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4. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

4.2. Formação continuada de professores

O segundo ponto que nos interessa é a formação de professores, pois acreditamos que uma interação educativa que promova aprendizagens significativas é proporcionada e dirigida pelo professor, ainda que inúmeros fatores interfiram nesse processo. Assim, ao alinharmos nossas expectativas a uma pedagogia com perspectiva crítica, sobretudo nos cursos de formação inicial e continuada de professores, reforçamos nossa crença na necessidade de o professor procurar, cada vez mais, desenvolver-se como um profissional reflexivo, seja nos aspectos gerais que impactam a vida escolar, seja na sua prática cotidiana em sala de aula.

Dessa forma, dois aspectos são essenciais: i) perceber o professor como um intelectual, ou seja, como alguém que tenha condições de analisar a realidade e de adotar uma postura crítica, dirigindo seu trabalho para o desenvolvimento autêntico de seus alunos (GIROUX, 1997) e ii) reconhecer que a produção de conhecimentos não pode ser propriedade exclusiva das “altas esferas de decisão”, mas que considere “que os professores também têm teorias que podem contribuir para uma base codificada de conhecimentos de ensino” (ZEICHNER, 1993).

Ao encarar os professores como intelectuais, podemos elucidar a importante idéia de que toda a atividade humana envolve alguma forma de pensamento. (...) Dentro deste discurso, os professores podem ser vistos não simplesmente como "operadores profissionalmente preparados para efetivamente atingirem quaisquer metas a eles

apresentadas. Em vez disso, eles deveriam ser vistos como homens e mulheres livres, com uma dedicação especial aos valores do intelecto e ao fomento da capacidade crítica dos jovens". (GIROUX, 1997, 161)

Assim, ainda que o saber técnico seja necessário, a capacidade para mobilizar ideias, fundamentadas em conhecimentos já adquiridos ou na busca de novas explicações, bem como a competência de encontrar caminhos para problemas inéditos provenientes do contexto mais geral ou do cotidiano da sala de aula, parecem sinalizar outras peculiaridades inerentes ao exercício da docência que vão além do estrito domínio do conteúdo a ser ministrado.

Ilustrando melhor essas ideias, Zeichner (1993) afirma existirem diferentes maneiras de se pensar a constituição de professores pesquisadores de suas práticas. Contudo, defende uma formação que desenvolva a capacidade de refletir sobre os contextos sociais, educacionais, políticos entre outros e de atuar em sala de aula no sentido de contribuir com a melhoria das condições de vida, objetivando a reconstrução social.

Podemos compreender melhor sua proposta de formação de professores pelo trecho a seguir:

Ao longo dos anos, tentamos tornar-nos mais explícitos quanto ao conteúdo e qualidade da reflexão que esperamos incentivar no nosso programa de formação de professores. A nossa utilização do termo “reflexão” acentua as dimensões desenvolvimentalista e de reconstrução social do ensino. Esta perspectiva significa que:

1. A atenção do aluno-mestre é tanto dirigida para o interior, para a sua própria prática, como para o exterior, para os seus estudantes e para as condições sociais nas quais a sua prática se situa.

2. Existe na reflexão um impulso democrático e emancipador, que leva à consideração das dimensões sociais e políticas do ensino, juntamente com as suas outras dimensões.

3. A reflexão é tratada mais como uma prática social do que apenas como uma actividade privada. (ZEICHNER, 1993, p. 51)

Podemos complementar o raciocínio acima com as seguintes afirmativas de Giroux:

É importante enfatizar que os professores devem assumir responsabilidade ativa pelo levantamento de questões sérias acerca do que ensinam, como devem ensinar, e quais são as metas mais amplas pelas quais estão lutando. Isto significa que eles devem assumir um papel responsável na formação dos propósitos e condições de escolarização. (GIROUX, 1997, p.161)

e

Se acreditarmos que o papel do ensino não pode ser reduzido ao simples treinamento de habilidades práticas, mas que, em vez disso envolve a educação de uma classe de intelectuais vital para o desenvolvimento de uma sociedade livre, então a categoria de intelectual torna-se uma maneira de unir a finalidade da educação de professores, escolarização pública e treinamento profissional aos próprios princípios necessários para o desenvolvimento de uma ordem e sociedade democráticas. (GIROUX, 1997, p.162)

As definições acima, tanto do professor reflexivo quanto do professor intelectual podem convergir para uma prática, em sala de aula, igualmente reflexiva e que propicie o desenvolvimento integral do aluno, ao mesmo tempo em que repercute sobre as necessidades de sua comunidade. Em nossa compreensão, tais características sugerem outros desdobramentos inclusive nos anos iniciais, pois também:

(...) a atuação docente precisa ocorrer com outras bases. É o papel de um agente transformador que está se exigindo do professor. Além das novas competências técnicas e instrumentais para desempenhar adequadamente a sua função educativa em sintonia com as demandas desta perspectiva, o professor precisa tanto desenvolver o espírito crítico e a criatividade, como envolver-se ativamente com a sua comunidade, sendo um formador de opiniões. (LORENZETTI e DELIZOICOV, 2001, p.13)

Assim, o trabalho docente requer uma atuação que vai além de suas funções na escola. Para tanto, Pimenta (2000) assevera que o professor precisa recorrer a instrumentos de análise que permitam a compreensão dos contextos nos quais seu trabalho se desenvolve.

Todavia, em nossa pesquisa vamos nos ater ao trabalho do professor circunscrito pela escola. Por isso, nos valemos de Alarcão (2003), Zeichner (1993) e Pimenta (2002) que discutem a importância do saber fazer, da problematização da prática e da reflexão sobre a ação e na ação. Assim, Alarcão (2003) ressalta a necessidade de o professor exercitar um triplo diálogo: consigo mesmo, com os outros e com a situação.

O primeiro possibilita a tomada de consciência de suas concepções sobre a aprendizagem, as abordagens de ensino, o seu envolvimento nas questões sociais e políticas, o papel da educação etc. O segundo, parte da interação com os demais envolvidos no processo educativo, ao permitir que outros também contribuam com suas experiências e conhecimentos, sejam teóricos ou pesquisadores, sejam colegas que enfrentam problemas similares. Já o terceiro, permite a busca de soluções para as diferentes questões que surgem no trabalho cotidiano, tendo por base a análise de dados que favoreçam a elaboração de uma explicação crítica da situação.

Não obstante, muitos fatores devem ser observados durante a realização de projetos de formação continuada. Assim, nos quais os professores são levados a explicitar suas concepções sobre os processos de ensino-aprendizagem, podemos observar determinadas tendências-obstáculos (resumidas de Porlán et al., 1997, p. 160):

a) Tendência à fragmentação e dissociação entre a teoria e a ação e entre o explícito e o tácito;

c) Tendência à conservação-adaptativa e rejeição à evolução-construtiva; d) Tendência à uniformidade e rejeição à diversidade.

Vale ressaltar que, no caso dos professores dos anos iniciais, a formação na Graduação não contempla de maneira aprofundada os conteúdos específicos das diversas áreas com as quais o futuro professor deverá trabalhar com seus alunos. Assim, concordamos com Teixeira (2003) quando afirma que os professores julgam não poder atuar significativamente diante de assuntos que desconhecem, como é o caso dos conhecimentos científicos, ou comportam-se timidamente frente a novos desafios provocados pela necessidade de resgatar e ampliar o corpo de conhecimentos construído ao longo de sua escolarização, pois, em muitos casos, questões específicas, inclusive as das Ciências Naturais, não fazem parte do currículo dos cursos de Pedagogia.

Todavia,

O papel que a professora exerce no desenvolvimento da criança é justamente o de forçar a ascendência dos conceitos cotidianos, de mediar o processo que vai abrindo caminho para a posse de conceitos científicos. Como afirmamos anteriormente, o conceito é um ato de generalização, mas como isso é feito no ensino de ciências das séries iniciais? Consideramos que para construir processos de generalização é preciso: observar, classificar, diferenciar, testar, significar, descrever, concluir, teorizar, questionar, comparar, julgar, decidir, levantar hipóteses, discutir, planejar. Fazer isso demanda das professoras saberes e vivências que não são necessariamente da ordem de conceitos específicos, mas sobre o mundo da criança e de seus modos de pensar, dizer e aprender. Trata-se de um domínio mais da ordem dos conteúdos procedimentais e atitudinais do que conceituais propriamente ditos. Refere-se ao saber ensinar as crianças, de saber ser um par mais capaz para elas, de estar com elas e de conduzir a outros patamares de compreensão do mundo. (LIMA; MAUÉS, 2006, p. 170).

Por conseguinte, entendemos que o conhecimento particular oriundo do dia a dia de cada profissional precisa ser considerado um material bastante rico para mobilizar reflexões sobre determinados aspectos de seu trabalho. Não obstante, enfatizamos a necessidade de buscar subsídios teóricos e metodológicos para ampliar tais reflexões ou conhecimentos provenientes da pesquisa, de novas leituras etc.

Além disso, Zeichner (1993) e Pimenta (2002) defendem que a reflexão sobre a prática docente precisa ser realizada coletivamente para evitar o isolamento do professor, visto que é bastante complicado o processo de desafiar o conhecimento e os modelos mentais com o objetivo de que as pessoas sintam a necessidade de mudanças em suas próprias concepções (CHINN; BREWER, 1993).

Nesse sentido, espera-se que os professores tenham oportunidade de participar de processos de formação continuada que tragam novos conhecimentos, que discutam os aportes

teóricos que subsidiam determinadas concepções sobre os processos de ensino-aprendizagem e as visões sobre a natureza da construção do conhecimento científico. Mas que, sobretudo, propiciem reflexões individuais e coletivas, dividindo a responsabilidade de encontrar soluções para as questões práticas entre todos os envolvidos. Assim, a compreensão sobre os problemas, bem como a elaboração de propostas de ação emergem como uma construção colaborativa do grupo.

Corroborando esta concepção, Auler (2003) e Marcondes et al. (SÃO PAULO, 2007) defendem a construção e reconstrução de materiais didáticos e planos de aula como procedimentos importantes para que o professor tenha meios de aproximar sua prática profissional de seu discurso, visto que se tornam explícitos tanto as dificuldades e as dúvidas quanto a aprendizagem e a incorporação de novos elementos às aulas.

Dessa forma, entendemos que uma formação continuada que incentive a participação ativa do professor na construção de novos conhecimentos pode, conforme nos descrevem Porlán et al. (1997), ser capazes de superar as tendências-obstáculos destacadas anteriormente. Nesse caso, o processo de formação precisa desenvolver um profissional que tenha a capacidade de considerar as seguintes características do conhecimento (resumidas de Porlán et al., 1997, p.160-161):

a) que esteja relacionado à prática docente;

b) que facilite a integração de saberes para além dos relativos aos conteúdos disciplinares; c) que seja percebido em sua complexidade, ou seja, que considere os fatores que podem estar imbricados;

d) que viabilize a tentativa, a evolução e o processo.