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3 CONTRIBUIÇÕES DAS PESQUISAS SOBRE FORMAÇÃO

3.3 Limites dos processos de formação continuada

Aprender com as experiências vividas e sistematizadas evita que repitamos os mesmos erros. Algumas pesquisas que se debruçaram na análise de propostas de formação continuada são extremamente úteis para elencar aspectos malsucedidos ou pontos de atenção para aqueles que implementam projetos. No nosso caso, conhecer os limites apontados nas pesquisas é mais uma lente para a análise de nossos dados.

Torres (1998) alerta para os impactos que as diretrizes do Banco Mundial geraram nos processos de formação docente:

Frente a essa formação fixada em uma visão teoricista e academicista das exigências de aprendizagem dos professores, sem conexões com seu ofício e suas necessidades reais, emergem agora tendências que passam para o outro lado, com enfoques estreitos, eminentemente orientados para a prática e as necessidades imediatas. Se antes foi um erro concentrar-se nos conteúdos, agora muitos buscam abreviá-los e insistir apenas no lado pedagógico, com uma visão por vezes limitada a métodos e técnicas. (TORRES, 1998, p. 180).

Torres (1998) questiona o extremismo e a polarização entre teoria e prática criando propostas que, ou são extremamente acadêmicas, pensadas em um plano “ideal” e desconectas da realidade ou são extremamente reducionistas, focadas exclusivamente na prática cotidiana desconsiderando os contextos sociopolíticos que alicerçam qualquer prática.

De fato, observamos essa polarização entre teoria e prática, entre conhecimentos acadêmicos e conhecimentos pedagógicos nos processos de formação. Especialmente na sexualidade, é comum encontrarmos propostas baseadas apenas no ensino de oficinas temáticas nas quais as/os educadoras/es devem replicar o que está prescrito nos manuais, sem uma problematização dos conceitos subjacentes àquelas oficinas. É importante caminhar rumo à superação das dicotomias, entendendo que o processo de formação deve articular teoria e prática.

Outro ponto de crítica trazido por Torres (1998) refere-se à ausência dos professores na definição e na concepção das propostas de formação. As decisões são tomadas

prioritariamente por técnicos/as, sem escutar as demandas e necessidades que os próprios professores consideram urgentes:

O resultado deste esquema de capacitação isolada, definida e preparada de cima pra baixo, sem consulta aos professores e sem conexões com outras áreas do mister educativo, é conhecido e nefasto: o plano de capacitação é introduzido, mas os professores não podem aproveitá-lo (falta de tempo, vários empregos, condições familiares difíceis, etc.) ou não conseguem relacioná-lo com o que percebem como suas necessidades (uma capacitação desligada do currículo escolar, demasiado teórica, inaplicável a seu contexto específico, etc.). Das as atuais condições em que se realiza o ensino, este converteu-se em ofício provisório, e a capacitação funciona precisamente como trampolim para sair da docência. (TORRES, 1998, p. 179).

Como já mencionado, Carvalho e Simões (2006, p. 172), ao analisarem vários artigos de periódicos sobre formação de professores, perceberam que há nesses artigos uma predominância de discursos que “desqualificam estratégias de formação continuada propostas de forma vertical, como cursos, seminários, vivências, etc.” Elas também encontraram muitas críticas aos processos de formação continuada baseados em “pacotes de treinamento”, com posterior repasse ou multiplicação. As autoras observaram ainda que a maior parte das propostas nos artigos analisados é permeada pelo enfoque emancipatório-político ou crítico-dialético, em que se ressalta a necessidade de reflexão sobre os contextos sócio-político-economico-culturais mais amplos.

Gatti e Barreto (2009) afirmam que muitas iniciativas de formação continuada de educadoras não produziram os efeitos desejados e apontam alguns fatores para isto, como, por exemplo:

A dificuldade da formação em massa, a brevidade dos cursos, realizados nos limites dos recursos financeiros destinados, e a dificuldade de fornecer, pelos motivos citados, ou ainda pelo nível de preparação das instituições formadoras, os instrumentos e o apoio necessários para a realização das mudanças esperadas. (GATTI e BARRETO, 2009, p. 201).

Também são apontados como limites dos processos de formação continuada “o oferecimento de forma pontual das atividades, o caráter obrigatório da atividade, a não- observação dos conhecimentos acumulados pelos professores, a desvinculação com a realidade escolar e a ausência de participação dos professores na elaboração das propostas” (MEGID NETO, JACOBUCCI e JACOBUCCI, 2007, p. 75).

Os estudos sobre o ciclo de vida profissional do professor (HUBERMAN, 2000) mostram que as necessidades formativas dos professores são diferentes em cada momento. Assim, os desafios são diferentes na entrada na carreira e no momento anterior à aposentadoria, por exemplo. Entretanto, muitos processos de formação continuada são massificados e desconsideram as diferenças de demanda existentes em um mesmo grupo de professores.

Segundo Megid Neto, Jacobucci e Jacobucci (2007), os processos de formação continuada são

ainda considerados uma experiência cumulativa, em que seminários, palestras e cursos são oferecidos de forma homogênea a uma grande massa de professores, sem respeitar seus diferentes momentos de desenvolvimento profissional e necessidades específicas. Os programas são pensados como blocos homogêneos e dentro de um único modelo de formação continuada, sem condições mais ampliadas de proposição de programas diversificados e alternativos. (MEGID NETO, JACOBUCCI e JACOBUCCI, 2007, p. 75).

Um desafio às políticas de formação é escutar as professoras e de fato promover estratégias de formação que atendam as demandas reais geradas na prática cotidiana, mas contemplando também uma ampliação da visão crítica sobre a realidade sócio- econômico-política que impacta o fazer da sala de aula. O desafio é encontrar maneiras de participação autoral das educadoras nas ações de formação, problematizando e refletindo sobre a prática e, também, questionando os fins últimos dos processos educativos e o projeto de sociedade que alimentam.

Abromovay, Castro e Silva (2004), referindo-se especificamente aos processos de formação de educadoras para sexualidade, afirmam que os cursos:

São promovidos em horários contrários às aulas, e representam ações breves e pontuais, sendo que muitos dos professores trabalham em dois turnos nas escolas. Essas capacitações têm sido apontadas como de qualidade insuficiente e as temáticas mais polemicas têm sido abordadas de maneira não aprofundada, faltando especialistas para possibilitar uma reflexão mais apurada. (ABROMOVAY, CASTRO e SILVA, 2004, p. 44).

Podemos perceber que na discussão sobre a formação continuada de professores em geral apontam-se limites que se encontram também nos processos de formação em sexualidade como, por exemplo, a ênfase sobre cursos breves e dificuldades em relação ao nível de preparo das instituições formadoras. Além disso, a pesquisa dessas autoras revela que temas polêmicos têm sido abordados de maneira superficial. Sendo assim,

será que os processos de formação realmente contribuem para uma nova sociedade ou apenas para a manutenção do status quo? Será que temas como diversidade sexual, aborto e Direitos Sexuais e Reprodutivos são abordados com a amplitude que os temas exigem?