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Formas de autoridade familiar

No documento 2017JaneKelly (páginas 60-62)

Lahire (1997) é categórico ao afirmar que a apreensão das formas de exercer a autoridade familiar é importante; vê a escola primária enquanto um lugar regido por regras de disciplina e aponta que muitos alunos são estigmatizados como indisciplinados, desatentos e bagunceiros. Em contrapartida, aqueles que respeitam essas regras são classificados como autônomos, seguindo sozinhos pelo caminho certo, opondo-se aos que precisam ser lembrados incessantemente sobre as regras de boa conduta, sobre as normas da escola etc.

É nesse contexto que surgem as intervenções familiares de autoridade. Mesmo que, muitas vezes, não sejam intencionais, objetivam que, em âmbito familiar ou escolar, seus filhos possuam limites, respeitem as regras e, assim, busquem compreender a importância da valorização do espaço escolar.

Os entrevistados bolsistas dos cursos de Arquitetura, Direito, Pedagogia, Administração e Medicina exemplificam essas premissas; seus pais “inculcavam-lhes” preceitos a fim de que o respeito e a aceitação às regras escolares resultassem em aspectos significantes para o seu “sucesso”:

A eles sempre tipo me chamavam atenção pro melhor, sabe tipo ‘tu tem que

estudar tu tem né’, quando fazia alguma coisa errada eles sempre chamavam

atenção, ou se eu ficava vendo TV de mais, a ‘tu tem que estudar, tu tem teu tema pra fazer’, nesse ponto eles sempre foram bem... é eu acho que como eles não tiveram estudo sabe eu acho que eles me puxavam pra que eu pudesse ter o que eles não tiveram né, acesso à educação (Bolsista do curso de Arquitetura e Urbanismo, grifo da autora).

[...] pela forma de criação deles assim eles são digamos assim bem autoritários né, hãm, eu sempre tive uma criação muito voltada pro que você deve fazer

primeiro o que precisa fazer para depois você fazer o que você quer fazer, né

então, deles né, então eu acabava cumprindo assim o que eles me determinavam apesar de no caso de estudar, por exemplo, eu gostar de fazer né (Bolsista do curso de Direito, grifo da autora).

[...] sempre, apanhei bastante (risos), por às vezes né, birra, tinha hora do tema,

fazer (Bolsista do curso de Pedagogia, grifo da autora).

[...] sempre quando vinha o boletim, que dizia que tava regredindo tava hãm, porque as vezes a gente fazia as amizades e sabe né, na sala de aula, uma conversa vem uma conversa vai os professores ficam cuidando e anotam né, mais

ou menos o comportamento da gente e eu era muito quieta né, dentro da sala, daí teve uma época que eu falava muito e daí a professora escreveu no boletim que era pra mim falar menos e prestar mais atenção na aula daí eu me lembro dessa

vez ai que o pai disse pra mim que eu tava tipo tava regredindo né, não tava mais indo pra frente tava indo pra trás daí eu me lembro dessa vez (Bolsista do

curso de Administração, grifo da autora).

[...] toda família até tava passando por momento difícil que era a perda do meu pai e tal então era uma coisa meio complicada, mas só assim a minha mãe sempre foi muito tranquila, muito, muito, ela claro chamava atenção quando era

necessário a gente ficava de castigo as vezes assim castigo no sentido mais na

verdade o castigo dela era deixar a gente com a consciência pesada pelo que a gente tinha feito [...] (Bolsista do curso de Medicina, grifo da autora).

Os relatos demonstram o controle para a interiorização das normas aplicados pelos familiares, os quais estão destinados à compreensão dos valores e preceitos que a família possui sobre aspectos sociais e escolares. Em um de seus relatos de perfis, Lahire (1997, p. 170) aponta que “o pai parece exercer uma autoridade baseada na não violência física, mas na interiorização da legitimidade de suas palavras pelos filhos.”

Outras famílias operam de maneira distinta, exercendo sua ação educativa de outras formas; e há ainda aquelas que, vendo que seus filhos estão “no caminho certo” e que aceitam tranquilamente as regras escolares, inculcam-lhes noções de confiança, autonomia: confiam neles, em sua palavra e em sua disposição a realizar as atividades escolares; contudo para Lahire, “quando não o faz, demonstra confiança nos filhos, isso não significa falta de autoridade, [...] as crianças interiorizaram o respeito ao adulto.” (LAHIRE, 1997, p. 170). Isso pode ser observado nos trechos abaixo:

Mas eu não lembro de ser cobrada assim com autoridade. (Pagante do curso de Pedagogia).

Nunca, a minha mãe ela é professora de séries iniciais, mas ela nunca ficou em cima de mim assim, ai faz o tema, ou eu já ouvi relatos de pais que ficavam com cinta em cima da criança né, pra fazer o tema, minha mãe nunca, ela pedia, filha você tem o tema e ai eu fazia o tema e tudo mais mas nunca foi de brigar por causa disso assim, ela dava muita autonomia pra gente saber o que a gente

tinha e não tinha que fazer né, então sempre diziam que a gente era inteligente

por causa da minha mãe, mas a minha mãe não ficava cobrando que a gente fazia as coisas, a gente fazia porque sabia que era nossa obrigação né que tinha que fazer mas não porque meus pais ficam em cima, era bem tranquilo. (Pagante do curso de Direito, grifo da autora).

Não, não, nunca tive problema com tema, nunca tive de a minha mãe ser chamada na escola, até uma vez ela foi na escola numa reunião porque ela disse nunca me chamam na escola eu vou ter que ir nessa reunião, ainda os professores, ela chegou lá e os professores, o que você ta fazendo aqui, a gente não te chamou, daí ela não mas eu quis vim pra saber porque que nunca me chamam, daí disseram pra ela porque ela não incomoda ela não conversa ela não faz bagunça eu sempre tive notas boas, não... (Bolsista do curso de Bolsista Ed. Física).

[...] sempre foi de conversa lá em casa, tanto que eu tipo eu falo até pra todo mundo assim que eu nunca, nunca levantaram a mão assim pra mim, mas talvez ali na quinta série que eu tava um pouquinho mais preguiçosa eles eram um pouquinho mais de fazer as vezes comigo né tipo de ficar ali e não me deixar sair até eu terminar, mas depois era tranquilo assim até porque eu gostava de fazer rápido e tchau né, não era assim aquela menininha toda neurótica e tal eu gostava de mais brincar e tal, daí acho que esse foi o período que eles mais ficaram comigo. (Pagante do curso de Medicina, grifo da autora).

Os trechos retratam situações em que as formas de autoridade familiar não foram tão marcantes para a trajetória dos alunos; outros aspectos talvez tenham maior destaque na intervenção destas famílias, como, por exemplo, as formas de investimento pedagógico e as formas familiares de cultura escrita, permitindo que seus filhos tenham mais autonomia e liberdade para reger suas atividades escolares devido a sua aceitabilidade e disposição a seguir as regras familiares e escolares.

Os trechos elencados demonstram que as formas de autoridade familiar estão mais marcantes e presentes nos entrevistados bolsistas, com algumas exceções. Lahire (1997) salienta que as diferentes formas de exercício da autoridade familiar dão importância a autocontrole e interiorização de normas de comportamento; são mais presentes nos relatos de famílias populares que agiam com autoridade, buscando que seus filhos cumprissem as regras impostas. Trata-se, assim, de um atenuante para o seu “sucesso”, indo ao encontro dos pressupostos do autor os trechos aqui destacados dos alunos bolsistas.

No documento 2017JaneKelly (páginas 60-62)