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Mobilização

No documento 2017JaneKelly (páginas 65-68)

De acordo com os pressupostos e ideais de Bernard Charlot, “mobilizar-se é pôr-se em movimento”, em uma dinâmica interna do movimento. “É reunir suas forças para fazer uso de si próprio como recurso”. (CHARLOT, 2000, p. 55). O autor é categórico ao afirmar que uma criança, mobiliza-se em uma atividade quando investe nela, quando aposta em algo que tem um sentido, um valor que advém de um desejo.

Desta forma, consideramos que os alunos entrevistados possuem características relativas ao conceito de mobilização; seus discursos demonstram que é significante em sua

trajetória o acesso à Educação Superior e mobilizam-se a fim de finalizar o curso com “sucesso”, estabelecendo relações profundas com o saber e, assim, concretizar seus sonhos e os de seus familiares.

Essa mobilização impulsiona os alunos bolsistas do ProUni, os quais relataram, ao serem indagados sobre o que os mobilizava, se eram questões financeiras, pessoais, a família, o desejo de aprender ou os desejos pessoais:

[...] De infância por que eu via meus colegas que iam bem se puxando e aquela competição quem é melhor quem vai melhor nas provas e eu achava feio quem reprovava [...] eu sempre fui bem no meu ensino fundamental e ensino médio, então sabe eu tenho pavor de reprovar essas coisas, é uma cobrança minha, tipo pessoal minha. [...] Eu acho que todas, todas acabam mobilizando assim, por que uma coisa puxa a outra, é o financeiro é a tua vontade de fazer o que tu gosta,

tua família né acho que um pouco de tudo assim (Bolsista do curso de

Arquitetura e Urbanismo, grifo da autora).

A família e depois tipo ser alguém na vida você ter um trabalho você ter sua

remuneração você caminhar com as tuas próprias pernas, poder retribuir pros

pais tudo que eles fizeram (Bolsista do curso de Pedagogia, grifo da autora).

É que nem eu falei né acho que o desejo assim de uma realização né, pessoal assim tua né, você ter uma graduação, você ter um foco no estudo né, tentar ser alguém melhor né, não tentar ficar só atrás assim, querer buscar novas

oportunidades né, ter um salário melhor né, eu quero quando... até não sei

agora vou ver se o ano que vem eu faço, se eu termino o curso ou já faço o ano que vem hãm, quero fazer um curso de inglês também, pra aperfeiçoar melhor né, hãm, ter mais é portas abertas assim nesse sentido (Bolsista do curso de Administração, grifo da autora).

Com certeza, principalmente o desejo de saber porque eu sempre fui muito curiosa e sempre gostei muito de aprender e também como eu já disse né os profissionais assim entusiasmados com o que eles fazem e o desejo de estar de saber pra quando eu for fazer né praticar minha profissão eu poder ajudar as pessoas da melhor forma possível porque tipo lembrando sempre uma pessoa ta dentro de uma família dentro de um contexto grande e que se acontecer alguma coisa de errado né tipo querendo ou não tu é responsável e tipo o que tu for fazer tu tem que saber fazer bem então tu tem que aprender pra depois poder ajudar as pessoas porque senão não vai dar. [...] mudar minha vida e eu sei que no futuro

eu vou poder proporcionar uma qualidade de vida boa pra minha mãe que tipo é

uma coisa que eu quero muito, pros meu avós até que eles sejam vivos também e vou poder ter uma família, dar uma boa educação pros meus filhos e etc. né (Bolsista do curso de Medicina, grifo da autora).

Sim, muito, hãm, a gente tem professores que eles são militantes na área, né, tem um professor que é procurador da república agora, faz com que talvez na tua palavra me faça que eu me sinta muito mobilizado a estudar porque aquilo faz,

“bah” eu preciso sair da minha zona de conforto porque eu preciso ta onde é que

esses caras tão, claro quando a gente pensa nesses caras a gente pensa no salário

deles, só que não é isso, acredito que mesmo que se fosse uma remuneração mínima eu ainda gostaria de fazer porque o papel é bacana então eu meio que penso pra chegar até B eu preciso percorrer todo o caminho já que eu estou em A, né, então estou sempre atrás da máquina ai. [...] e também tem a questão de

que eu quero dar uma vida boa pra eles (Bolsista do curso de Direito, grifo da

autora).

Dentre os relatos dos bolsistas, é possível observar que o desejo de oferecer uma vida melhor aos seus familiares é presente nos discursos. Charlot (2000) aponta que mobilizar-se é engajar-se em uma atividade porque existem “boas razões” para isso. Assim, o desempenho dos alunos bolsistas ProUni pode estar fundamentado nessas premissas; esses alunos são mobilizados pelo desejo, pelo sentido e pelo significado da Educação Superior em suas vidas, e por ver nela a chance de alcançar seus objetivos. Charlot (1996) destaca ainda que

É igualmente interessante perceber a diversidade dos processos de mobilização que as famílias utilizam. Elas controlam, ajudam, “empurram” fazendo explicitamente referência ao futuro, ao desemprego, às dificuldades de vida e de trabalho dos pais. (CHARLOT, 1996, p. 57)

Já nos alunos pagantes, essa mobilização apresenta-se com diferentes intuitos. Esses estudantes, em sua maioria, por possuírem condições financeiras estáveis, retratam uma mobilização não para o sentido de mudança de vida, de superar condições difíceis, mas relativas às suas questões pessoais, aos cursos que escolheram, de modo a se tornarem bons profissionais com aptidões para tal – mesmo que, em muitos casos, reconheçam os esforços da família em sua trajetória. O relato do Pagante de Arquitetura e Urbanismo exemplifica tal fator nesta afirmação: “A família e hãm o meu sonho no caso né, ter uma formação e tal acho que isso seria o principal”. Notamos que existe esse reconhecimento em relação à família e que, no campo mais pessoal, sua ação se dá em torno da formação, do curso e da profissão escolhida.

Os entrevistados pagantes dos cursos de Pedagogia, Direito e Administração relatam buscar realização pessoal e profissional; apontam que seus desejos estão torneados em volta do crescimento pessoal, da carreira:

[...] querer trabalhar, entrar numa Universidade, porque com o magistério eu já tava trabalhando né, eu passei no concurso público [...] só com o magistério, se

eu quisesse parar eu podia parar porque eu entrei como concurso já tinha o

então eu vou continuar até conseguir (Pagante do curso de Pedagogia, grifo da

autora).

[...] o que mais me mobiliza é o crescimento pessoal que nem eu já falei antes o conhecimento nunca é demais então tô sempre tentando aprender e crescer

porque financeiro não é tanto porque a área que eu quero não é a melhor do

direito né, eu quero uma coisa que me faça feliz (Pagante do curso de Direito, grifo da autora).

Evolução, a própria, o crescimento né, a evolução constante eu acho que é a

única coisa que não tiram da gente né, e a gente ta ai pra adquirir pra no caso adquirir coisas novas né, sugar informações, então acho que evolução seria a palavra (Pagante do curso de Administração, grifo da autora).

O entrevistado pagante do curso de Medicina relata mobilizar-se em direção a uma medicina mais humanizada; durante sua entrevista, relata tal interesse. Os pais, ambos médicos de carreira, foram essenciais à sua decisão. Quando indagado sobre se sentir mobilizado, responde da seguinte maneira:

Sim, ai bastante, ainda mais agora que são áreas que eu gosto bastante né, mas é bom assim saber que já com a parte do estudo com a parte teórica tu já pode ajudar bastante sabe, [...] mas já aprendendo um pouquinho tu já consegue ajudar um monte de gente e ai acho que isso que é mais motivador ainda. (Pagante do curso de Medicina).

A mobilização, durante muito tempo, pode ter sido associada aos meios mais favorecidos; afinal, esse grupo alcançava o “sucesso”. No entanto, não é característica própria destes meios e tampouco dos meios populares; é uma característica própria de sujeitos que, em suas relações com o mundo, com os outros e consigo mesmo, sentem-se impulsionados. Conforme constatado nas entrevistas realizadas, desejar, atribuir significados e investir energia em busca de objetivos são processos que podem levar esses sujeitos ao “sucesso” e, quando associadas a outras configurações e intervenções familiares, exaltam a possibilidade de maiores aprendizagens e desenvolvimento integral.

No documento 2017JaneKelly (páginas 65-68)