomas Tews, Ana Catarina Sousa, João Pedro Cunha-Ribeiro, Marco Andrade, Henrique Matias, César Neves e António Valera, em ocasiões diferenciadas e com propósitos/objectivos distintos.

Algumas das prospecções, consoantes as áreas e as equipas, foram direccionadas para as diversas dinâmicas de cada período cronológico, bem como as ocupações que podem assumir, tentando proceder-se a um trabalho mais rentável e objectivo – reconhecemos também que o treino e formação académica pessoal, de forma consciente e inconsciente, a uma valorização de determinado período cronológico em detrimento de outro, tentando combater-se essa realidade com a diversificação das equipas em campo (Bicho, 2011, p. 101).

Assim sendo, a Pré-História Antiga teve em conta as realidades do período Paleolítico e Mesolítico onde, muitas das vezes, a acção humana se perde por entre a acção natural – neste caso, geológica. A acção sobre a Pré-História Recente tem como desafio principal as modalidades

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de ocupação em altura, como o próprio Castro da Ota, tentando compreender a dimensão e dispersão de possíveis sítios arqueológicos. E, por fim, a Idade do Ferro ao período Islâmico, procurando evidências da sua passagem, ou ocupação, nas margens e no Vale do Canhão Cársico de Ota.

A nível da recolha dos materiais optou-se por se recolher os “fósseis-directores”, já que ilustram as cronologias em que se inserem, aos quais associámos a recolha de materiais associados a estruturas e de materiais que surjam em zonas onde a sua densidade é baixa. Cada material recolhido tem uma ficha individual, com referência à sua georreferenciação feita com recurso a GPS, com coordenadas geográficas, fazendo-se acompanhar de um inventário geral com todas as peças inventariadas e indicação da zona de proveniência, associadas a desenho de alguns dos exemplares recolhidos. A este registo associa-se a ficha de prospecção onde se (fichas de sítio – anexo) encontram todas as informações referentes às áreas prospectadas e, quando se justifique, fichas de estruturas simplificadas, também elas georreferenciadas e, quando possível, associadas a representação gráfica das mesmas estruturas.

Procedemos ainda ao levantamento das zonas de aprovisionamento de matérias-primas pétreas alargando-o a um raio de 30 Km em relação à área em estudo, considerando-se “exógeno” à área acima desse raio.

c. Áreas naturais definidas

Para facilitar as intervenções de campo procedeu-se ao estabelecimento de áreas naturais que, após compreensão da topografia do terreno, deram origem a um total de 5 parcelas de terreno. Cada uma foi individualizada com uma letra, de A a E, para facilitar a leitura dos materiais em relação às proveniências (mapa 7 – anexos).

A zona A corresponde à área do Castro de Ota, onde consta o principal sítio arqueológico do Canhão Cársico, o Castro de Ota. Para este caso específico foi incluída toda a zona da elevação, bem como os vales e cascalheiras de grande dimensão a ela associada. Corresponde, na sua maioria, a uma área que não apresenta um declive muito acentuado, contando também com algumas zonas de escarpa calcária, sendo a sua prospecção dificultada, essencialmente, por uma densidade elevada de arbustos cerrados.

Quanto à zona B, esta corresponde ao Outeiro do Seio, onde está implantada a zona da pedreira, também ela com a mesma designação/toponímia. Aqui estariam implantados os sítios do Outeiro do Seio I e II, correspondendo a um possível povoado fortificado e a uma gravura

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filiforme, que foram, após o processo de prospecção desconsiderados. O declive é extremamente acentuado, dificultando a prospecção integral deste espaço, contudo é de sublinhar que nas escarpas orientadas para o interior do vale cársico foi possível explorar um conjunto de cavidades naturais, onde a Gruta do Texugo apresenta potencial a nível sedimentar e possivelmente arqueológico.

A área designada por C corresponde a uma vertente localizada nas proximidades do Castro de Ota, sendo conhecida como Cabeço do Pardal. Esta é a área mais reduzida, localizada já no limite da área de estudo. Aqui podemos encontrar um coberto vegetal pontilhado por arbustos de média/grande dimensão, associado a árvores dispersas, encontrando-se difundidas por entre cascalheiras de média dimensão.

A letra D é associável à Margem Esquerda do Canhão Cársico de Ota, sendo a maior área, em extensão, definida. Foi assumida como uma unidade, correspondendo a zonas de planalto, seguidas de áreas com declive muito abrupto, culminando num conjunto grande de escarpas calcárias, onde é possível, na sua base, distinguir algumas cascalheiras de média/grande dimensão. Esta área sofreu acções de prospecção extensivas, uma vez que algumas das suas zonas correspondem a área de extensão aprovada da pedreira localizada nas imediações.

Por fim, a zona E, a Margem Direita do Canhão – Bairro, foi definida por corresponder a uma área extensa de vale (vale da Ciência Viva e vale das Zelhas). Esta área é de difícil acesso, correspondendo a uma das zonas onde a fauna e a flora se encontram melhor preservadas. Neste caso as cascalheiras ali presentes são de pequena/média dimensão, o que vai novamente dificultar o processo de prospecção. Outros dos condicionalismos identificados nestes vales foi a insegurança inerente à proximidade com a pedreira, uma vez que são feitos despejos ilegais para a zona do vale, tornando-se perigoso a sua visitação.

Foi então esta a divisão operativa que fizemos, tendo sido aplicada desde o inicio ao fim do projecto, funcionando como uma divisão que facilita a prospecção a pente como uma distância lateral regular entre os diversos elementos, quando o terreno e a vegetação assim o permitem, de forma a abranger a maior área de superfície possível.

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28

4. SÍTIO ARQUEOLÓGICO DE OTA

4.1 – Enquadramentos

a. Enquadramento geográfico

O assentamento do 4º e 3º milénio a.n.e. em estudo na presente dissertação, o “Castro de Ota”, situa-se a cerca de 1km a noroeste do centro da localidade de Ota (freguesia de Ota, concelho de Alenquer, distrito de Lisboa) (mapa 1 – anexos). As coordenadas geográficas (Datum WGS84) centrais do local são as seguintes: 39º06’54.2” N e -9º00’00.9”W ou UTM: 29SMD970210, sendo que se encontra implantado a uma altimetria média a rondar os 150 m. O “Castro” de Ota situa-se na margem direita do complexo geológico do Canhão Cársico de Ota, onde se encaixa o rio Ota, subsidiário do rio Tejo. Este rio tem a sua nascente na Serra do Montejunto, o que vai reafirmar ainda mais a importância não só da Serra, mas do próprio rio enquanto estruturador do Povoamento. O Castro de Ota é um dos reflexos dessa realidade, contudo esta associação povoado-rio será explorada mais adiante.

Imagem 1 – Implantação, na paisagem, do sítio da Ota, a partir da Margem Esquerda do Rio de Ota.

b. Enquadramento geomorfológico

A área em estudo encontra-se inserida nos denominados afloramentos “Calcário de Ota, Alenquer e Silveira” (Jurássico Lusitaniano), estes estão na origem dos mais imediatos relevos da

Imagem

Gráfico 1 – Presença percentual dos tipos de artefactos na Ota (Colecção Museu Hipólito Cabaço e Prospecões CCO)
Gráfico 3 –  Categorias tecnológicas
Gráfico 4 –  Produtos debitados por tipo de núcleo (nº de peças)
Gráfico 5 – Distribuição do retoque (nº de peças)
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Referências

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