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7. LEVANTAMENTO PRELIMINAR – condições de ensino nas escolas de Ituiutaba Nossa investigação, embora ambicione discutir questões abrangentes sobre o ensino de

7.2. As Supervisoras pedagógicas

7.2.1. Os objetivos dos anos iniciais

Para a compreensão sobre o que se propõe a escola, neste tópico selecionamos trechos de entrevista que nos indiquem algumas das características que são valorizadas durante os primeiros anos de escolarização. Vamos começar com as declarações de duas supervisoras que nos mostram quão variada é a tarefa educativa nesta faixa etária:

(O objetivo é) desenvolver os alunos... ler, escrever, fazer conta, entender o que acontece na vida... (...) tem que ensinar como fazer prova, como pegar no lápis, tem até que ensinar a tomar banho, tem pai que não está nem aí para higiene, quer as meninas bonitas, mas nem liga se está com piolho, tem muita gente ignorante (...) aqui é o início de tudo (...) e os pais não estão nem aí (...) então aí fica difícil porque fica tudo nas costas da escola, a escola é que tem que educar (...) os pais não, hoje é tudo assim, os pais deixam toda a responsabilidade para gente. (supervisora – escola G)

é uma responsabilidade muito grande, além dos conteúdos que são muitos, tem também as atitudes, o afetivo, o sensório-motor, quer dizer, não é só conteúdo não, a gente tem que se preocupar com o todo, com o adulto que essa criança vai se tornar, porque tudo começa nessa idade, mas aí também tem a parte da família (...) os objetivos da escola são muito mais do que é possível porque tem a parte da família que muitas das vezes não faz nada. (...) Se o menino chega em casa e nem tem lugar para ele estudar é bem diferente do menino que a mãe faz um lanchinho da tarde e senta para fazer a tarefa com ele (...) E isso ninguém vê, ou melhor, é claro que vê, mas faz de conta que não existe e que a escola vai dar conta de mudar isso, é claro que não vai... (supervisora – escola A)

Nessa perspectiva, a escola acaba se tornando o local onde o aluno pode aprender muito, inclusive atitudes simples do cotidiano. Todavia, as supervisoras reconhecem que a

transferência de responsabilidades próprias da família para o contexto escolar acaba sobrecarregando com novas atribuições as tarefas do professor, inviabilizando a realização de um trabalho que consiga sanar todas as carências.

Na mesma ótica, destacamos a fala da supervisora da escola C, quando define que:

(...) o objetivo da escola é alcançar o desenvolvimento intelectual do aluno, moral, social... Além de competências na leitura, na matemática, a ideia é que o aluno se desenvolva em todos os aspectos da vida (...) a escola hoje tem que ensinar tudo para o aluno, e nós que temos alunos carentes, a tarefa é mais intensa ainda, porque eles chegam aqui com hábitos que atrapalham (...) o objetivo da escola é bem amplo e não pode ficar só nos objetivos intelectuais... (supervisora – escola C)

Assim, ao delinear tais objetivos, caracteriza a tarefa dos profissionais que nela trabalham por ações abrangentes e, ao mesmo tempo, pouco específicas. Além disso, a entrevistada não situa os objetivos intelectuais em um nível hierárquico superior às demais metas impostas pela comunidade escolar. De modo que, cabe aos responsáveis, um desenvolvimento global do aluno.

Não obstante a falta de especificidade das funções reais da escola, percebemos que, na concepção desta supervisora, há grande distância entre o que o aluno possui e traz para o ambiente escolar e o que é oferecido, já que “a escola tem que ensinar tudo (...) porque eles

chegam com hábitos que atrapalham”. Este ponto de vista, além de demonstrar certa

supervalorização do saber escolar (FREIRE, 1982, p.69), não leva em conta que:

(...) Os conhecimentos que se transmitem e se recriam na escola ganham sentido quando são produtos de uma construção dinâmica que se opera na interação constante entre o saber escolar e os demais saberes, entre o que o aluno aprende na escola e o que ele traz para a escola, num processo contínuo e permanente de aquisição, no qual interferem fatores políticos, sociais, culturais e psicológicos. (BRASIL, 1997b, p.34)

Por outro lado, algumas supervisoras consideram outros fatores e procuram estabelecer os limites daquilo que deve ser efetivamente realizado, uma vez que:

Os objetivos são muitos... mas, muita coisa é utopia. As pessoas acham que a escola vai dar conta de um tanto de coisa que não tem como (...) Tem problema de todo lado, então eu acho que a gente precisa focar, focar no que a escola dá conta mesmo que é o estudo (...) Então, tem lá um monte de coisa, desenvolver o afetivo, moral, social, cognitivo, manual, artístico, um monte de coisa, mas dá? Primeiro os

nem aí, então, eu acho que se a gente faz o arroz com feijão bem temperado é melhor do que ficar inventando... (supervisora – escola F)

Tendo em vista tal complexidade, a supervisora da escola F pondera que alcançar tantos objetivos demandam intensos esforços. De um lado, professores com uma formação adequada para abraçar essa proposta holística, com competência para desenvolver um trabalho condizente com tais expectativas, de outro, participação ativa da família. Já que:

A discussão sobre a função da escola não pode ignorar as reais condições em que esta se encontra. A situação de precariedade vivida pelos educadores, expressa nos baixos salários, na falta de condições de trabalho, de metas a serem alcançadas, de prestígio social, na inércia de grande parte dos órgãos responsáveis por alterar esse quadro. (BRASIL, 1997b, p.35)

E, consciente dessas dificuldades, aceita que todo esse discurso de formação integral seja reduzido ao aprendizado de conteúdos, acreditando ser este o caminho mais adequado para o trabalho docente.

Com isso, mesmo que a escola mantenha o discurso de uma formação global do aluno, admite-se que, dadas as circunstâncias e, ainda que muitos objetivos não sejam devidamente alcançados, o trabalho em sala de aula deve ser centrado no ensino de conteúdos específicos que garantam um aprendizado formal, já que esta etapa:

É o início da vida escolar (...) é o início de tudo, o objetivo é preparar os alunos para prosseguir nos estudos, é isso que a família espera, quando traz o filho aqui é para ele virar alguém na vida, e a escola tem essa função. Os pais cobram isso da gente, que o aluno aprenda muito, que estude mesmo, os pais têm essa ideia de que tem a competição e os filhos precisam ter condição (...) a função da escola é essa, dar para os alunos uma educação de qualidade, os pais esperam isso, a sociedade espera isso, o governo espera (...) educação de qualidade que o aluno absorva o máximo de conhecimentos, por isso que nem todo mundo quer ser professor porque é difícil, não é tarefa fácil ensinar. (supervisora – escola I)

Dessa forma, contrapondo as visões totalizadoras manifestadas por suas colegas, a supervisora da escola I, concorda que a expectativa sobre o trabalho docente na escola acaba sendo direcionado para o aprendizado de conteúdos que instrumentalizem os alunos a prosseguirem estudando. Nesse caso, ensinar exige do professor saber, com profundidade, os conhecimentos específicos, pois de seus alunos espera-se um acúmulo de conhecimentos. Por outro lado,

No contexto da proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais se concebe a educação escolar como uma prática que tem a possibilidade de criar condições para que todos os alunos desenvolvam suas capacidades e aprendam os conteúdos necessários para construir instrumentos de compreensão da realidade e de participação em relações sociais, políticas e culturais diversificadas e cada vez mais amplas, condições estas fundamentais para o exercício da cidadania na construção de uma sociedade democrática e não excludente. (BRASIL, 1997b, p. 33).

De modo que, embora seja um grande desafio, o trabalho desenvolvido na escola não pode acomodar-se em incluir apenas conteúdos específicos e imparciais das diferentes áreas do conhecimento, pelo contrário, é imperativo que haja uma concordância entre o que deve ser ensinado e o que os alunos têm de capital cultural disponível. Ou seja, nem os temas são tão inespecíficos quanto sugeriram as supervisoras das escolas A, C e G, nem totalmente limitados pelas barreiras de cada componente curricular, como sugerem as supervisoras das escolas F e I.

Além disso, é importante:

Mostrar o mundo da escola para a criança, é um mundo novo e se a criança tiver uma proximidade com a escola, ela vai progredir, se ela não entender a escola como parte do mundo dela, ela não dura muito na escola, desiste, porque não é fácil estudar, tem muita desilusão, dá trabalho, não é como jogar futebol, brincar de boneca, tem uma coisa que é a cobrança que muitos meninos não estão acostumados, então fica aquela bronca de acordar cedo para ir para escola e chega aqui ainda tem que queimar os neurônios, e muitas das vezes isso não adianta porque não aprende, é frustrante (...) a função nessa faixa etária é fazer com que os alunos se acostumem com a escola, que valorizem a escola (...) nessa etapa, além de aprender ler, escrever, fazer continha, tem que entender o que é a escola e para que serve, porque aí vai para frente (...) a gente sabe que não é bem assim, que tem um mundo de exclusão lá fora, mas aqui a gente tem que pensar na inclusão, no progresso desse menino que está aqui... (supervisora – escola B)

Com esta ponderação, a supervisora da escola B reforça a necessidade de se aproximar a escola, seus métodos e temas, ao universo do aluno, pois compreende que o sucesso do aluno no ambiente escolar depende da percepção desenvolvida neste contato inicial. Assim, a permanência do aluno na escola configura-se como uma possibilidade de acesso a uma vida melhor, de novas oportunidades. E, extrapolando esse raciocínio, concordamos que:

A escola, na perspectiva da construção de cidadania, precisa assumir a valorização da cultura de sua própria comunidade e, ao mesmo tempo, buscar ultrapassar seus

ao saber, tanto no que diz respeito aos conhecimentos socialmente relevantes da cultura brasileira no âmbito nacional e regional como no que faz parte do patrimônio universal da humanidade.

(...) Em síntese, as escolas brasileiras, para exercerem a função social aqui proposta, precisam possibilitar o cultivo dos bens culturais e sociais (...). É nesse universo que o aluno vivencia situações diversificadas que favorecem o aprendizado, para dialogar de maneira competente com a comunidade, aprender a respeitar e a ser respeitado, a ouvir e a ser ouvido, a reivindicar direitos e a cumprir obrigações, a participar ativamente da vida científica, cultural, social e política do País e do mundo. (BRASIL, 1997b, p. 35).

Dessa forma, analisando apenas o que foi exposto espontaneamente pelas supervisoras entrevistadas, inferimos que há certa distância entre o proposto pelos documentos oficiais e o que, de fato, ocorre na escola, principalmente porque elas salientam apenas objetivos parciais, quanto ao aprendizado em ensino de ciências, dando a entender que eles pudessem dar conta da complexidade das demandas referentes à escolarização dos anos iniciais.