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Meta 16: Formar 50% dos professores da educação básica em nível de pós graduação lato e stricto sensu, garantir a todos formação continuada em sua

5.2 Formação continuada (contínua) em Portugal

Em Portugal, em termos acadêmicos, à semelhança do que se passa no Brasil e noutros países, a questão da formação continuada, nomeadamente, os objetivos desta, a sua estrutura, a sua avaliação e as entidades que a promovem, também têm sido alvo de discussões e alterações ao longo das últimas décadas. No entanto, ressalta-se desde já, que em Portugal, desde 1989, com a publicação do Decreto Lei n.º 384/89, a formação continuada é consagrada como um direito e um dever dos docentes, associada a uma condição de progressão na carreira e que se mantém, apesar de algumas alterações, até aos dias de hoje. Neste contexto jurídico, social e econômico, a evolução da formação continuada adquiriu contornos diferentes dos verificados no Brasil, em alguns aspectos.

À semelhança do Brasil, vários acadêmicos portugueses (ESTRELA, 2001; NÓVOA, 2002; PACHECO; FLORES, 1999) têm alertado para a necessidade de se construir uma nova perspectiva e uma nova filosofia para a formação continuada. Estrela (2001) apresenta um balanço crítico sobre a realidade da formação continuada em Portugal. Esta autora detectava no inicio da década passada, um desfazimento entre o tipo de discurso sobre a formação continuada, o plano jurídico e o que na realidade acontecia nos cursos de formação. Segundo esta autora, alguns fatores têm contribuído para este desfazimento. A investigação científica

96 nesta área, à semelhança de outras na área da educação, é dispersa e fragmentada, tendo produzido resultados pouco consistentes e dificilmente comparáveis que, no entanto, não podem ser desprezados. Estes têm apontado para concepções da formação continuada que se apoiam em noções desenvolvimentistas e construtivistas do professor enquanto profissional. Valorizando-se as interações entre os pares, o contexto social e institucional do professor, as suas concepções, crenças, as suas práticas, a autonomia e projetos de caráter pessoal. Porém, o discurso acadêmico sobre a formação continuada, nem sempre provém dos estudos empíricos. Muitas das ideias que circulam hoje na academia e que têm sido bem aceites, provêm de reflexões de caráter generalista (apesar de terem por base pesquisas empíricas) ou marcadamente ideológicos, construídos à margem de qualquer atividade empírica. Estes estudos têm permitido, segundo esta autora, a introdução de novas perspectivas, levantando novas questões. Todavia, há que considerar alguns perigos, como o da descontextualização da formação, usando-se um discurso demasiadamente generalista ou a utilização de ideias-chave ou “chavões” (ESTRELA, 2001, p.32), como o do professor reflexivo, desenvolvimento pessoal e profissional sem uma prévia clarificação dos conceitos inerentes. Para além, deste discurso acadêmico, já de si muito polissêmico e multifacetado, esta autora debruça-se, ainda, sobre o discurso oficial do governo sobre formação, considerando-o “humanista e geralmente atualizado que se apropria da linguagem das Ciências da Educação” (ESTRELA, 2001, p.34) com o objetivo de torná-lo mais rigoroso e sério. O problema deste discurso é que, muitas vezes, cria a ilusão que se vão implantar determinadas políticas, quando, na verdade, não se criam, simultaneamente, as condições para aplicá-las.

Em termos jurídicos, esta autora considera que a legislação portuguesa sofreu uma evolução notável nos últimos anos e a sua apreciação é globalmente positiva. Apesar de alguns problemas, esta tenta estar em consonância com algumas das visões mais recentes que advogam, como já referido anteriormente, que a escola é o lugar ideal para a formação ocorrer, depositando nestas alguma autonomia nesta área e consagra o conceito de profissionalização dos professores. No entanto, no que diz respeito à formação continuada a lógica, por vezes, fica subvertida, pois com frequência, em virtude dos financiamentos, o que é oferecido ao professor não é o que ele precisa, mas aquilo que foi acreditado (autorizado), ou seja, o que foi financiado. Da mesma forma, como os professores precisam dos créditos atribuídos para progredirem na carreira, o que prevalece por vezes, não é o interesse na ação, mas os créditos contabilizados com a realização de determinada ação de formação. Neste aspecto, também, Pacheco e Flores (1999) consideram que uma das limitações do

97 envolvimento do próprio professor no seu processo de formação continuada está associada ao problema da progressão na carreira:

Quando a formação contínua é imposta pela administração, através de créditos e como pré-requisitos para a progressão na carreira, [...] quando a formação não corresponde a uma necessidade sentida pelos próprios professores, é natural que estes partilhem uma perspectiva que os coloca numa situação passiva [...] onde têm muito mais a receber do que a dar ou partilhar. (PACHECO; FLORES, 1999, p.131).

Ainda, em relação à formação continuada, ESTRELA (2001) detectou algumas falhas na concepção destes cursos muito assente, por vezes, numa visão escolar de transmissão de conhecimentos, com lacunas ao nível da avaliação e, muitas vezes, desligados das reais necessidades das comunidades educativas a que se destinam e que, portanto, muitas alterações se vislumbravam como necessárias.

Neste ponto, e em concordância com esta autora, também Nóvoa (2002) refere que a análise da formação contínua de professores deve assentar num debate mais amplo sobre as políticas educativas e a profissão docente. Em termos sociais, à crise da escola vem associada a crise da profissão docente e quando a escola não consegue, de uma forma eficaz, responder aos problemas reais, são também colocadas em causa as competências profissionais dos professores (NÓVOA, 2002). Na perspectiva da escola como um novo espaço de educação, emerge uma nova exigência de profissão docente, onde aos professores lhes são exigidas novas competências profissionais. Neste contexto de renovação dos modelos escolares, à procura de uma escola mais real face aos problemas atuais, surge inevitavelmente uma nova perspectiva de ser professor. Sendo assim, os olhares se concentram nos professores aumentando a abrangência do seu papel, pedindo-lhes inovações por vezes apressadas e exigindo-lhes melhor qualidade das práticas pedagógicas. Desta forma, urge criar um sistema coerente de formação continuada que possa atenuar os problemas dos professores. De acordo com este autor, a formação continuada de professores deve assentar numa nova visão paradigmática, entendida como uma variável essencial ao desenvolvimento das pessoas e das organizações defendendo “três eixos estratégicos: investir na pessoa e na sua experiência; investir na profissão e nos seus saberes e investir na escola e nos seus projetos.” (NÓVOA, 2002, p. 56). Face ao exposto, Nóvoa (2002) afirma “tem-se ignorado o eixo de desenvolvimento pessoal, confundindo «formar» e «formar-se»” (NÓVOA, 2002, p. 56), argumentando que os processos de formação continuada implicam uma aproximação diferente do papel do professor-formando na sua formação.

98 Em termos jurídicos, a formação continuada de professores, em Portugal, passou a ser reconhecida como um direito destes, a partir de 1986, com a publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), Lei n.º46/86, de 14 de Outubro. (PORTUGAL, 1986). No Capítulo IV (Recursos Humanos) da LBSE, o art.º 35º é dedicado exclusivamente à formação continuada:

1. A todos os educadores, professores e outros profissionais da educação é reconhecido o direito à formação contínua.

2. A formação contínua deve ser suficientemente diversificada de modo a assegurar o complemento, aprofundamento e atualização de conhecimentos e de competências profissionais, bem como a possibilitar a mobilidade e a progressão na carreira.

3. A formação contínua é assegurada predominantemente pelas respectivas instituições de formação inicial, em estreita cooperação com os estabelecimentos onde os educadores e professores trabalham.

4. Serão atribuídos aos docentes períodos especialmente destinados à formação contínua, os quais poderão revestir a forma de anos sabáticos. (PORTUGAL, 1986, cap. IV).

Com a publicação do Ordenamento Jurídico da Formação de Educadores de Infância e Professores dos Ensinos Básico e Secundário (Decreto-Lei nº 344/89, de 11 de Outubro) (PORTUGAL, 1989) e do Estatuto da Carreira de Educadores e Professores dos Ensinos Básico e Secundário (Decreto-Lei nº 139-A/90 de 28 de Abril) (PORTUGAL, 1990) foram introduzidas algumas alterações à LBSE. Nestes documentos, a formação de professores passa a constituir um direito e um dever destes, tratando-se de uma forma de atualização e de satisfazer as suas necessidades. O Decreto-Lei n.º344/89 torna-se, como já referido anteriormente, um marco na evolução da utilização e oferta da formação continuada em Portugal, salientando-se, no entanto, que a implantação da formação de professores conforme esta regulamentação só foi efetuada com a publicação do Regime Jurídico da Formação Contínua de Professores (Decreto-Lei n.º 249/92, de 9 de Novembro) que constituiu a formação de professores como condição para a progressão nas carreiras profissionais e cria um Conselho Coordenador de Formação Contínua para “coordenar, avaliar e superintender nas ações de formação contínua de professores a nível nacional”. Este Decreto-Lei n.º 249/92, consagrava já vários objetivos fundamentais para a formação de professores, no artigo 3:

a) A melhoria da qualidade do ensino e das aprendizagens, através da permanente atualização e aprofundamento de conhecimentos, nas vertentes teórica e prática;

99 b) O aperfeiçoamento das competências profissionais dos docentes nos

vários domínios da atividade educativa, quer a nível do estabelecimento de educação ou de ensino, quer a nível da sala de aula;

c) O incentivo à autoformação, à prática da investigação e à inovação educacional;

d) A aquisição de capacidades, competências e saberes que favoreçam a construção da autonomia das escolas e dos respectivos projetos educativos; e) O estímulo aos processos de mudança ao nível das escolas e dos territórios

educativos em que estas se integrem susceptíveis de gerar dinâmicas formativas;

f) O apoio a programas de reconversão profissional, de mobilidade profissional e de complemento de habilitações.

Em relação às entidades formadoras, o artigo 15, determina no ponto 1: 1-São entidades formadoras:

a) As instituições de ensino superior cujo âmbito de atuação se situe no campo da formação de professores, das ciências de educação e das ciências da especialidade;

b) Os centros de formação das associações de escolas;

c) Os centros de formação de associações profissionais ou científicas sem fins lucrativos, constituídas nos termos da lei, cuja intervenção seja considerada relevante para o processo de formação contínua de professores. (artigo 15, nº 1)

Este decreto-lei estabelece, ainda, vários outros parâmetros relacionados com a formação continuada como, por exemplo, princípios orientadores, efeitos, modalidades de formação, avaliação. Com o Decreto-Lei n.º 274/94, de 28 de Outubro, foi substituído o Conselho Coordenador de Formação Contínua pelo Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua (CCPFC), conferindo a este órgão um estatuto de grande independência perante a administração central e perante os professores e entidades formadoras, redefinindo as suas competências e imprimindo-lhe maior operacionalidade, nomeadamente, através do artigo 37.º “compete proceder à acreditação das entidades formadoras e das ações de formação contínua de professores e acompanhar e avaliar o sistema de formação contínua”.

Desta forma, esta legislação veio impulsionar, no início da década de noventa, a expansão da formação continuada em Portugal, tendo começado a funcionar os Centros de Formação no ano letivo de 1992/93. Estes centros visavam à oferta de diversos tipos de formação, muitas vezes sem qualquer relação com as necessidades dos professores ou com os projetos educativos das escolas (ESTRELA, 2001). Em simultâneo, os professores escolhiam as formações de acordo com a sua necessidade de progredir na carreira e não na perspectiva de se desenvolverem profissionalmente. A formação como, já referido anteriormente, passa muitas vezes a constituir uma obrigação ou sacrifício (SILVA, 2003).

100 Sendo assim, surge, em 1996, o Decreto-Lei n.º 207/96 de 2 de Novembro, que tenta realçar a importância da formação contínua para a valorização pessoal e profissional dos professores. Este Decreto-Lei pretende quebrar com a lógica predominante para frequência dos cursos de formação continuada e contribuir para “a construção de uma nova perspectiva e de uma nova filosofia para a formação contínua de educadores e formadores” (Decreto-Lei n.º 207/96, texto introdutório). Evidencia-se que seria importante que este preâmbulo fosse cumprido e que a formação de professores deixasse de ser vista como uma obrigação (SILVA, 2003) que visa a transmissão de conhecimentos de que se pensa que os professores precisam. Pretende-se que a formação passe a ser relacionada a uma forma de promover o desenvolvimento profissional e a reflexão do professor sobre a sua prática. Mais tarde, em 2007, com a aprovação do Decreto-Lei n.º 15/2007, nomeadamente, o seu artigo 4.º, introduzem-se mais algumas alterações ao Regime Jurídico da Formação Contínua de Professores, no sentido de restringir o tipo de ação de formação que pode ser contemplada com créditos para efeitos de progressão na carreira, privilegiando-se a formação na área científico-didática do professor (dois terços dos créditos têm de ser nesta área).

Face ao exposto, a complexa legislação em vigor em Portugal, que leva já dezoito anos de existência, sujeita por vezes a algumas alterações e ajustes, tem mantido, ao longo deste tempo, as características relacionadas com os objetivos e princípios e com a forma da sua organização no terreno (SANTOS, 2009). De acordo com Formosinho e Araújo (2011), o modelo português de formação continuada encerra algumas virtudes e alguns problemas. Para estes autores, este modelo tem permitido que um conjunto alargado de entidades (instituições superiores, escolas ou associações de escolas, sindicatos e associações de professores, etc.) se envolva na concepção e oferta de ações de formação continuada. Esta diversidade promove uma conciliação entre diferentes objetivos a nível organizacional e pedagógico, além de promover uma saudável convivência entre vários parceiros interassados na formação continuada. Formosinho (1991 apud FORMOSINHO; ARAÚJO, 2011) complementa que esta convivência entre várias instituições determinou a criação de uma entidade coordenadora (CCPFC), a regulamentação de todas as atividades e a acreditação das entidades formadoras. Simultaneamente, este modelo permite descentralizar territorialmente a formação e aproximar geograficamente a oferta da procura, o que potencializa uma formação mais próxima das necessidades dos professores e das instituições. No entanto, estes autores apontam como fragilidade deste modelo o fato de as escolas não serem tradicionalmente vocacionadas para as formações de professores, correndo-se o risco de estas se fecharem sobre si próprias e não

101 promoverem a renovação de práticas existentes. Desta forma, podem criar-se heterogeneidades acentuadas na qualidade das formações oferecidas, se as capacidades formadoras das escolas forem muito divergentes. A criação dos centros de formação de associação de escolas pertencentes a determinada área geográfica tenta atenuar estes efeitos, contribuindo para alguma homogeneização. Sendo assim, Formosinho e Araújo (2011) concluem que este modelo tem permitido uma dinâmica, no sentido de permitir transformações relacionadas com necessidades locais e, da mesma forma, diferentes competências para enfrentar estas transformações (MACHADO, 2007 apud FORMOSINHO; ARAÚJO, 2011). Todavia, verifica-se, a partir de 2003, uma excessiva dependência destes centros de formação da administração central, devido essencialmente a questões de financiamento que, até então, era garantido por programas cofinanciados pela União Europeia (SANTOS, 2009). Esta dependência acarretou uma perda de autonomia, no que diz respeito à concepção de ações de formação orientadas para o seu público (professores e escolas associadas aos centros de formação), para passar a oferecer ações de formação concebidas nas direções centrais do governo e distribuídas por estes centros (FORMOSINHO, ARAÚJO, 2011).

Lopes et al. (2010 apud FORMOSINHO; ARAÚJO, 2011) referem que os professores portugueses, entre 2004 e 2007, têm procurado formação continuada na modalidade de oficina de formação (50 horas, 2 créditos para progressão na carreira), prevalecendo a escolha sobre cursos de formação que enfoquem conteúdos e temáticas disciplinares e que permitam o contato com materiais ou estratégias que possam ser levadas para a sala de aula. Desta forma, a perspectiva de mudança está centrada no professor, na aquisição de conhecimentos e competências individuais. As mudanças na vida da escola e na aprendizagem dos alunos serão resultado de melhorias no desempenho pessoal do professor (FORMOSINHO; ARAÚJO, 2011).

Em relação ao impacto da formação continuada nas práticas dos professores e na aprendizagem dos alunos, os autores referem que “abundam e divergem as percepções” (FORMOSINHO, ARAÚJO, 2011, p.12), reconhecendo, no entanto, que esta tem contribuído para aproximar os professores dos diferentes ciclos de ensino, favorecendo uma visão mais clara do currículo e das escolhas pedagógicas. Desta forma os autores concluem:

Reconhece-se a instrumentalidade da formação posta ao serviço das políticas centralmente definidas, afirma-se o impacto da formação, confessa-se a dificuldade em objetivar elementos que traduzam “efeitos concretos” da

102 formação (as TIC aparecem como exceção, mas também elas são instrumentais) e constata-se a insuficiente explicitação dos efeitos previsíveis de cada ação de formação. Na sequência desses dados, emerge a necessidade de estruturas de acompanhamento das práticas após a formação, em congruência com uma perspectiva de relação linear de causa e efeito e de avaliação do produto – “a aplicação do que foi aprendido na formação” – e uma modalidade de penetração na “caixa negra” que tem sido a sala de aula e de interferência na privacidade pedagógica dos professores. (FORMOSINHO, ARAÚJO, 2011, p.13)