• Nenhum resultado encontrado

1. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS TRADIÇÕES JURÍDICAS ROMANO-

1.4 CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS DA COMMON LAW

1.4.1. As fontes do direito na Common Law

A tradição jurídica de common law foi desenvolvida historicamente pelo Tribunais de Westminster (common law) e pelo Tribunal da Chancelaria (equity), sendo, assim, um tradição primordialmente jurisprudencial. Tendo em vista a pouca influência que sofreu em relação aos acontecimentos na Europa continental e o fato de nunca ter sido realizada uma codificação ou reforma geral do sistema, a tradição jurídica de common law logrou êxito ao conservar sua forma principal fonte de direito, a jurisprudência.

Mesmo que se afirme que a fonte primária do direito na tradição de common law seja a jurisprudência, a lei, denominada statute, desempenha de certa forma uma função importante. Talvez no passado, quando limitada a acrescentar corretivos ou complementos à obra da jurisprudência pudesse, então, exercer uma função secundaria. Todavia, a situação nos dias de hoje, assim como na civil law, está modificada e demonstra para a common law que o recurso à lei e a regulamentos já não pode ser mais deixado de lado.

76 Ob. Cit. Merryman, John Henry. Pág. 82.

77 GADAMER, Hans-George. Verdade e Método. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Petrópolis. Vozes. 1997, pág. 94.

Nos países de tradição de civil law a jurisprudência, ao contrário , é buscada apenas para desempenhar um papel secundário. É certo que podem ser dotadas de alguma autoridade, mas em nenhum momento são consideradas como fontes criadoras de regras do direito. Diferente do que se passa na civil law, nunca houve o reconhecimento da autoridade dos códigos. Neste sentido, as regras de direito que são estabelecidas através da jurisprudência constituem a certeza do direito. A obrigação de recorrer às regras que foram estabelecidas pelos juízes (stare decisis), de respeitar os precedentes judiciários, é o correlato lógico de um sistema jurisprudencial. Mas, apenas depois da primeira metade do séc. XIX foi que passou a ser imposta aos juízes ingleses a sua obrigatoriedade de aplicação (rule of precedente).78 De uma certa forma, a tendência legalista na França do séc. XIX, ligada à escola de exegese, influenciou a Inglaterra à submissão mais estrita ao precedente. Nesta ocasião, como já mencionado acima, foi proferida decisão na qual a mais alta corte do reino Unido declara-se absolutamente vinculada às suas próprias decisões, representando o ápice da consolidação da doutrina positivista do precedente judicial. Mas, vale ressaltar que os únicos precedentes obrigatórios são aqueles constituídos pelas decisões emanadas dos tribunais superiores – Supreme Court of Judicature e da Câmara dos Lordes.

Em relação à lei, uma segunda fonte de direito ao lado da jurisprudência, podemos perceber que a sua presença e desenvolvimento ficam mais limitados à atividade regulatória da economia e aos tratados internacionais. Como não existe uma Constituição escrita na Inglaterra, já que o que eles denominam de constituição é um conjunto de regras formadas preponderantemente pela jurisprudência, o que assegura as liberdades fundamentais é a tradição do povo inglês e o controle exercido através da opinião pública. Conforme a teoria clássica das fontes do direito na tradição de common law, a lei nada mais faz que introduzir uma série de addendas no corpo principal do direito inglês, constituído pelo direito jurisprudencial. Sendo obra de um parlamento, que representa uma nação, as leis merecem todo o respeito e são aplicadas literalmente pelos juízes, mas apenas se limitam a estabelecer exceções ao direito comum.79

Na concepção tradicional inglesa, a lei não é considerada como modo de expressão normal do direito, ela é sempre uma peça estranha. Certamente elas serão aplicadas pelos juízes, quando necessário, mas a regra que contém a lei só será definitivamente admitida e

78 David René. Ob. Cit. Pág. 341. 79 David René. Ob. Cit. Pág. 345.

plenamente incorporada quando tiver sido aplicada e interpretada pelos tribunais, na forma e medida que aplicam e interpretam o direito.

Mesmo deixando de desempenhar uma função inferior em relação à jurisprudência, a lei, nos dias de hoje na Inglaterra, ainda encontra duas barreiras para ocupar locus de importância equivalente. A primeira é que o direito jurisprudencial, como bem sucedido que foi, continua a orientar o desenvolvimento do direito inglês e, por outro lado, o jurista inglês ainda permanece ligado à tradição. Para eles, a verdadeira regra do direito somente existe através dos fatos de uma situação concreta reduzida á resolução de um litígio.

Ao lado da jurisprudência e da lei, podemos encontrar na tradição jurídica de common law outra fonte de onde o direito pode ser extraído, os costumes. Apesar de se dizer que a tradição jurídica de common law é uma tradição costumeira, aqui não se trata dos costumes gerais imemoriais do reino. Pelo contrário, os costumes que são considerados como fonte na common law são aqueles provenientes do direito jurisprudencial, fundados sobre a razão, que substituíram o direito da época anglo-saxônica, fundado sobre o costume. Nos dias de hoje na Inglaterra, para que o costume possa ser considerado obrigatório ele deve possuir o caráter imemorial, ou seja, uma regra do séc. XII aproximadamente. A exigência, assim, de que seja “imemorial” faz com que perca a sua força como fonte de direito. A doutrina não é diferente, pois a tradição de commom law, como pode perceber é uma tradição de case law, do estudo do caso e do processo propriamente. Sendo assim, a importância da doutrina é subestimada. É claro que muitas obras inglesas alcançaram posição de destaque e se tornaram referencia para o direito inglês (books of authority), mas de uma maneira geral, o direito da tradição de commom law é um direito baseado na razão através do caso concreto.