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Para fazer um levantamento inicial sobre o que tem sido pesquisado no Brasil sobre o ensino de ciências para os anos iniciais, buscamos teses e dissertações defendidas nas várias instituições do país, além de artigos publicados em periódicos específicos. Vamos apresentar apenas os trabalhos que contribuíram com nossas reflexões sobre o assunto em questão e para conseguirmos ter ideia do que tem sido estudado, dividimos o tema em alguns subtemas: propostas de ensino, formação inicial e continuada de professores, livro didático, alfabetização com conhecimentos científicos e alfabetização científica.

Sobre propostas de ensino

Fernanda Rosa de Brito (2007), em sua investigação de mestrado, analisa situações de estudo geradas por uma proposta de ensino de Ciências e Geografia para a 3ª série (atual 4º ano) do Ensino Fundamental com enfoque globalizado e busca indícios de suas implicações nos processos de ensino e aprendizagem.

A autora parte da premissa de que o ensino ministrado nesse nível de escolarização sofre, ainda, grande influência de um modelo de ensino tradicional, em que os conteúdos transmitidos pelo professor e recebidos pelo aluno são fragmentados e descontextualizados. Somada a isso, existe preocupação basicamente com a alfabetização das crianças, o que leva a uma valorização excessiva das disciplinas de Português e Matemática, em detrimento das demais.

Uma das justificativas encontradas é a de que a formação do professor apresenta lacunas em determinados conteúdos específicos, o que dificulta o estabelecimento de conexões entre as diferentes disciplinas, inibindo a elaboração de estratégias interdisciplinares, inclusive nos anos iniciais. Todavia,

[...] devemos compreender melhor os professores de 1ª a 4ª séries, já que eles, além de terem que dominar com eficiência os conteúdos de diversas disciplinas a serem ensinadas, também devem ser capazes de pensar esses conteúdos no processo geral de escolarização, ou seja, conseguir articular o didático e o pedagógico no processo de ensino-aprendizagem, buscando dessa forma criar uma prática pedagógica mais eficiente e abrangente.

Mas, em virtude dessas diversas dificuldades, o professor acaba fazendo das suas aulas algo enfadonho, capaz de levar o aluno à descrença de aprender. Em busca de mudar esse cenário, o docente deve fazer dos conteúdos trabalhados em sala, temas que levem os estudantes à compreensão do seu entorno, sujeitos participantes e entendedores das questões que o circundam, ou seja, buscar a concreticidade e a aprendizagem significativa. (BRITO, 2007, p. 75)

Em conformidade com as orientações explícitas em diversas propostas educacionais, sua investigação foi pautada pela construção de atividades que conduzissem a uma compreensão de questões integradas, globalizadas. Assim, após processo de familiarização e planejamento, juntamente com a professora regente, foi possível elaborar materiais didático- pedagógicos, aplicar a proposta e analisar os processos que se estabeleceram em sala de aula.

Dentre os inúmeros resultados alcançados, ressalta que: i) os alunos afirmaram ter compreendido melhor os conteúdos, já que a abertura de espaço, em sala de aula, propiciou uma participação mais efetiva dos alunos que expunham suas questões e dúvidas com maior liberdade em relação à metodologia anteriormente usada e ii) a professora admite melhora significativa no nível de compreensão de seus alunos, mas justifica sua resistência à mudança com o argumento da falta de conhecimentos, advindos principalmente de sua formação como pedagoga.

Com outro tema, mas com vários pontos em comum com a pesquisadora anterior, Alex Sander Barros Queiroz (QUEIROZ, 2005) propõe, discute e aplica propostas de ensino de Astronomia para os anos iniciais da escolarização, para crianças e adultos. Parte do pressuposto de que os processos de ensino e aprendizagem relativos à Astronomia possam colaborar com o desenvolvimento de uma prática educativa interdisciplinar e contextualizada, conforme as orientações dos PCN, embora este documento não sugira a inserção desses conteúdos para esse nível de ensino.

Faz menção à falta de conhecimentos sobre as Ciências Naturais (tanto pelos professores polivalentes oriundos dos cursos de Pedagogia ou do antigo magistério, quanto pelos seus professores formadores) como um dos fatores determinantes para a supressão dos conteúdos de Astronomia nas práticas realizadas, já que há certa insegurança em abordar temas menos conhecidos.

Além disso, ao analisar materiais instrucionais para esse nível de ensino, constata que existem poucos sobre o assunto que possam ser classificados como acessíveis, compreensíveis, aplicáveis e confiáveis, sugerindo um investimento maior tanto na elaboração desse tipo de recurso quanto no desenvolvimento de um apoio didático-pedagógico personalizado para os professores atuantes.

E finaliza o rol de dificuldades salientando que, em função das atuais exigências educacionais que preconizam uma atualização permanente do professorado, a formação inicial

e continuada oferecida aos professores para esse nível de ensino, na maioria dos casos, é feita por cursos que:

[...] não estão passando por reformulações e atualizações. Eles continuam adotando métodos reprodutivistas e formando profissionais que não possuem autonomia intelectual nem clareza conceitual suficientes para começarem a acreditar numa prática de ensino mais coerente com os contextos imediatos dos seus alunos, para experimentarem novas propostas de ensino e para criarem abordagens didaticamente mais efetivas. (QUEIROZ, 2005, p. 60)

Os resultados obtidos com a participação intensa dos envolvidos nas atividades propostas reforçam a hipótese de que é possível despertar o interesse dos alunos para os conteúdos de Astronomia, facilitando uma aprendizagem significativa e efetivando um ensino interdisciplinar e contextualizado. Vale salientar que o autor considerou tão positiva a metodologia adotada que chegou ao ponto de ultrapassar o ambiente estritamente escolar, colaborando para a integração entre escola e comunidade.

Observamos que algumas apreensões parecem recorrentes nessas duas pesquisas, quais sejam: necessidades de melhor formação para o professor; falta de materiais didáticos adequados; ensino baseado excessivamente na transmissão de conhecimentos e pouca adesão dos professores às orientações curriculares oficiais.

Em outras pesquisas que focam diretamente a sala de aula, em situação formal de ensino-aprendizagem na disciplina de ciências, percebemos inquietações parecidas, muito embora, as propostas didáticas sejam diferentes, conforme podemos verificar pela lista abaixo:

i) Eliane Maria de Oliveira Araman sugere o uso da História da Ciência como motivador da aprendizagem de conceitos físicos (ARAMAN, 2006);

ii) Ilse Abegg elabora atividades para integrar os conhecimentos científico e tecnológico nas aulas de ciências (ABEGG, 2004);

iii) Andréa Cavalcanti Galvão estuda a execução de projetos de trabalho em sala de aula, observando possíveis enfoques e a interdisciplinaridade (GALVÃO, 2005);

iv) Dulcimeire Aparecida Volante Zanon avalia o desenvolvimento de atividades investigativas do Projeto ABC na Educação Científica – Mão na Massa1 (ZANON, 2005);

      

1 ABC na Educação Científica – A mão na massa. Disponível em http://www.cienciamao.if.usp.br/mnm/ modulos.php. Acesso em 2012.

v) Marco Aurélio Alvarenga Monteiro propõe atividades dialógicas como meio para desenvolver argumentação entre professora e alunos (MONTEIRO, 2002);

Assim, na mesma linha de propostas didáticas, encontramos questões de pesquisa que vão da inserção de determinado conteúdo, passando pela interdisciplinaridade e a transversalidade de temas às minúcias do trabalho em sala de aula. Todavia, em comum transparece a preocupação com a dificuldade encontrada pelo professor dos anos iniciais em transitar com facilidade pelos temas relacionados à ciência e à tecnologia.

Sobre formação inicial e continuada de professores

O trabalho de Kelly Cristina Ducatti-Silva (2005), em cursos de Pedagogia de cinco instituições paulistas, analisou as dificuldades encontradas pelos alunos em formação ao ministrarem aulas de ciências. Para isso, baseou-se na percepção que professores de Metodologia Para o Ensino de Ciências têm de suas aulas e nas concepções dos alunos sobre a importância dessa disciplina para a formação do professor das séries iniciais.

As questões de pesquisas começaram a surgir durante a realização do Estágio Supervisionado da Licenciatura em Pedagogia, decorrentes da observação de que as aulas de ciências para as séries iniciais se limitavam às práticas verbalistas que aceitam a transmissão

como forma mais adequada de ensinar, já que, na maioria dos casos, o ensino de ciências não

é prioridade nessa faixa etária.

A autora sugere que as pesquisas pedagógicas sirvam de motivadoras para a elaboração de projetos de formação inicial que propiciem a reflexão sobre práticas diferenciadas, que mostrem novos horizontes para o ensino de ciências, aumentando o interesse dos futuros professores pelas temáticas da área ao discutir a importância desse tipo de conhecimento.

Muitos projetos de pesquisa têm sido desenvolvidos com essa perspectiva de instrumentalizar o professor dos anos iniciais com conhecimentos da área científica ou com a discussão de concepções que, de uma forma ou de outra, inibem a inserção de conhecimentos científicos e tecnológicos nos planejamentos cotidianos. Como exemplo, citamos as pesquisas de:

i) Marina Assis Fonseca, que procura identificar expectativas, entendimentos e concepções dos professores que podem influenciar no estabelecimento de objetivos para o ensino de ciências (FONSECA, 2002);

ii) Cecília Yoshida Freire, que levanta as principais dificuldades apontadas pelos professores polivalentes como obstáculo para o desenvolvimento da disciplina ciências nos anos iniciais (FREIRE, 2000);

iii) Cecília Maria Barradas, que propõe a formação continuada na própria escola para que os professores consigam enfrentar os desafios por meio de uma educação problematizadora (BARRADAS, 2008);

iv) Paulo César Gomes, que percebe que o desenvolvimento de conteúdos procedimentais sugeridos pelos PCN necessita de formação específica (GOMES, 2005);

v) Mônica Cella, que investiga os limites e as possibilidades de um programa de formação continuada para a reorganização da prática pedagógica (CELLA, 2000);

Na tentativa de contribuir com a melhoria do ensino nos anos iniciais, muitos trabalhos versam sobre distintos modelos de formação. Embora as metodologias utilizadas sejam diferentes, a maioria parte da necessidade de mobilizar os professores a adotar novas posturas em relação ao conhecimento científico, mais coerentes com o momento histórico atual.

Sobre livros didáticos

A preocupação com a qualidade e as formas de utilização dos livros didáticos para os anos iniciais também incentivou pesquisas que permitem a elaboração de um panorama abrangente sobre a interação do professor com os materiais instrucionais. Assim, temos: i) Flávia de Barros Ferreira Leão, com uma análise sobre os critérios de avaliação propostos pelo Programa Nacional de Livro Didático (PNLD) (LEÃO, 2003);

ii) Luiz Caldeira Tolentino Neto, questionando o processo de escolha do livro didático pelo PNLD já que nem sempre os critérios adotados pelos professores condizem com os previstos no programa (TOLENTINO-NETO, 2003);

iii) Sandra Elisabet Bazana Nonenmacher, alertando sobre o papel desempenhado pelo livro didático na mediação entre os conhecimentos científico e cotidiano (NONENMACHER, 2000);

iv) Perciliana Pena, verificando que as propostas de experimentação aparecem apenas para comprovar o conteúdo dos textos e não chegam a instigar a curiosidade e o espírito científico (PENA, 2000);

v) Carolina José Maria, verificando a presença de conteúdos de ciência, tecnologia e ambiente que se relacionem com questões sociais e possibilitem o exercício da cidadania (MARIA, 2008);

Dessa forma, percebemos que a linguagem, a ideologia subjacente e os conteúdos, de forma mais explícita, são aspectos importantes que podem se tornar obstáculos ao trabalho em sala de aula, visto que há uma tendência em escolher determinado título por questões que podem não condizer com as necessidades da comunidade que vai utilizá-lo.

Sobre conhecimentos científicos e a alfabetização

As pesquisas com essa vertente aparecem como propostas que podem ser utilizadas pelos professores concomitantemente com o exercício da leitura e da escrita, ou melhor em parceria. Como, por exemplo, o trabalho de:

i) Arlete Teresinha Esteves Brandi, que propõe atividades de alfabetização em conjunto com a construção de conhecimentos científicos como estratégia de dinamizar o trabalho do professor (BRANDI, 1999);

ii) Maria da Conceição Barbosa Lima, que observa a construção de conhecimentos sobre máquinas simples a partir da leitura e interpretação de histórias e a produção de textos (LIMA, 2001);

iii) Luana Von Linsingen, que utiliza o lúdico, a imaginação e a dinamicidade da literatura infantil para estimular elaborações mais abstratas sobre a realidade e os fenômenos do mundo físico (LINSINGEN, 2008);

iv) Carla Marques de Oliveira, que investiga os registros dos alunos após resolverem situações problemáticas pela experimentação, argumentação e escrita sobre os fenômenos físicos (OLIVEIRA, 2003);

Observamos que as pesquisas nessa perspectiva apresentam inúmeras possibilidades para o professor dos anos iniciais, inclusive auxiliando em um de seus maiores objetivos, a alfabetização. Entendemos que este tipo de proposta de trabalho pressupõe a simpatia dos professores e, portanto, sua possível adesão mesmo após a intervenção do pesquisador.

Sobre alfabetização científica

Muito se tem discutido sobre os diferentes tipos de alfabetização científico-tecnológica no tocante ao alcance cognitivo ou para instrumentalizar a participação do indivíduo em

decisões que afetam sua vida. Nesse sentido, as pesquisas se mostram preocupadas em formar um cidadão crítico, com competência para participar ativamente na sociedade atual. Nessa categoria, agrupamos os trabalhos de Leonir Lorenzetti ao elaborar categorias para analisar iniciativas didático-metodológicas e propiciar o desenvolvimento do conceito para os anos iniciais e Ângela Regina dos Reis Santos (SANTOS, 2005) que avalia a rede municipal de ensino de Teresina-PI, criticando a formação de cidadãos à margem do conhecimento científico.

Distintos problemas são enfocados em outras tantas pesquisas sobre o ensino de ciências para os anos iniciais, mas, os resultados encontrados convergem para as conclusões de pesquisas citadas anteriormente.

Deste modo, podemos resumir os pontos que mais se sobressaíram em nosso levantamento bibliográfico em seis itens, sendo eles:

i) Os professores polivalentes que, apesar do pressuposto de que devem dominar conteúdos básicos de todas as disciplinas, não parecem se sentir seguros em relação aos conhecimentos científicos e tecnológicos;

ii) A organização escolar não favorece o trabalho extraclasse, a dinâmica em grupos nem a realização de projetos interdisciplinares;

iii) O livro didático é usado, em grande parte, como único recurso ou guia para o desenvolvimento de conceitos científicos;

iv) As propostas de integrar o ensino de ciências ao exercício da leitura e da escrita são bem aceitas pelos professores, mas demandam investimentos de tempo e formação;

v) A alfabetização científica não parece ser um objetivo claro para grande parte dos envolvidos na tarefa educativa;

vi) Não há consenso, entre os professores, sobre a importância do ensino de ciências, a seleção de conteúdos significativos nem as condições favoráveis para a formação cidadã.