• Nenhum resultado encontrado

M ÉTODOS E T ÉCNICAS DE P ESQUISA

3) Fontes de evidências e procedimentos de coleta

A partir da estratégia de pesquisa definida, fez-se uso de diferentes fontes de evidência, tais como documentos, observação e entrevistas (quadro 1). Para abordar adequadamente essa diversidade de fontes, os procedimentos de coleta adotados tiveram como base a perspectiva da triangulação metodológica, assentada, segundo Creswell (2007), no uso de múltiplas técnicas de coleta, as quais permitem confrontar as informações colhidas e, dessa forma, ampliar a validade e confiabilidade dos resultados. Esta premissa da coleta de evidências é enfatizada por Yin (2001), ao mencionar como o uso de múltiplas fontes contribui decisivamente para a validade externa do estudo proposto. Esses procedimentos de coleta foram, em muitos casos, paralelos, com exceção da pesquisa documental que, pelas características detalhadas a seguir, foi o caminho que aproximou o pesquisador do seu objeto de pesquisa. No que diz respeito à seqüência da coleta de dados nos dois países esta simultaneidade é inviável, de acordo com as características desta pesquisa. Dessa forma, a coleta de dados iniciou-se no Brasil em 2004, foi seguida pela coleta na França entre setembro de 2004 e setembro de 2005, e foi complementada no Brasil entre outubro de 2005 e maio de 2007.

Como antecipado, a investigação teve como ponto de partida a pesquisa documental que, por sua vez, pode ser vislumbrada em dois níveis: externo e interno às rádios. Inicialmente, procedeu-se à análise da legislação referente à radiodifusão em cada país, como forma de identificar o contexto de atuação das rádios e da definição legal que delimita a atuação deste tipo de mídia de alcance restrito, bem como outros documentos provenientes de órgãos de fiscalização e de associações representativas do movimento de rádios associativas, na França, e comunitárias, no Brasil. Em seguida, passa-se à análise de documentos fornecidos pelas próprias rádios. Nessa etapa, foram analisados: o projeto radiofônico, depositado pelas rádios no momento de solicitação da outorga de freqüência, a grade de programação das emissoras, além de outros documentos adicionais que ilustraram, em um e outro caso, projetos e ações protagonizados por essas mídias.

Quadro 1 – Fontes de Evidência Fontes de

evidência Descrição Instrumentos Objetivos Específicos

Documentos Legislação geral; legislação específica sobre radiofusão comunitária; regulamentações dos órgãos de tutela; relatórios ministeriais; documentos fornecidos por entidades representativas e outros; Projeto radiofônico; grade de programação; atas de reuniões da direção das rádios ou da associação mantenedora.

Não se aplica. Realizar um estudo sistemático do perfil sociocultural das rádios comunitárias estudadas e seus vínculos com interesses públicos e privados; estudar a efetividade da atuação de instâncias permanentes e instituídas de intervenção da sociedade civil local no funcionamento da emissora; mapear os tipos de comunicação, veiculação de interesses, participação e ações no espaço da rádio comunitária.

Observação Funcionamento dos órgãos de tutela; audiências públicas; reuniões das entidades

representativas; funcionamento das rádios; capacidade instalada; localização; programação.

Roteiro de

observação. Destacar os critérios e formas de participação da população atendida pelo serviço local de comunicação comunitária para identificar o grau de democratização desse espaço para intervenção do público concernido; Estudar a efetividade da atuação de instâncias permanentes e instituídas de intervenção da sociedade civil local no

funcionamento da emissora; identificar as modalidades de conteúdos e intervenções do público (ouvintes e locutores) na programação, assim como o lugar da palavra pública do cidadão em eventuais debates públicos ou na atuação ordinária dessa mídia em seu meio; mapear os tipos de comunicação, veiculação de interesses, participação e ações no espaço da rádio comunitária.

Entrevistas Semi-Estruturadas

Entrevistas com membros das rádios; entrevistas com

representantes dos órgãos de tutela; entrevistas com representantes de entidades representativas.

Roteiro de entrevista. Realizar um estudo sistemático do perfil sociocultural das rádios comunitárias estudadas e seus vínculos com interesses públicos e privados; destacar os critérios e formas de participação da população atendida pelo serviço local de comunicação comunitária para identificar o grau de democratização desse espaço para intervenção do público concernido; estudar a efetividade da atuação de instâncias permanentes e instituídas de intervenção da sociedade civil local no

funcionamento da emissora, observando seu papel previsto em lei de mídia local, sem fins lucrativos; identificar as modalidades de conteúdos e intervenções do público (ouvintes e locutores) na programação, assim como o lugar da palavra pública do cidadão em eventuais debates públicos ou na atuação ordinária dessa mídia em seu meio; mapear os tipos de comunicação, veiculação de interesses, participação e ações no espaço da rádio comunitária.

No que diz respeitos às rádios francesas, os documentos gerais considerados foram a Lei de Radiodifusão, além de regulamentações emanadas dos órgãos de tutela, tal como o Conselho Superior Audiovisual (CSA) e suas instâncias regionais, os Comitês Técnicos Radiofônicos (CTRs). Em seguida, realizou-se a análise dos projetos radiofônicos depositados no Centro Técnico Radiofônico da região Nord-Pas-de-Calais pelas 22 emissoras autorizadas, dentre as quais estão as cinco rádios onde se desenvolveu o estudo de caso, além dos relatórios anuais de atividade, os quais são depositados obrigatoriamente junto ao CTR e contêm informações técnicas, financeiras e referentes à atuação sociocultural das rádios.

Nas rádios francesas, houve a oportunidade de coletar correspondências enviadas por ouvintes aos órgãos de tutela, expressando diferenciadas opiniões sobre a atuação das emissoras. Foram obtidos, ainda, documentos provenientes das entidades representativas das rádios, reunidas, na França, em duas organizações: o Sindicato Nacional de Rádios Livres (SNRL) e a Confederação Nacional de Rádios Associativas (CNRA). Finalmente, foram recolhidos outros documentos diretamente junto às rádios, tais como a grade de programação e atas de reuniões das associações das rádios.

No caso brasileiro, examinou-se o Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962, que rege a radiodifusão pública-estatal e comercial e a Lei da Radiodifusão Comunitária de 1998. Além do texto legal, outros documentos foram levados em conta, tais como normas, resoluções e relatórios do Ministério das Comunicações, com destaque, nesta última situação, àqueles resultantes das reuniões do grupo interministerial formado para discutir a situação das emissoras comunitárias, atas de audiências públicas envolvendo a questão das rádios comunitárias, resoluções dos órgãos de tutela, como da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), e documentos fornecidos pelo movimento de rádios comunitárias, representado, principalmente, pela Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (ABRAÇO) e pela Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC), em sua divisão brasileira. Assim como no caso francês, foram analisados os projetos radiofônicos depositados pelas 22 emissoras associativas em funcionamento na região Nors-Pas-de-Calais, até 2005, junto ao Comitê Técnico Radiofônico – CTR, órgão vinculado ao Conselho Superior Audiovisual – CSA, bem como a grade de programação das rádios. Cabe salientar que foram analisados os projetos radiofônicos de todas as rádios comunitárias autorizadas para funcionar no Distrito Federal, as quais totalizavam, à

época, 15 emissoras6, dentre as quais estão as cinco rádios onde se desenvolveu o estudo de caso.

Os resultados da pesquisa documental permitiram que a pesquisa avançasse em pontos importantes. Primeiro, na constituição de um histórico da evolução das rádios privadas sem fins lucrativos na França e no Brasil, o qual é apresentando em detalhes na segunda parte desta tese. Segundo, para uma circunscrição mais nítida do objeto de pesquisa o qual serviu, assim, como subsídio, juntamente com a revisão teórica empreendida, para a elaboração dos diferentes roteiros de entrevista e para orientar as observações realizadas.

As observações foram feitas em diferentes contextos e com propósitos diferenciados. Houve, assim, observação junto às entidades representativas, aos órgãos de tutela e às próprias rádios. De forma concomitante ao levantamento de documentos, por exemplo, foram observadas assembléias das entidades representativas das rádios na França e no Brasil. Estas observações permitiram uma maior aproximação com o objeto de pesquisa, apontando a heterogeneidade destas mídias locais, facilitando a identificação das principais demandas das emissoras, e de suas associações mantenedoras, bem como de seus principais traços de atuação. No caso francês, a observação se deu em dois momentos. Na participação em reunião da Federação Regional de Rádios Associativas, da região Nord-Pas-de-Calais, e no acompanhamento do Seminário Nacional do Sindicato Nacional de Rádios Livres - SNRL. Nos órgãos de tutela, foram realizadas observações do funcionamento do CTR da região Nord-Pas-de-Calais e da Coordenação de Serviços de Comunicação Eletrônica, do Ministério das Comunicações brasileiro, as quais permitiram compreender o trâmite dos processos de fiscalização das rádios associativas francesas e dos processos de autorização das rádios comunitárias brasileiras. No caso brasileiro, essas observações foram realizadas durante a participação da pesquisadora no encontro nacional da seção brasileira da Associação Mundial de Rádios Comunitárias. Nas próprias rádios, nos momentos subseqüentes ou anteriores às entrevistas conduzidas, foram realizadas observações sobre o modo de funcionamento, sobre a infra-estrutura instalada, sobre a localização das mídias, bem como de algumas emissões em andamento. Além disso, na forma de escuta sistemática, foi observada a programação das rádios envolvidas nos estudos de caso.

6 No momento da pesquisa, existiam 15 rádios autorizadas no Distrito Federal. Atualmente, há 22 emissoras regularizadas.

A terceira fonte de evidências resulta das entrevistas concedidas por membros das rádios, de representantes dos órgãos de tutela e de entidades representativas do movimento de rádios comunitárias e associativas, respectivamente, na França e no Brasil. As entrevistas foram semi- estruturadas (FLICK, 2004; GASKELL, 2002), valendo-se de roteiros organizados em tópicos, extraídos da revisão da literatura e das observações, além de um grupo inicial de questões que visava identificar o perfil do entrevistado. A opção pela entrevista semi-estruturada, segundo Flick (2004), se justifica quando o pesquisador pretende conferir a maior liberdade possível ao entrevistado para que este discorra sobre os tópicos apresentados. Esta perspectiva coincide com a postura adotada neste trabalho, que reconhece nos atores a capacidade de descreverem com propriedade suas formas de atuação. A escolha da entrevista como método de pesquisa está associada, portanto, com a valorização dos fatos e atos de palavra. A entrevista é um instrumento privilegiado de exploração dos fatos nos quais a palavra é um vetor principal, como nos sistemas de representação social, de pensamentos construídos e das práticas sociais (BLANCHET; GOTMAN, 2001). A partir da entrevista é possível perceber a presença do contexto ideológico no discurso emitido pelo entrevistado. Dito de outra forma, a entrevista permite o acesso a uma organização das opiniões, atitudes e valores, um conjunto de representações, de visões de mundo, de diferentes quadros de referência de um determinado contingente de entrevistados, ou seja, se trata mesmo de uma forma de abordar o homem e a sociedade. É preciso ter sempre presente que no processo da pesquisa estabelece-se um quadro contratual de comunicação com os entrevistados, a partir do qual é franqueado o acesso ao estilo de vida, meios materiais e vínculos socioculturais de um grupo social. A entrevista é, portanto, um método de produção de dados (BLANCHET; GOTMAN, 2001; ROSA; ARNOLDI, 2006). Neste sentido, as condições de realização da entrevista são apontadas por Flick (2004) como um dos elementos sensíveis para a garantia da qualidade da pesquisa. Neste estudo, as entrevistas foram realizadas face-a- face pelo pesquisador e registradas por intermédio de gravação, autorizada por todos os entrevistados, e pela tomada de notas durante a própria entrevista. Antes de serem submetidas à análise, todas as entrevistas foram transcritas.

Nas rádios, as entrevistas foram realizadas com o diretor de cada emissora e mais dois locutores, selecionados de acordo com o critério de acessibilidade. Dessa forma, o recurso a diferentes informantes assegura outro tipo de triangulação - a triangulação de dados - tal como definida por Creswell (2007), ampliando a validade e confiabilidade dos dados. Em cada rádio,

foram realizadas, portanto, três entrevistas, totalizando trinta entrevistas no conjunto das emissoras investigadas em profundidade. Além disso, foram realizadas entrevistas com o que se pode definir como atores institucionais, os quais foram considerados, tal como sustenta Flick (2004), na condição de representantes de um grupo, mais do que em função de suas opiniões pessoais.

No procedimento de entrevista dos locutores e diretores de cada rádio estudada buscou-se identificar os regimes de engajamento à emissora e as motivações para o desempenho de um determinado papel no funcionamento da mídia. Buscou-se também mapear as intersecções ou oposições entre lógicas de ação de cada entrevistado como ator fundamental para perfomance da rádio a partir de suas justificações em relação à adesão e permanência no quadro de voluntários ou funcionários da rádio. Esse procedimento metodológico dialoga com as considerações de Boltanski e Thévenot (1991) os quais entendem o engajamento e a intencionalidade como elementos constitutivos da ação. A compreensão do vínculo dos entrevistados com a mídia pressupõe a consideração da fala dos atores, reconhecendo-se neles uma competência própria para analisar sua situação e atuação no ambiente organizacional da rádio associativa e comunitária (DOSSE, 2003). A apreciação de fatores endógenos ao espaço organizacional, associativo, comunitário e comunicativo da rádio7 permitiu uma leitura mais ampla da perfomance tanto das emissões como dos locutores no momento da escuta da rádio como “ouvinte-observador”.

Na França, além dos membros das rádios, foram entrevistados: um representante do CSA; um representante do CTR; região Nord-Pas-de-Calais, um representante do Fundo de Auxílio e de Suporte para a integração e a luta contra todas as discriminações (FASILD), o qual financia projetos de associações sem fins lucrativos que valorizam a diversidade cultural expressas na programação de algumas rádios associativas; um representante da Federação Regional das Rádios Associativas do Nord-Pas-de-Calais; dois representantes do SNRL e um representante do CNRA. Um outro grupo de entrevistados foi também considerado, no caso francês, embora não tenha sido elaborado, nestes casos, um roteiro de entrevista. Trata-se de especialistas consultados, os quais possuem estudos e publicações sobre o movimento de rádios livres, sobre

7 Apesar de cada rádio ter sua gramática de procedimentos internos próprios e prioridades em termos de ações, não foi objeto deste trabalho aprofundar a respeito dos momentos de formulações de acordos e confrontação de disputas ou dissensos. Fazer essas constatações demandaria outras fontes de evidências e novos eixos de análises.

as rádios associativas e sobre o cenário radiofônico em geral, os quais permitiram uma aproximação decisiva com o objeto de pesquisa e orientaram boa parte dos ajustes nos instrumentos de coleta visando a garantia da comparabilidade entre o caso francês e o brasileiro. No Brasil, foram entrevistados, em condição similar, mas com a utilização de um roteiro de entrevistas, um representante do Ministério das Comunicações, um parlamentar, membro de uma comissão da Câmara dos Deputados que discute ajustes na legislação da radiodifusão comunitária, um representante da AMARC-Brasil e um representante da ABRAÇO.