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4. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

4.1. Ensino de ciências nos anos iniciais:

4.1.2. Objetivos e características do ensino de ciências:

As tendências educacionais de cada momento histórico delimitam objetivos e metodologias didático-avaliativas que apesar de, em muitos casos, não serem seguidos pela maioria dos docentes atuantes, se traduzem em prescrições e orientações curriculares dos órgãos oficiais (PCN, CBC, Matriz Curricular etc.)2.

Assim, partimos da reprodução fiel e dogmática do livro-texto na metade do século XX, passamos, em anos posteriores, pela ênfase na experimentação e no desenvolvimento do chamado “método científico” e chegamos à época em que: i) o acúmulo de informações cede lugar às relações que possam ser estabelecidas entre os dados obtidos facilmente pela tela do computador; ii) as atitudes podem ser tão valorizadas quanto o saber formal e iii) espera-se do educando um posicionamento crítico frente aos complexos problemas colocados pelo rápido desenvolvimento das sociedades (BRASIL, 1997b).

Nesta conjuntura,

A formação de um cidadão crítico exige sua inserção numa sociedade em que o conhecimento científico e tecnológico é cada vez mais valorizado. Neste contexto, o papel das Ciências Naturais é o de colaborar para a compreensão do mundo e suas transformações, situando o homem como indivíduo participativo e parte integrante do Universo. (BRASIL, 1997b, p. 15).

Dessa maneira, a educação formal, nesse início de século, aponta para o desenvolvimento de certas habilidades intelectuais, apreciando os procedimentos próprios das diferentes áreas do conhecimento. Nesse caso, a disciplina de ciências deixa de ser especificamente para formar “mini cientistas” ou de apresentar objetivos exclusivamente propedêuticos, para se tornar integrada aos demais componentes curriculares, em um esforço de desvendar a vida contemporânea.

      

Uma vez que,

Desde muito pequenos aprendemos a entender o mundo que nos rodeia. Por isso, antes mesmo de aprender a ler e a escrever palavras e frases, já estamos “lendo”, bem ou mal, o mundo que nos cerca. Mas este conhecimento que ganhamos de nossa prática não basta. Precisamos de ir além dele. Precisamos de conhecer melhor as coisas que já conhecemos e conhecer outras que ainda não conhecemos. (FREIRE, 1989, p. 40).

Por conseguinte, para que sejam possíveis discussões que apresentem os atributos inerentes ao empreendimento científico, devemos salvaguardar duas características principais: a especialização e a interdisciplinaridade (ANGOTTI; DELIZOICOV, 1990). De acordo com essa perspectiva, o ensino de ciências deve primar pela análise de aspectos específicos que tragam informações capazes de elucidar situações complexas, tais como as vivenciadas pelos alunos em ocorrências cotidianas, “permitindo que os alunos trabalhem ativamente no

processo de construção do conhecimento e debate de idéias que afligem sua realidade.” 

(SASSERON; CARVALHO, 2008, p. 336).

Tendo em vista a orientação dessas observações, nos identificamos com pesquisadores que estejam mais preocupados em definir o lócus da Ciência no contexto histórico atual, na vida escolar e na prática docente, sobretudo no que tange o desenvolvimento de cidadãos mais conscientes de seus deveres e direitos, com disposição para efetuar transformações sociais e, portanto, mais participativos (permitindo o desabrochar de sua vocação ontológica em serem sujeitos históricos, conforme nos pontua Paulo Freire em sua obra).

Sendo assim, concordamos com Lorenzetti e Delizoicov (2001) ao declararem que:

Aumentar o nível de entendimento público da Ciência é hoje uma necessidade, não só como um prazer intelectual, mas também como uma necessidade de sobrevivência do homem. É uma necessidade cultural ampliar o universo de conhecimentos científicos, tendo em vista que hoje se convive mais intensamente com a Ciência, a Tecnologia e seus artefatos. (LORENZETTI; DELIZOICOV, 2001, p. 5).

Consequentemente, quanto mais cedo as pessoas forem confrontadas com situações, problemas e avanços ligados à Ciência, melhor resposta poderão fornecer a novas questões e desafios. Além disso, entendemos que já existe uma relação entre a Ciência e as pessoas baseada na maior ou menor proximidade entre definições especializadas, fenômenos observáveis e crenças do indivíduo. Portanto, acreditamos que a escola, como meio de diminuir a distância entre tais circunstâncias, possa estabelecer algumas metas que culminem no que alguns autores denominam de alfabetização científica e tecnológica.

Pensamos em “alfabetização” com o mesmo sentido atribuído por Paulo Freire na obra

domínio psicológico e mecânico de técnicas de escrever e de ler. É o domínio destas técnicas em termos conscientes” (FREIRE, 1980, p. 111). Do mesmo modo, o indivíduo alfabetizado

cientificamente não é aquele que apenas é capaz de decodificar um termo específico ou utilizar as palavras corretas para descrever um fenômeno. Mais do isso, tal alfabetização científica “implica numa autoformação de que possa resultar uma postura interferente do

homem sobre seu contexto” (FREIRE, 1980, p. 111).

Todavia, vários níveis de alfabetização científica podem ser alcançados. Assim, nos valemos das definições de Lorenzetti e Delizoicov (2001) que, baseadas em Shen (1975) e Bybee (1995), resumem os aspectos principais dos diferentes objetivos para a alfabetização científica, conforme o Quadro 4.1.

Quadro 4.1 - alfabetização científica e seus diferentes objetivos (adaptado de LORENZETTI; DELIZOICOV, 2001)

Denominação Característica

Prática Relacionar os temas elencados com as necessidades humanas mais

básicas como alimentação, saúde e habitação.

Funcional Desenvolver conceitos, centrando-se na aquisição de um vocabulário,

palavras técnicas, envolvendo a Ciência e a Tecnologia.

Cívica Tornar o cidadão mais atento para a Ciência e seus problemas, para que ele e seus representantes possam tomar decisões mais bem informadas.

Conceitual e

processual Ensinar aos alunos os significados próprios dos conceitos científicos, relacionando informações e fatos sobre Ciência e Tecnologia. Cultural Instigar o gosto de desejar saber sobre Ciência, como uma façanha da

humanidade e de forma mais aprofundada.

Multidimensional Desenvolver a capacidade de adquirir e explicar conhecimentos, além de

aplicá-los na solução de problemas do dia-a-dia.

A partir do quadro anterior, percebemos que há uma diversidade de metas que podem ser norteadoras dos planejamentos de ensino em todos os níveis de escolaridade. Todavia, compreendemos que, para atender às exigências que o contexto atual nos impõe, é necessário que as pessoas sejam capazes de aprender cada vez mais profundamente conhecimentos nas mais diferentes áreas, mas que, não obstante, tenham autonomia e compromisso para transportar tais conhecimentos para a vida prática, de modo que seja possível elaborar soluções e propostas de enfrentamento para os problemas cotidianos.

(...) destacamos que mesmo que o ensino de Ciências Naturais, em todos os níveis de educação, deva desenvolver o aprimoramento e ampliação do vocabulário científico dos estudantes, é necessário que este seja adquirido de forma contextualizada, na qual os alunos possam identificar os significados que os conceitos científicos apresentam. (LORENZETTI; DELIZOICOV, 2001, p. 5).

Ou seja, de acordo com o quadro 4.1, entendemos que um ensino de ciências preocupado com essas questões pode ter, como fio condutor, o desenvolvimento de uma alfabetização científica multidimensional.

Além disso, “o ensino de ciências pode se constituir num potente aliado para o

desenvolvimento da leitura e da escrita, uma vez que contribui para atribuir sentidos e significados às palavras e aos discursos.” (LORENZETTI; DELIZOICOV, 2001, p. 13).

Dessa forma, a linguagem científica pode permitir que os alunos usem palavras e descrições que, com a compreensão que vão estabelecendo, passem a relacioná-las com determinados contextos, “constituindo-se um meio para o indivíduo ampliar o seu universo de conhecimento, a sua cultura, como cidadão inserido na sociedade” (LORENZETTI;

DELIZOICOV, 2001, p. 9).

Todavia, “nesse momento não há a necessidade de quantificação dos fenômenos por

meio de fórmulas e cálculos ou de exigir rígidas estruturações hierárquicas, rigor no uso do conceito ou de se estabelecer múltiplas relações” (LIMA; MAUÉS, 2006, p. 170).

Alinhados com essa perspectiva, seja na avaliação do desenvolvimento ou da participação do aluno, seja na análise das possibilidades de formação inicial e continuada de professores para os anos iniciais, nossas concepções sobre o ensino de ciências parecem convergir, portanto, para as discussões realizadas por pesquisadores inspirados na obra de Paulo Freire, tais como: Angotti (1982, 1991), Angotti; Delizoicov (1990), Auler (2002), Delizoicov (1982, 1991) e Pernambuco (1981).