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3.1 A Mediação de conflitos em sua perspectiva histórica e social

3.2.5 Formas de Violência mediadas no contexto escolar

Levando em conta que todas as ações do dispositivo de mediação são exatamente para o enfrentamento da violência e que entre os diversos tipos de violência, essas ações recaem sobre as que ocorrem no ambiente escolar onde está inserto o dispositivo de mediação, abordaremos a seguir as formas de violências mais recorrentes no espaço ou contexto escolar, exatamente aquelas sobre as quais se atua no ambiente pesquisado.

Charlot (2002) aborda o assunto da violência no contexto escolar distinguindo a violência na escola, da violência à escola, e ainda da violência da própria escola, conceituando a primeira como a que ocorre no contexto escolar, a segunda como a que ocorre contra a instituição e a terceira como a que decorre da própria instituição.

Partindo do pressuposto que o ambiente escolar vai para além dos muros da escola, é possível destacar no contexto escolar, segundo Sales (2007, p. 104), a violência externa e a violência interna. No cômputo da violência externa, a referida autora citou fatores como “o tráfico de drogas, as gangues, [...]” e no cômputo da violência institucional ou interna, “problemas do cotidiano escolar mal administrados.”

[...] dos tipos de violência destaca-se a violência psicológica, mais complexa e de difícil discussão dada a sua subjetividade. Essa violência atinge especialmente os jovens das escolas brasileiras, diminuindo-os como seres humanos. É uma violência silenciosa, contínua, que corrói a sua auto-estima e a sua dignidade, tornando-os excluídos do meio em que vivem [...]. (SALES, 2007, p. 104)

As consequências de conflitos mal administrados resultam em desinteresse, evasão, e pouco envolvimento dos discentes na escola criando um clima hostil no ambiente escolar. (SALES, 2007)

Isso cria um contexto de exclusão e marginalização em que se pode até garantir o acesso dos alunos à escola, mas com certeza não se garantirá a permanência, e se recordarmos a intenção do legislador para com os destinatários da norma do artigo 227 da CF/88, de “[...] colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão [...],” verifica-se que no eixo da promoção, devem-se viabilizar políticas públicas que garantam a permanência do educando no

espaço escolar, e a mediação é uma forma que viabiliza essa permanência, pelo que além de combater a violência escolar e outras formas de violência (SÜSSEKIND, 2005; SALES, 2007; CHRISPINO, 2007; MUSZKAT, 2008; ALMEIDA et al., 2009; MORGADO e OLIVEIRA, 2009), também ”pode melhorar a qualidade das relações entre os atores escolares e melhorar o ‘clima escolar’ [...],” (CHRISPINO, 2007, p. 24) ou criar na escola um “sentimento de bem-estar.” (SALES, 2007, p. 101)

De maneira geral, a violência manifesta uma afirmação de poder sobre o outro e a conquista desse poder é o que gera as diversas formas de violência. Suas ocorrências são conseqüência das práticas cotidianas de discriminação, preconceito, da crise de autoridade do mundo adulto ou da fraca capacidade demonstrada pelos profissionais de criar mecanismos justos e democráticos de gestão da vida escolar. (MARRIEL et al., 2006, p. 38)

Quando os conflitos são mal administrados e ensejam, por exemplo, a violência que se consubstancia no bullying, este, segundo Teixeira (2011), se manifesta de cinco formas, a saber:

● Verbal - Utilização de violência verbal; ● Relacional/Racial - Comportamentos racistas; ● Físico - Utilização de violência física;

● Sexual - Utilização de linguagem e/ou contatos sexuais;

● Cyberbullying - Difamação com recursos às novas tecnologias. (TEIXEIRA, 2011, p. 36 - 37)

Almeida et al., (2010) nos apresenta dois tipos de violência e desenvolve um terceiro fazendo ponte com as lições de Freud, da seguinte forma:

Primeiramente violência como “exercício da força sem levar em consideração alguém ou alguma coisa.” (MARTY, 2006 apud ALMEIDA et al., 2010, p. 165); depois violência como “uso da força física e do constrangimento psíquico para obrigar alguém a agir de modo contrário à sua natureza e ao seu ser.” (CHAUÍ, 1995 apud ALMEIDA et al., 2010, p. 165). Nesse segundo caso a violência é-nos apresentada como violação da integridade física e psíquica, e da dignidade humana de outrem.

Em um terceiro plano a violência foi apresentada segundo Denisov (1986) como um conceito multifacetário, que apresenta características externas

(qualitativas) e internas (quantitativas) e encontra sua expressão concreta no fato de que indivíduos, grupos, classes e instituições empregam meios econômicos, políticos, jurídicos e militares para sua contenção, no sentido de conquistar ou reter poder.

Almeida et al., (2010, p.166) associa a violência de forma imanente ao ser humano pelo desejo de matar e fazer sofrer seu semelhante, atinente aos conflitos de interesse, e mediada pela comunidade em busca do bem comum.

Respaldada em Freud, a autora citada explica essa violência imanente do ser humano, especialmente citando sua obra “O Futuro da Ilusão” (1927) onde, por inferência, Freud parece aderir ao pensamento hobbesiano de que o homem é mau, pois, segundo a autora mencionada, “Os impulsos hostis, a crueldade e a destrutividade estão presentes em todos os homens [...]” (ALMEIDA, 2010, p. 168). A partir daí ela deixa claro que esses desejos pulsionais, ainda segundo Freud, renascem em cada criança e a sociedade deve contê-los.

Essa violência imanente do ser humano, ainda segundo Freud, causa-nos sofrimento que nos ameaça a partir de três direções: de nosso próprio corpo condenado à decadência; do mundo externo que pode voltar-se contra nós, e de nosso relacionamento com os outros, (ALMEIDA, 2010, p. 168).

Sobre a violência na constituição do sujeito e sua relação com o outro, depreende-se do exposto por Almeida et al., (2010) algumas posições, entre elas, destacando-se as de que:

y A violência não é privilégio das classes menos favorecidas economicamente;

y Devem ser considerados aspectos da personalidade ligados à dinâmica psíquica dos sujeitos;

y A violência resulta de fatores biopsicossociais que interagem entre si;

y Para Matheus (2007) a crise adolescente apenas reativa o conflito edípico pelas transformações fisiológicas da puberdade “pela estimulação dos processos pulsionais transportada para a esfera psíquica, sob forma de um influxo de libido,” (ALMEIDA, 2010, p. 170);

y As reações da ameaça originada pelo arrombamento pubertário produzem violência, (MARTY, 2006).

Apontou-se até aqui a violência do ponto de vista psíquico relacionada ao arrombamento pubertário no tocante à violência imanente à figura do adolescente, todavia essa violência que o atinge em seu desenvolvimento biológico de forma latente, termina alcançando a todos no seu espaço de convivência incluindo o professor que com este adolescente interage, de modo que esta violência imanente ao aluno adolescente pode vir a causar sofrimento psíquico ao professor.

Almeida et al., (2010) pressupõe que a violência escolar atinge a saúde do professor, e depois da citação textual que se segue, apresentaram-se três pontos fundamentais que também foram aqui elencados.

O recurso ao apoio narcísico na contenção da violência na adolescência pode se estender também aos professores, principalmente se estes impuserem limites, resistirem à destrutividade e à agressão e oferecerem objetos da cultura para que o sujeito-adolescente possa, de algum modo, canalizar suas pulsões destrutivas. (ALMEIDA, 2010, p. 174)

A citação acima citada ratifica os três corolários seguintes elencados em Almeida et al., (2010, p. 174 - 175):

y O professor pode ser uma das pessoas, que, impondo limites, ajude ao adolescente canalizar suas pulsões destrutivas na contenção de sua violência;

y Marty (2006) ressalta que o professor pode sentir-se despreparado, sobretudo quando se encontra abandonado pelo corpo social (sentimento de impotência);

y Os sentimentos de impotência e abandono fragilizam o professor e lhe causam sofrimento psíquico.

Ainda nas repercussões da violência na saúde psíquica do professor, mencionou-se ainda que: além do sentimento de impotência e abandono, pela crescente violência, que de 1980 a 1990, emerge do vandalismo às agressões interpessoais, segundo Sposito (2001). Formas mais graves de violência chegam ao ápice através de homicídios, estupros, agressões e outros tipos penais, atingindo alunos e professores.

Tudo isso gera no professor, sentimento de mal-estar, o que agrava seu sofrimento psíquico, (CHARLOT, 2002; ALMEIDA et al., 2010).

Tal sofrimento citado acima, decorrente do sentimento de impotência, adoece o corpo e a alma do professor, e a violência atinge, por sua vez, a segurança, a confiança e a autoestima deste, (ALMEIDA et al., 2010, p. 179 - 180).

Quanto às prováveis causas da violência, além das já elencadas, aborda- se como relevante, o desaparecimento da imposição de limites pelos pais. (FLEIG, 2000 apud ALMEIDA et al., 2010, p. 178 )

Aquino (1998, p. 8), vê a questão da violência escolar, com o olhar dirigido para as causas, apontando resumidamente o problema da violência escolar sob dois aspectos, especificamente: “um de cunho nitidamente socializante, e outro de matiz mais clínico-psicologizante.” O primeiro aspecto, diz ele, é decorrente “das reações violentas por parte da clientela,” enquanto o segundo decorre de “quadros” diagnosticados nessa clientela que influenciam a convivência dos atores no ambiente escolar. E neste contexto não se poderia deixar de mencionar a influência dessa violência sobre a saúde do professor.

No que diz respeito à saúde do professor, esta se abala, pelo modo como o professor se mobiliza na relação com a violência no espaço escolar, muitas vezes sem espaço de fala para expor suas dificuldades. Além da falta desse espaço de fala, também falta-lhe segurança no ambiente de trabalho por parte do Poder de Polícia Estatal bem como apoio das famílias, de modo que a escola e família parecem ser as últimas instituições que acompanham o desenvolvimento da criança no dia-a-dia, e se acham cada vez mais demissionárias, (ALMEIDA, 2010, p. 176 - 180).

Depois do exposto nesse tópico, é possível sugerir uma resposta para o que deixa a escola manietada na contenção dessa violência. Poder-se-ia mencionar que, à guisa de conclusão, o Estado deve ser interventivo em tais relações intersubjetivas, mas, operante na mesma proporção; e o professor conhecedor dos mecanismos legais, jurídicos, políticos, militares, econômicos, sociais, entre outros, disponíveis para conter essa onda de violência e crise de autoridade, que parece romper os laços pedagógicos; seguidamente, deixa claro o ensaio que “é preciso que os educadores encontrem novas

formas de recuperar os dispositivos simbólicos da educação e tentar adequá-los à cultura.” (KUPFER, 2001 apud ALMEIDA et al., 2010, p. 182).

Eis o papel do professor-mediador entre o saber e o aluno, como agente de mudança que precisa escutar o aluno sem censuras e sem emitir julgamentos (SCHABBEL, 2002; GUILLOT, 2008; ALMEIDA et al., 2010).

É pertinente elucidar que uma forma de violência muito peculiar no ambiente escolar e até aqui não comentada por nenhum dos autores já mencionados, é a que se manifesta através da comunicação violenta e esta deve ser enfrentada como nos ensina Rosenberg (2006). Trataremos desse assunto em um tópico específico que inicia no item seguinte sobre os reflexos da mediação escolar na inclusão do educando e, passando por um breve comentário de como tem sido a relação professor-aluno ao longo do ensino no Brasil, adentrando-se a questões como a “expressão de angústia” (MARTY, 2006) que se exterioriza de forma bem peculiar nos adolescentes através da busca do “apoio narcísico parental” para orientar sua “violência interna,” agora não mais como uma violência no espaço escolar, mas no self do adolescente, e culminando justamente com os aspectos da comunicação não-violenta mencionada.

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