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3 CONTRIBUIÇÕES DAS PESQUISAS SOBRE FORMAÇÃO

3.2 A formação de professores no Brasil

A formação de professores no Brasil passou por diferentes momentos históricos em que teorias distintas constituíram a base das políticas, revelando concepções variadas sobre a formação, de como deveria ocorrer, qual o papel do/a formador/a e qual o papel do sujeito em formação.

Na década de 1970, sob forte influência da Psicologia Comportamental, tivemos um período em que a formação visava ao treino dos professores para a melhor organização do processo de aprendizagem, em um discurso ligado à instrumentalização técnica (DINIZ-PEREIRA, 2000). Já na década de 80, “a tecnologia educacional passou a ser fortemente questionada pela crítica de cunho marxista” (DINIZ-PEREIRA, 2000, p. 17), inserindo no debate a questão do caráter político de toda e qualquer prática pedagógica, assim como a mobilização pelo compromisso dos professores com as camadas populares da sociedade. Segundo Diniz-Pereira (2000, p. 18), o final da década de 1970 foi marcado pela “vinculação dos problemas da formação do professor às dificuldades gerais enfrentadas pela educação brasileira”. É interessante perceber como um discurso que academicamente foi forte, no final da década de 1970, encontra-se hoje absolutamente legitimado e reforçado pelo senso comum. Embora, na década de 1980, Arroyo (1985) tenha introduzido nessa discussão a questão sobre a “deformação do profissional de ensino” pelas más condições de trabalho, não se escuta atualmente, na grande mídia ou em conversas informais com pessoas de outras áreas, essa conjugação de fatores na problemática da educação brasileira. Tem-se a impressão de que todos os problemas educacionais se devem a professores malformados e desinteressados. Naquela época, Arroyo, citado por Diniz-Pereira (2000, p. 22), já afirmava que as políticas partem do pressuposto de que, “no dia em que tivermos educadores mais qualificados, teremos resolvido os problemas da educação” sem se discutirem as más condições de trabalho como deformadoras das profissionais e nem buscarem estratégias efetivas para alterar essa situação.

A década de 1990 foi marcada pela “crise de paradigmas” nas ciências humanas e observou-se na educação um deslocamento dos estudos para o sujeito educador, dada a descrença em mudanças estruturais com o fim da Guerra Fria. Deixa-se de acreditar em um macro-sistema sócio-econômico-politico alternativo ao capitalismo e privilegiam-se mudanças e alterações individuais ou, no máximo, institucionais. Com isto, os estudos se concentram nos indivíduos e na subjetividade, adquirindo centralidade o conceito de reflexão e de formação do profissional reflexivo:

Nesse cenário, privilegia-se hoje, a formação do professor-pesquisador, ou seja, ressalta-se a importância da formação do profissional reflexivo, aquele que pensa-na-ação, cuja atividade profissional se alia à atividade de pesquisa (DINIZ-PEREIRA, 2000, p. 41).

Um dos conceitos compartilhados por boa parte dos/as pesquisadores/as nessa época foi o de professor reflexivo ou da reflexão como estratégia central da formação. Schön (2000, p. 15), por exemplo, ao criticar um modelo de formação baseado na

racionalidade técnica, segundo a qual “profissionais rigorosos solucionam problemas

instrumentais claros, através da aplicação da teoria e da técnica derivadas de conhecimento sistemático, de preferência científico”, propõe que a formação estimule a reflexão dos/das profissionais e define diferentes aspectos do processo de reflexão. O autor sugere a valorização da prática profissional, evidenciando a existência de um

conhecimento na ação que orienta a forma como vários/as profissionais resolvem suas

incertezas cotidianas. Tal conhecimento teria caráter tácito e implícito nas ações. Nas palavras de Paiva (2003, p. 51), conhecimentos na ação “são compreensões das coisas que interiorizamos e que muitas vezes nem sequer estamos conscientes de havê-las aprendido”. Tomar consciência desse conhecimento e valorizá-lo seria um dos passos na formação do profissional reflexivo. Entretanto, Schön (2000) argumenta que situações imprevistas e novidades surgidas no contexto fazem com que esse conhecimento na ação não seja suficiente. O/a profissional cria, então, novas soluções e caminhos; é a

reflexão na ação.

O/a profissional constrói um repertório de soluções práticas funcionais que constituem seu conhecimento, seu talento. Posteriormente à prática, é possível estimular um processo de reflexão sobre as decisões tomadas e caminhos escolhidos. É o que Schön (2000) chama de reflexão sobre a ação. A reflexão sobre a ação é definida por Mizukami et al. (2002, p. 17) como o “momento que o professor vai articular a situação problemática, determinar as metas e escolher os meios, com suas teorias e convicções pessoais, dentro de um contexto”. Há, ainda, um quarto momento possível, chamado de

Sobre a reflexão na ação em que o/a profissional pode retomar o modo como refletiu

sobre a prática e considerar quais as melhores estratégias para o próprio processo de reflexão (SCHON, 2000).

A proposta do profissional reflexivo de Schön (2000) representou um avanço nas pesquisas e discussões sobre formação profissional, em geral, e de professores, em particular, pois fortaleceu o protagonismo dos sujeitos em relação a sua prática. Nas palavras de Zeichner (2008),

O movimento internacional que se desenvolveu no ensino e na formação docente, sob o slogan da reflexão, pode ser interpretado como uma reação contra a visão dos professores como técnicos que meramente fazem o que outras pessoas, fora da sala de aula, querem que eles façam, e contra modelos

de reforma educacional do tipo ‘de cima para baixo’, que envolvem os

professores apenas como participantes passivos. (ZEICHNER, 2008, p. 539).

Vários questionamentos, entretanto, são feitos à proposta do profissional reflexivo. Um deles, refere-se à utilização da reflexão do professor apenas como modo de melhorar o ensino, sem se questionar de maneira mais ampla os fins da educação. Sobre isto, Zeichner (2008) afirma que:

[...] a limitação do processo reflexivo em considerar as estratégias e habilidades de ensino (os meios para se ensinar) e a exclusão, da alçada dos professores, da reflexão sobre os fins da educação, bem como sobre os aspectos moral e ético do ensino. Aos professores, permite-se apenas que ajustem os meios para se atingir objetivos definidos por outras pessoas. O ensino torna-se meramente uma atividade técnica. (ZEICHNER, 2008, p. 542).

A preocupação com a “tecnicização” do ensino e da emergência de certo “praticismo”, ao se supervalorizar a prática como se ela fosse suficiente na construção do saber docente, é compartilhada por outros autores, como Pimenta (2005). A autora elenca alguns limites do conceito de reflexão na formação docente a partir de perguntas como: “as reflexões incorporam um processo de consciência das implicações sociais, econômicas e políticas da atividade de ensinar? Que condições têm os professores para refletir?” (PIMENTA, 2005, p. 22). Santos (2007) reforça tais questionamentos, apontando que:

Se, por um lado, essa abordagem [defendida por Schön] questiona a organização dos currículos predominante nos cursos de formação docente por outro, ela não articula a atividade profissional com um projeto social de mudança, como o fazem vários estudos do campo da educação. (SANTOS, 2007, p. 239).

A apropriação do conceito de reflexão de Schön (2000) conduziu a uma leitura de que um/a profissional reflexivo conseguiria, sozinho/a, promover mudanças em seu contexto. O que se observa, no entanto, é que o impacto de transformação de um profissional individual limita-se a sua área de influência direta. No caso de professores, a sala de aula. A escola, enquanto instituição formada por diversos profissionais, diretrizes, ideologias, não se transformará apenas pela reflexão de uns ou de outros. A potência do conceito de reflexão encontra-se na coletivização de questões cotidianas da

instituição e da prática, tomando posições políticas rumo a caminhos definidos também coletivamente (PIMENTA, 2005).