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3. INSERÇÃO DOS PRECEDENTES JUDICIAIS NO BRASIL

3.1 FUNDAMENTOS PARA ADOÇÃO DE UM SISTEMA DE RESPEITO AOS

ANALOGIA.

Para buscar entender sobre a necessidade de adoção de um sistema de respeito aos precedentes judiciais no Brasil, é preciso apontar alguns fatores que foram determinantes para a sua inserção. Já sabemos como dito acima, que o legislador brasileiro adotou diversos dispositivos normativos e os fez inseridos no Código de Processo Civil Brasileiro, homenageando a tradição de common law, no aspecto de tratar casos semelhantes de maneira semelhantes. E, agora, sob a minha ótica, depois de apreciada a recepção de método jurídico de outra tradição jurídica pela civil law no Brasil, consigo vislumbrar a influência do uso da analogia, melhor, a valorização desta fonte, para além de sua ideia de original, de colmatação de lacunas, para vir a ser um dos fatores mais decisivos e autorizativos deste diálogo entre as duas tradições jurídicas ora confrontadas.

Em um primeiro momento deve-se aqui apresentar o sentido que será atribuído à analogia para justificar a sua valorização na tradição de civil law para além da colmatação de

142 Ob. Cit.NUNES, Dierle; PEDRON, Flávio Quinaud; HORTA, André Frederico de Sena. Em: A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no CPC 2015. Art. 926 do CPC e suas propostas de fundamentação: um diálogo de concepções contrastantes. Pág.305-361.

lacunas e seu uso, agora, refletido no respeito aos precedentes judiciais. O sentido que devemos atribuir para a analogia deve ser no sentido mais abrangente, encarada como um processo de identificação do desconhecido por referencias a domínios já conhecidos. Ou seja, o raciocínio jurídico por analogia deve se dar operando entre casos, e não entre regras, e postulando uma relação de comparação e não de subsunção, a legitimidade da analogia não decorre, pois, de um processo lógico dedutivo, mas da possibilidade de perspectivar os casos a partir dos valores e princípios. 143 Neste sentido, ainda, a analogia consegue garantir que a decisão, sobretudo nas situações em que, sendo impossível em tempo útil o legislador conseguir dar sentido ao enunciado normativo de baixa densidade, se encontre os fundamentos últimos de uma dada solução num caso para o qual apenas se dispõe de “argumentos incompletamente teorizados”, sendo possível prosseguir sem a necessidade de por tudo em causa. O que faz, assim, que o discurso jurídico não se limite nem à uma pura dedução nem a uma pura retórica.

Vejamos, assim, a analogia sob a forma de raciocínio tanto no mundo da vida, como no mundo do direito, representando um modus paradigmático de raciocínio, uma vez que é sempre com base nas experiências feitas que se arriscam incursões no domínio do total ou parcialmente inexplorado. Na prática, seria dizer, é sempre do mérito problemático do conhecido que se avança para o exame do mérito problemático do desconhecido ou do menos conhecido, através de uma troca de razões, e. g. de confrontos de argumentos, consoante com a conhecida índole argumentativa da analogia tendente a desvelar semelhanças e/ou diferenças. 144

Neste sentido, a analogia se desprende daquele conceito e pré-compreensão positivista típica da tradição de civil law, de acordo com os quais era reduzida a um mero expediente de integração de lacunas e por isso confinado a pretensas superação de problemas gerados pelo

143 TRABUCO, Cláudia, SEGORBE, Beatriz. Inteligência Artificial e direito, in Themis, ano I, nº 2, 2000, pág. 252-252

144 Para BRONZE, F.J PINTO, em Lições de Introdução ao direito, ob. Cit. pp. 943-945. “(...) a

racionalidade metodonomologicamente consonante radica na comparação de dois relata particulares: do mérito problemático-jurídico do caso concretamente decidendo e da relevância, também problemático-jurídica, do constituído e/ou constituendo critério/fundamento susceptível de assimilar a quaestio disputata ; de sorte que

ela «consiste, irredutivelmente, em “trazer-à- correspondência as relevâncias problemáticas do caso e do(s)

critérios/fundamento(s) que a experimentação metodonomológica venha a revelar ajustado(s) para o resolver normativo-judicativamente.”

fato de o legislador possuir limitações temporais. Em homenagem ao entendimento de Castanheiras Neves, que entende por analogia o pensamento que pretende realizar a assimilação de entidades diferentes numa unidade, procurando para isso discernir as semelhanças que, a uma certa luz, de um determinado prisma, ou em conformidade com dado critério, terceiro relativamente aos termos cotejados, neles ressaltam e permitem aproximá- los.145

O uso da analogia, então, para fins deste trabalho deve ser identificado com os casos jurídicos, da mesma forma que a common law identifica o seu modo de dizer o direito com o case law, apesar de esta afirmação poder gerar algum desconforto para aquele que entende o seu significado apenas de forma tradicional. Neste sentido, o dizer o direito, é no sentido de declaração de sentido de um enunciado normativo pelo poder judiciário, obedecendo o conjunto das exigências constitutivas da normatividade jurídica vigente, mas constitui-se, pois, na comparação de problemas pela mediação do sentido que lhe é atribuído em certo caso concreto.

O fundamento para o uso da analogia surge, então, como respeito ao princípio da igualdade. Tal princípio que antes se assentava numa igualdade formal, proveniente da vontade do legislador, que atuava apenas como princípio político, que devia estar ancorado no âmago do legalismo positivista, agora deve ser universalizado. A analogia, funda-se, agora, com base no princípio da igualdade de uma forma universal, que postula o tratamento igual do que é igual e diferente do que é diferente, na medida dessas igualdade e diferença. Assim, o princípio da igualdade que justifica o fundamento para o uso da analogia é a aproximação e subsistência entre casos (caso foro e caso tema) apesar de suas diferenças, na assimilação de entidades diferentes. Neste sentido, há uma índole teleológica, o julgador tem uma intenção de juridicidade dos casos cotejados de forma que a solução prevista para o caso foro se mostrar adequada ao tratamento jurídico do caso tema. Realiza-se, então, antes de uma atividade de julgamento, uma atividade de mediação, entre os sentidos do enunciado incompleto, de um lado àquele sentido que fora atribuído no passado e, do outro lado o que será atribuído ao caso concreto.

A universalização do princípio da igualdade, que é fundamento para a aplicação da analogia, de forma que os casos jurídicos consigam conviver entre si, adequadamente, se expõe como motivo determinante de respeito aos precedentes judiciais em um país de tradição civilista.

O diálogo entre tradições jurídicas, neste sentido, é a autorização ao tribunais de civil law para o aumento do uso da analogia, da realização de comparações entre casos e não apenas a declaração da vontade da lei enunciada em um texto. Sugere-se identificar se, para o caso em análise, poderão ser utilizados os mesmos argumentos jurídicos e legais que foram já utilizados em casos semelhantes, não idênticos, desde que sejam adequados.

Respeitar os precedentes judiciais, em um país de tradição de civil law, quer dizer usar mais do recurso à analogia. É reconhecer que existe um ir e vir, que se realiza na abertura da situação da vida à norma e da norma à vida. E, referendar o que foi dito e julgado no passado com o presente para comparar as situações, a fim de se respeitar uma coerência e segurança jurídica que é tarefa crucial para uma jurisdição que pretende ser democrática.