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2. SOCIEDADE, TELEVISÃO E TELEJORNALISMO

2.2 FORMAÇÃO DAS ESTRUTURAS DAS REDES TELEVISIVAS

Ao longo da história do jornalismo de TV brasileira a adoção tecnológica, modernização da produção nas redações, alterações das práticas profissionais, ampliação da distribuição e interferências políticas, condicionaram avanços e recuos (VIZEU et al. 2009). No dia 1o de setembro de 1969, a TV Globo, às 19h56, colocou no ar o Jornal Nacional,

primeiro programa de jornalismo de TV produzido e apresentado nas três principais cidades brasileiras (Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo), e transmitido ao vivo para o Brasil (VIZEU

et al., 2009). O Jornal Nacional –

primeiro noticiário em rede nacional da televisão brasileira, gerado no Rio de Janeiro, sede da TV Globo, para as suas emissoras em vários pontos do país, ao

vivo, através de um sistema da Embratel que associava a emissão por micro-ondas e por satélite (PATERNOSTRO, 2006, p. 36).

O primeiro Jornal da Rede Globo foi o pioneiro

nas reportagens em cores; o primeiro a mostrar imagens, via satélite, de acontecimentos internacionais no mesmo instante em que eles ocorriam. O estilo de linguagem e narrativa e a figura do repórter de vídeo tinham os telejornais americanos como modelo. Implantado os avanços tecnológicos e modificando sua linha editorial de acordo com as circunstâncias, mantém. Ainda hoje, a liderança de audiência (PATERNOSTRO, 2006, p.36).

No início dos anos 70, a estrutura tecnológica permitiu a formação e distribuição de conteúdos por uma rede de telecomunicações em todo o território nacional, a denominada fase do telejornalismo em redes apontada por Rezende (2010). As redes televisivas de amplitude nacionais possuem uma distribuição maior do que as emissoras regionais, fator condicionante do surgimento das características do modelo de jornalismo de TV, em tencionamento. Assim, “com maior capacidade de produção, melhor artesanato e mais capital, realizam uma programação de melhor qualidade e interesse do que aquela que a penúria das estações locais pode lograr” (PRIOLLI, 2003, p.16).

Antes da transmissão via satélite, micro-ondas e do videoteipe, com exceção dos filmes, cujas cópias eram distribuídas para várias cidades, não era possível distribuir nacionalmente uma mesma programação, por meio de uma rede televisiva. A TV brasileira era essencialmente baseada na transmissão ao vivo (em estúdio), com uma possibilidade e limite tecnológico, distintos dos processos de transmissão ao vivo atuais (nas ruas). Com o advento do videoteipe (VT) (1956-EUA)/(1960-BRA), abrem-se outras condições tecnológicas para a produção noticiosa do jornalismo de TV – contudo, o custo do videoteipe era elevado, fator que limitava ampla utilização cotidiana. O primeiro uso foi na inauguração de Brasília, localizada longe do eixo Rio-São Paulo, em que a distância territorial não permitia um televisionamento direto/ao vivo, na época (PRIOLLI, 2003). O processo constituía, até então, em gravar as imagens em videoteipe e enviá-las por avião e distribuir o conteúdo posteriormente, esta era a única forma disponível de fazer com que a população das duas principais cidades participasse das cerimônias históricas (PRIOLLI, 2003). O uso de meios de transportes como aviões, ônibus e carros para transportar conteúdos era um canal de integração mecânico lento e custoso, mas presente no fazer do telejornalismo.

Antes da edição eletrônica de imagens ou do VT com uma tecnologia que pavimentasse a configuração em linguagem expressiva, os instrumentos técnicos da época

possibilitavam apenas, com já foi dito, uma reprodução dos programas de forma ao vivo, em estúdios. Com a adoção do VT abriu-se um novo mercado produtivo e começou o declínio da produção regional. “As ‘ilhas’ regionais vão construindo pontes’ para São Paulo e Rio, rompendo com o ‘isolamento’ e, ao mesmo tempo, anulando-se como centros produtores de TV” (PRIOLLI, 2003, p.19).

O processo de nacionalização da distribuição da programação e a estruturação das redes televisivas ganharam impulso pela relação tecnológica, política e legislativa a partir de 1969, quando o governo militar, com a criação do Ministério das Comunicações, em 1967, estabeleceu o projeto político de integração nacional. O sistema brasileiro de radiodifusão teve o fator político, na figura do governo federal, como o principal criador, bem como o seu principal controlador, por meio do processo de concessão de licenças, em que se passou a levar em conta não apenas as necessidades nacionais, mas também os objetivos de nacionalizar o sistema de radiodifusão (MATTOS, 2010). Deste modo, o Ministério das Comunicações e a Embratel inauguram “a Rede Básica de Micro-ondas, interligando as diversas regiões do país por sistemas confiáveis de telefonia e transmissão de TV, rádio e dados” (PRIOLLI, 2003, p.19). Com

o caminho facilitado pela decisão do governo de montar uma infraestrutura básica no setor de comunicações, que termina a médio prazo por universalizar a recepção de TV, encarada como instrumento estratégico desde o primeiro momento do novo regime (SIMÕES, 2003, p. 69).

O desenvolvimento do sistema brasileiro de televisão e as alterações nos modos de distribuição do conteúdo televisivo, que vão do transmissor para videoteipe, e deste para a rede de micro-ondas e o satélite – favoreceram a centralização da produção no eixo Rio-São Paulo. Com o centro da produção televisiva no sudeste, o modelo de rede nacional com base nas afiliadas, restringiu o número de programas e emissoras produtoras: Tupi, Globo, Bandeirantes, Record, e ampliou o número de afiliadas e redirecionadoras de sinais. “Para ‘afiliar-se’ a uma rede, as estações regionais firmaram o compromisso de só exibir programas adquiridos da geradora da programação, a chamada ‘cabeça de rede’” (PRIOLLI, 2003, p.19).

Neste cenário, a Globo tinha como objetivo a liderança da audiência em todos os gêneros. Embora a emissora contasse com o apoio governamental, não bastava para explicar a aceitação do público em todos os horários do elemento, característico da TV broadcast, a grade de programação. A questão residiu, como reside hoje, na busca por um modelo produtivo e sustentável convergente, em configurar uma “cadeia de produção em que custos,

qualidade artística e expectativas do público eram mutuamente determinantes” (MOREIRA, 2003, p. 57).

Os esforços empresariais e adoções tecnológicas, para a expansão do sistema de distribuição da televisão comercial, marcam o período definido por Mattos (2010) de fase do desenvolvimento tecnológico, em que se destaca também o rígido controle, sobretudo a informação produzida e distribuída do jornalismo de TV pelo governo militar, a padronização da programação e consolidação do conceito de rede televisiva. A TV era o meio de comunicação mais suscetível às pressões, até porque é uma concessão pública, teoricamente fiscalizada pela sociedade, e realmente era pelo governo e, portanto, mais suscetível ao controle político (SIMÕES, 2003). Desta forma, o desenvolvimento tecnológico da televisão brasileira teve um custo na autonomia jornalística televisiva, durante o governo de Médici (1969-1974) foi exercido um controle rígido nos telejornais, por meio de punições corretivas, “no sentido de aliviar o quadro da situação vivida no país” (MATTOS, 2010, p.110).

Durante anos Boni e Walter Clack procuraram condições empresariais para desenvolver seu trabalho. Na TV Globo, Roberto Marinho assegurou autonomia aos dois ‘profissionais’, fazendo questão apenas de manter o controle da linha editorial do Jornal Nacional (MOREIRA, 2003, p. 56).

Nas décadas de 70 e 80, a TV se tornou o meio de expressão do regime militar.

Com o endurecimento do regime militar a partir do final de 1968, a participação do jornalismo, que já era secundária na programação, ficou ainda mais reduzida. Os telejornais, geralmente feitos por equipes pequenas e usando imagens extraídas de filmes comprados ou cedidos por agências, se mantinham no ar apenas para cumprir a legislação. Exceção foi o jornal de Vanguarda – interpretava as notícias e mantinha uma equipe numerosa, com profissionais de prestígio indiscutível, saiu do ar por iniciativa própria depois do Ato Institucional no 5 (AI-5) (SIMÕES, 2003, p.71).

Os militares, por meio de uma política de crédito, facilitaram a aquisição de televisores em 12, 24 ou 36 meses, contribuindo diretamente para a expansão do consumo de conteúdo televisivo. Também influenciaram diretamente no desenvolvimento e na modernização da infraestrutura de telecomunicações, para a proliferação da propaganda governamental, criando estruturas de telecomunicações, tais como: as redes de micro-ondas, o cabo coaxial, os satélites e a televisão a cor (MATTOS, 2010). Com a ampliação do quantitativo de aparelhos televisivos nas residências brasileiras e a estrutura de distribuição aperfeiçoada amplia-se o público dos conteúdos televisivos, em que se incluem os telejornais.

a Embratel interliga o Brasil através de linhas básicas de micro-ondas – rotas – e adere ao consórcio internacional para utilização de satélites de telecomunicações – o Intelsat. Estava criada, então, a estrutura para as redes nacionais de televisão (PATERNOSTRO, 2006, p.31).

Com as ligações por micro-ondas e por satélites pavimentando a distribuição em praticamente todo o território brasileiro, estavam estruturadas as condições tecnológicas para a implantação das redes televisivas nacionais, com telejornais de um mesmo grupo de comunicação (cabeça de rede e filial) e outros grupos de comunicação associados (afiliadas). O Jornal Nacional, da TV Globo, produzido no Rio e distribuído ao vivo, via Embratel, para os grupos de comunicação que formavam a rede, atingia um público de cerca de 60 milhões de brasileiros (PATERNOSTRO, 2006).

As inovações e invenções tecnológicas que possibilitaram a adoção dos satélites de telecomunicações favoreceram a consolidação das redes televisivas, “na década de 1960, o Telestar I e o Intelsat viabilizaram transmissões internacionais” (BACELLAR, 2005, p.114). Para os brasileiros, a primeira transmissão via satélite, ao vivo, foi em 3 de março de 1969, direto do Cabo Kennedy, nos Estados Unidos, o lançamento da Apolo IX (PATERNOSTRO, 2006). Uma das vantagens da distribuição de conteúdo via satélite “é que quase nada constitui barreira para as transmissões, como prédios altos, viadutos. Do local em que são captadas, as imagens sobem até o satélite, descem até a emissora afiliada, são enviadas para a torre de transmissão e chegam à casa do telespectador” (BACELLAR, 2005, p.115). Contudo, as longas distâncias provocam delay, ou atraso de tempo, comumente percebido nas coberturas internacionais. Outra desvantagem é o custo da utilização dos satélites em relação às transmissões por ondas eletromagnéticas, as micro-ondas.

Neste período ocorreram alterações na imagem das reportagens telejornalísticas. A primeira produção e distribuição de notícias ao vivo e em cores, de caráter experimental, em coexistência da TV de imagem colorida e da preta e branca foi a copa de 1970. Entretanto, a transmissão considerada oficial “ocorreu em 1972, na festa da Uva, em Caxias do Sul, realizada pela TV Difusora de Porto Alegre” (BISTANE; BACELLAR, 2005, p.110). Este processo demonstra como as mudanças tecnológicas na TV e no noticiário são gradativas, visto que a adoção de novos instrumentos técnicos implica na troca de equipamentos e configurações de novos processos produtivos. Na implantação da TV colorida no Brasil, ocorria uma produção e distribuição de conteúdos coloridos e em preto e branco, mesclados, especialmente nos noticiários (BISTANE; BACELLAR, 2005). Muito semelhante ao atual

processo de distribuição de imagem mesclada em formato 16:9 e 4:3, da implantação da TV digital.

Ao final dos anos 80, com uma programação direcionada ao público, o SBT se torna a rede vice-líder de audiência da TV brasileira. Em meio a uma lógica de programação popular, sustentada nos índices de audiência, a emissora propõe um noticiário de credibilidade para captar formadores de opinião e mudar a imagem da emissora, o Telejornal Brasil - TJ Brasil (PATERNOSTRO, 2006). Como diferencial, o noticiário introduz no jornalismo de TV brasileira, a figura do âncora, seguindo os modelos dos noticiários norte-americanos, assim “o jornalista Bóris Casoy comentava e opinava sobre algumas reportagens que eram veiculadas. O TJ Brasil consegue imprimir sua marca e leva as emissoras a reformular o formato de seus telejornais” (PATERNOSTRO, 2006, p.34). Ao final desta fase, constata-se a existência de quatro redes comerciais operando em escala nacional (Bandeirantes, Globo, Manchete e SBT), duas regionais (Record, em São Paulo, e Brasil Sul, no Rio Grande do Sul) (MATTOS, 2010). Esta ampliação das redes televisivas está diretamente ligada a expansão do jornalismo de TV também. Para Rezende (2010), este é o período de encontro da fase de alternativa ao horário fixo das oito horas com a ancoragem à brasileira no telejornalismo. Mattos (2010) aponta que, para a TV brasileira, é a fase da transição e da expansão internacional.

Mesmo após o regime militar, as quatro maiores redes de comunicação televisiva do Brasil, que concentram quase 70% das emissoras (cabeça de rede e filiais), afiliadas e retransmissoras no Brasil – Globo, Record, SBT e Band – mantiveram os laços de interdependência com o sistema político. “Os governos civis e militares, que dominaram a política brasileira durante as últimas quatro décadas, tiveram, nas emissoras de TV, fortes aliadas para a divulgação dos assuntos de seus interesses e influências políticas” (PORCELLO, 2008, p.49). Pois, em geral, a origem das emissoras de TV no Brasil, está relacionada aos governos civis e militares. Na ditadura surgiram a Globo, o SBT e a Manchete, que foram criadas desenvolvendo-se e se sustentando economicamente, até hoje - com exceção da Manchete que posteriormente faliu - por meio de verbas publicitárias e concessões oficiais, em uma interdependência, em que o governo, por sua vez, necessita do sistema de comunicação televisivo como espaço político de distribuição dos ideais governamentais (PORCELLO, 2008). Assim, uma emancipação do jornalismo de TV, no que se refere aos conteúdos produzidos e distribuídos, parece criar constrangimentos na interdependência entre empresariais e governamentais, pois os meios são em certos momentos elementos de trocas entre empresas, elite e governo. Não é necessariamente uma imposição política apenas que orienta a televisão, que reflete nas rotinas produtivas dos noticiários, mas

uma interdependência que caracteriza o próprio sistema brasileiro de televisão em expansão. De 1994 até 2004, impulsionada pelo Plano Real, os brasileiros compraram mais de 40 milhões de aparelhos de televisão (PORCELLO, 2008). Esta nova política de financiamento do governo civil, semelhante ao ocorrido no governo militar, amplia os televisores domésticos e impacta no quantitativo do público, refletindo diretamente nas receitas dos grupos de comunicação televisiva, provenientes da publicidade.