Stricto Sensu em Educação
A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS E SEUS REFLEXOS NA INCLUSÃO ESCOLAR DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Autor: José Paes de Santana
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Kátia Cristina Tarouquella Rodrigues Brasil
A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS E SEUS REFLEXOS NA INCLUSÃO ESCOLAR DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre em Ciência da Educação.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Kátia Cristina Tarouquella Rodrigues Brasil.
7,5cm
Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB
S232m Santana, José Paes de.
A mediação de conflitos e seus reflexos na inclusão escolar de crianças e adolescentes. / José Paes de Santana – 2013.
126 f.; il : 30 cm
Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2013. Orientação: Profa. Dra. Kátia Cristina Tarouquella Rodrigues Brasil
1. Inclusão escolar. 2. Conflito. 3. Mediação. 4. Violência. I. Brasil, Kátia Cristina Tarouquella Rodrigues, orient. II. Título.
Dissertação de autoria de José Paes de Santana, intitulada“A Mediação de Conflitos e seus Reflexos na Inclusão Escolar de Crianças e Adolescentes”, apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Ciência da Educação na Universidade Católica de Brasília, em 30 de setembro de 2013, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:
_____________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Kátia Cristina Tarouquella Rodrigues Brasil
Orientadora
___________________________________ Prof. Dr. Geraldo Caliman
Examinador Interno
________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Viviane Neves Legnani
Examinador Externa
_______________________________________________ Prof. Dr.ª Sandra Francesca Conte de Almeida
Suplente
quando me sobrevieram as dificuldades, o cansaço, a dúvida, e a nebulosidade, enfim!
Aos meus pais in memoriam que me deram como primeiro legado a vida, e como modelo de vida o padrão de retidão.
Aos meus filhos: Jônatas, Gabriel, Davi e Maria Júlia. Para eles pretendo deixar como legado, no mínimo, o que recebi dos meus pais.
À minha esposa Viviane com quem aprendo a cada dia que a vida não é feita só de trabalho, e com quem nos equilibramos, nos desequilibramos, e nos equilibramos novamente, na busca do aprender a (com)viver!
Aos meus irmãos que na vida me ensinaram a importância do partir e do repartir.
À minha orientadora, “Professora Kátia”, pela presença marcante mesmo quanto está distante,... ela sabe se fazer presente num simples e-mail, como ninguém! Por tudo e especialmente pela paciência que teve comigo até aqui, muito obrigado!
À Professora Viviane Legnani, ao Professor Caliman, e à Professora Sandra por terem aceitado o convite para compor a banca examinadora.
Aos demais Professores, Professoras e colegas do mestrado que me ensinaram muitas “novidades”, sem esquecer a Professora Beatrice, in memoriam, e o colega e amigo Luciano, também in memoriam. Aos funcionários da UCB que sempre foram muito receptivos e gentis desde os primeiros dias, quando aqui cheguei.
equilíbrio, pois, foi essa busca que deu origem a esta pesquisa: encontrar soluções harmoniosas para substituírem os desequilíbrios criados pelos conflitos!
A todos,
resolução de conflitos escolares, a partir de uma experiência de mediação escolar implantado em uma escola pública do Distrito Federal, Brasil. A mediação implementada nessa escola pretendeu criar um espaço de fala e uma comunicação não-violenta, uma vez que a escola pode ser palco de diversas modalidades de conflito. Os conflitos no espaço escolar estão muitas vezes relacionados a dificuldades na convivência entre o grupo de alunos e entre professores e alunos. Tais conflitos podem ser permeados por violências, desse modo essas situações podem instalar no espaço escolar um mal-estar que compromete a boa convivência. O dispositivo de mediação escolar foi inspirado nos princípios metodológicos da Pedagogia Social e na Teoria do Risco Psicossocial e se inscreve como uma tecnologia social aplicada ao contexto educacional. Assim, por meio do dispositivo da mediação, a pesquisa pretendeu atuar junto às dificuldades relacionais entre professor-aluno, entre funcionário-aluno e entre aluno-aluno, tendo como agentes mediadores alunos da escola, pais e professores devidamente preparados pra essa função. A pesquisa se caracterizou como uma pesquisa-ação na busca de mudanças na realidade sobre a qual atuou. Utilizou a base de dados dos registros referentes às violências, incivilidades e encaminhamentos coletados no espaço de mediação, e um estudo de caso, com o objetivo de identificar se a partir da experiência da mediação de conflitos, a escola pesquisada passou a ser um ambiente mais acolhedor; se contribuiu para a diminuição da violência, proporcionando assim a inclusão de crianças e adolescentes, e se harmonizou o clima do ambiente escolar. A análise dos gráficos dos anos de 2010 e 2012 evidenciou a queda das diversas situações de violência e incivilidades no espaço escolar, o que pode significar que os adolescentes encontraram um modo de se expressar no ambiente da escola, que não fosse pela via da violência. Nessa escola, a mediação teve um caráter inovador, pois se apoiou no princípio da horizontalidade que se constituiu em um elemento de fortalecimento dos próprios alunos. O dispositivo de mediação mostrou-se como um recurso simbólico da educação que permitiu aos adolescentes em dificuldade no espaço escolar encontrarem um espaço de fala e de aquisição de sentido para as violências atuadas. Nesta escola, a mediação de conflitos teve reflexos em todo o espaço escolar, promovendo a boa convivência, a consolidação da cidadania, da cultura da paz, associada à gestão participativa em relação à violência escolar.
This research originated from the intention to consider mediation as an alternative in resolving school conflicts, from an experience of school mediation deployed in a public school of the Distrito Federal, Brazil. Mediation implemented this school sought to create a space for speech and non-violent communication, since the school may be the stage of various forms of conflict. Conflicts at school are often related to difficulties in the coexistence between the group of students and between teachers and students. Such conflicts can be permeated by violence, thus these situations can install at school a malaise that undermines the good coexistence. The school mediation device was inspired by the methodological principles of Social Pedagogy and Theory of Psychosocial Risk and enrolls as a social technology applied to the educational context. Thus, through the device of mediation, research intended to act together to relational difficulties between teacher and student, between student and employee between student-student, having as mediators school students, parents and teachers adequately prepared for this role. The study was regarded as an action research in seeking changes in the reality in which he served. Used the database of records related to violence, incivility and referrals listed in mediation space, and a case study, aiming to identify whether from the experience of conflict mediation, the school began to be researched an environment more welcoming; it contributed to the reduction of violence, thus providing the inclusion of children and adolescents, and harmonized the climate of the school environment. The analysis of the graphs for the years 2010 and 2012 showed a decline of situations of violence and incivility at school, which may mean that adolescents have found a way to express themselves in the school environment, it was not by way of violence. At this school, the mediation had an innovative character, because it supported the principle of horizontality which constituted an element of strengthening the students themselves. The mediation device showed up as a symbolic feature of education that allowed teenagers in difficulty at school to find a space to speak and acquire meaning for violence enacted. In this school, conflict mediation was reflected throughout the school environment, promoting good relations , the consolidation of citizenship, culture of peace , coupled with participatory management in relation to school violence.
CCJ - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania CDC - Convenção dos Direitos da Criança
CEF – Centro de Ensino Fundamental CF – Constituição Federal
CNV - Comunicação Não-Violenta
CNVC - Center for Nonviolent Communication
CONANDA - Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CONIMA - Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem CPB – Código Penal Brasileiro
CRE – Coordenação Regional de Ensino
CRENET - Rede de Resolução de Conflitos na Educação DCA – Delegacia da Criança e do Adolescente
DF – Distrito Federal
DPCA – Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente DRE – Diretoria Regional de Ensino
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
IBOPE - Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IE – Instituição de ensino
NAME - Associação Nacional de Mediação Escolar NIDRF - Instituto Nacional de Resolução de Litígios OAB/MG – Ordem dos Advogados de Minas Gerais OIT - Organização Internacional do Trabalho ONU - Organização das Nações Unidas PL – Projeto de Lei
PLAN - Promoting child right to end child poverty PPP – Projeto Político Pedagógico
RITLA - Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana RS – Rio Grande do Sul
SOE – Serviço de Orientação Educacional SQL - Structured Query Language
1.1 Problema...19
1.2 Justificativa...25
2 Objetivos...36
2.1 Objetivo Geral...36
2.2 Objetivos específicos...37
3 Fundamentação Teórica...38
3.1 A Mediação de conflitos em sua perspectiva histórica e social...38
3.1.1 A Mediação entre as formas alternativas de solução de conflitos...41
3.1.2 Histórico e Conceito de Mediação...44
3.1.2.1 Histórico da Mediação...44
3.1.2.2 Conceito de Mediação...46
3.1.3 Modelos de Mediação...48
3.1.3.1 Modelo Tradicional...48
3.1.3.2 Modelo Circular-Narrativo...52
3.1.3.3 Modelo Transformativo...56
3.1.4 Técnicas de Mediação...57
3.1.4.1 Escuta ativa ... 57
3.1.4.2 Parafraseamento ... 58
3.1.4.3 Formulação de perguntas ...59
3.1.4.4 Resumo seguido das confirmações ...59
3.1.4.5 Caucus ...59
3.1.4.6 Brainstorming ...60
3.2.3 A Doutrina da Proteção Integral da infância, adolescência e juventude...71
3.2.4 Conflito, Violência e Exclusão...74
3.2.5 Formas de Violência mediadas no contexto escolar...79
3.3 Reflexos da Mediação Escolar na Inclusão do Educando...85
3.3.1 Como tem sido a relação professor-aluno no ensino do Brasil...87
3.3.1.1 Relação professor-aluno na sala de aula...88
3.3.2 Apoio Narcísico Parental na relação professor-aluno...90
3.3.3 Uma proposta de Comunicação Não-Violenta na escola...93
4 Método de Pesquisa...96
4.1 Contexto de pesquisa-ação...96
4.1.1 O método de estudo de caso na pesquisa-ação...98
4.2 Estratégia de coleta e análise de dados...99
4.2.1 Estrutura do Dispositivo de Mediação ...105
4.2.2 Análise quantitativa...109
4.2.3 Análise qualitativa...111
4.3 Instrumentos ...112
4.4 Participantes...113
4.5 Procedimentos...114
4.6 Local...115
5 Resultados e Discussão...116
5.1 Apresentação de dados e discussão das variáveis incivilidades, violências e encaminhamentos, após a implantação do dispositivo de mediação na escola...118
5.2 Apresentação de dados e discussão dos níveis da qualidade da violência em grave, média e leve, após a implantação do dispositivo de mediação na escola...122
5.5 Apresentação do estudo de caso e discussão da ocorrência de maior ou menor
inclusão do aluno que compôs a unidade-caso...136
5.5.1 Recorte do estudo de caso apresentado...137
5.5.1.1 Caso Matheus...137
6 Considerações Finais...142
7 Referências...147
Apêndice A - Termo de consentimento livre e esclarecido...155
1 INTRODUÇÃO
Esta dissertação apresentará e discutirá a mediação de conflitos como parte
incorpórea de um dispositivo de mediação em um projeto interventivo, que teve como
finalidade contribuir para que a equipe de professores e de funcionários da escola em
que foi aplicado pudesse enfrentar a violência que se manifestava com grande
frequência naquele ambiente.
Trata-se de uma escola pública de ensino fundamental em uma região
administrativa do Distrito Federal onde as frequentes ocorrências de bullying,
cyberbullying e de outros modos de manifestação de violência entre os alunos, no espaço escolar e fora dele, geravam desconforto e sentimento de impotência na equipe,
a qual se mobilizou para efetivar ações educativas que pudessem minimizar a violência
crescente na escola.
A pesquisa aqui apresentada teve como objetivo acompanhar as
manifestações de violência, decorrentes de agressão verbal, física, moral, e aos
pertences dos envolvidos, praticadas de forma intencional e continuada, quer por ações,
palavras ou insultos, de cunho cruel, intimidador ou vexatório, ocorridas entre os
alunos, bem como aquelas que envolvam professores ou funcionários, relacionadas
sempre a conflitos de relacionamento (ROSENBERG, 2006; CHRISPINO, 2007;
VASCONCELOS, 2008; TEIXEIRA, 2011).
A pretensão de investigar as manifestações de violência na escola decorreu
da percepção de que tais ocorrências resultavam em um conjunto de fatos que criavam
situações de mal-estar no espaço da convivência escolar. Dessa forma a intenção da
pesquisa foi comparar, monitorar e analisar os dados coletados no dispositivo de
mediação escolar, que surgiu para enfrentar as citadas manifestações de violência e
nelas atuar, com o intuito de minimizá-las.
Diante das manifestações de violência que vinham ocorrendo no espaço
escolar pesquisado, levou-se em conta o que pesquisadores da violência escolar
(SCHABBEL, 2002; CHRISPINO, 2007; SALES, 2007; TEIXEIRA, 2011)
mencionam, entre outros autores, quanto a necessidade de se “[...] desenvolver uma
uma cultura de paz, de cidadania e de convivialidade.” (MORGADO E OLIVEIRA,
2009, p. 43).
Com base em orientações como essa, a escola em questão escolheu a
mediação, como alternativa para gerir positivamente os conflitos que afetavam seu
público, pois, faltava descobrir como minimizar os conflitos de modo que os
conflitantes fossem tocados pelo senso de justiça após o desfecho do caso violento
ocorrido. Enfim era necessário encontrar uma via para a pacificação do espaço social no
âmbito da escola.
Outras pesquisas sobre mediação de conflitos escolares apontam que as
formas de solução de conflitos têm como objetivo minimizar os conflitos na sociedade,
estabelecendo a justiça social, ao dar a cada pessoa aquilo que é seu, resguardando-se
assim os direitos das pessoas envolvidas em eventuais conflitos (SALES, 2007).
Para se atingir essa pacificação e harmonia nas relações humanas na escola,
uma boa medida foi então buscar acordo entre as partes, pela conscientização delas
próprias ou pela interveniência de um terceiro que mediasse suas relações quando estas
não conseguissem fazê-lo. Mas era necessário que isso acontecesse incessantemente,
especialmente entre os alunos e não apenas nos momentos de explosão dos conflitos em
xingamentos, agressões e brigas, ou outras manifestações de desafeto.
Assim pensou-se em aplicar a mediação no ambiente escolar como uma
estratégia de promoção da boa convivialidade, da boa gestão dos conflitos escolares e da
efetivação da cidadania entre crianças e adolescentes, de modo que também atingisse
outros interlocutores com os quais estes interagissem no espaço escolar.
Aos poucos se foi percebendo que no dia-a-dia na convivência entre os
interlocutores do espaço escolar, a aplicação da mediação como estratégia de resolução
de conflitos foi entretecendo relação e laços de afetividade entre os integrantes da
comunidade escolar. Desse modo as pessoas passaram a se sentir incluídas, acolhidas e
confiantes.
Assim cada conflito uma vez mediado encontrava o caminho da conciliação
e a relação estremecida ia-se reconstruindo através de laços de confiança no dia-a-dia da
Para isso alguns requisitos precisaram ser observados na busca de restaurar
a confiança entre os sujeitos em situação de conflito. Por exemplo, levar os alunos a
perceberem que o dispositivo de mediação era imparcial e buscava, não a sua
manutenção, mas a preservação e a proteção integral dos envolvidos em seus aspectos
físicos, cognitivos e afetivos, inclusive os ensinando a conviver fora do ambiente
escolar.
Dessa forma, a solução de um conflito deveria contemplar os envolvidos em
sua integralidade, e os atores desse processo de mediação deveriam estar conscientes de
que ela repercute em muitos aspectos de suas relações pessoais. Quer físicos,
envolvendo a incolumidade; ou cognitivos, envolvendo a aprendizagem; ou inda
afetivos, envolvendo a empatia que permeia as partes, como assinalam Rosenberg
(2006), e Morgado e Oliveira (2009).
A mediação no âmbito da escola não se preocupou apenas com a construção
de acordos, mas esteve até mesmo focada na transformação das pessoas, como ensina
Muszkat (2008) ao tratar da mediação como um espaço transformativo, tema que foi
abordado com mais profundidade na fundamentação teórica da presente dissertação.
Durante a fundamentação teórica a mediação foi abordada como um meio
alternativo de resolução de conflitos que, tanto pode buscar acordos tendo o mediador
como facilitador da relação que medeia, como pode elevar o grau de consciência dos
sujeitos envolvidos no conflito no reconhecimento das necessidades do outro, e também
buscar a transformação do caráter dos litigantes, funcionando assim como política de
inclusão do aluno participante, em oposição à exclusão.
Essa exclusão, semelhantemente à violência e à exploração, pode dissociar a
criança e o adolescente dos processos educacionais (SAWAIA, 2006). Desse modo,
surgiu na pesquisa em questão a necessidade de se abordar, além do conflito, da
violência e da exclusão no espaço escolar, uma gama de assuntos correlatos e
pertinentes à inclusão, como, a proteção integral dos adolescentes participantes que
povoam o espaço escolar, da forma como se relaciona a seguir.
A pesquisa aqui apresentado dividiu-se em três capítulos distintos, em que
social, abordando-se as formas alternativas de resolução de conflitos, o histórico e o
conceito de mediação, bem como seus modelos e técnicas.
No segundo capitulo, adentrando-se à mediação escolar propriamente dita,
correlacionaram-se com essa mediação que ocorre no espaço escolar, aspectos
socializantes como as medidas protetivas e as socioeducativas aplicadas às crianças e
aos adolescentes, respectivamente. Situou-se a criança e o adolescente no contexto
social brasileiro, para, a seguir, abordar-se a doutrina da proteção integral desses
sujeitos de direito, que compreendem crianças, adolescentes e jovens, por se pressupor
que a falta de proteção leva a “um infanticídio simbólico pelo abandono” (HOUSSIER,
2010, p. 107).
Ainda no segundo capítulo abordaram-se os fatores que hoje sempre são
coadjuvantes nas relações intersubjetivas dos sujeitos de direito acima citados, como o
conflito, a violência e a exclusão, e que, muitas vezes marcam essas relações de modo
irreversível. Nesse contexto, fez-se um breve apanhado do conflito como antecedente da
violência. Trataram-se também as formas de violência no contexto escolar, emergentes
das pulsões dos sujeitos mencionados.
No terceiro e último capítulo correlacionaram-se os reflexos da mediação
com a inclusão do aluno convivente em um contexto permeado por um dispositivo de
mediação. Abordou-se como tem sido a relação professor-aluno no ensino no Brasil e
na sala de aula, ressaltando-se a importância do professor como referência nessa
relação, para o aluno, na busca do apoio narcísico parental (GUTTON, 1991), além de
se ter comentado a proposta de comunicação não-violenta que se foi construindo na
escola, como decorrência das ações do dispositivo de mediação nela implantado.
Um viés bastante inovador no dispositivo de mediação do contexto escolar
em tela foi a retirada do foco da autoridade e da capacidade do adulto para solucionar
conflitos, direcionando-o para os adolescentes mediadores envolvidos, reforçando-se a
horizontalidade do conhecimento entre adultos e adolescentes. Buscou-se resgatar na
relação, entre os alunos, e entre estes e o professor, aspectos relativos ao sentimento de
pertença, de autoconfiança, e de segurança, dos indivíduos com relação a si mesmos e
posição subjetiva [...]” (LEGNANI, V. N. et. al., 2012, p. 212), descolados da posição
de autoridade tradicionalmente estabelecida entre professor e aluno.
Desse modo, procurou-se reconhecer a mediação como uma proposta
dialógica, que, segundo Sales (2007), valoriza o ser humano como participante de sua
própria história e cria formas de interação entre os sujeitos que compõem o espaço
escolar, conscientizando-os de sua cidadania, respeito mútuo, dignidade e alteridade.
A presente pesquisa, pois, buscou identificar se a escola se tornou mais
acolhedora com a implantação do dispositivo de mediação, bem como se a mediação de
conflitos contribui para a diminuição da violência, e para maior inclusão e harmonia no
espaço escolar. No caso de se constatarem tais ocorrências, ainda preocupou-se em
averiguar como e por que isso ocorreu.
Utilizou-se o método do estudo de caso em pesquisa-ação, como a
abordagem de um estudo de caso ilustrativo de como se processam as relações
intersubjetivas no espaço escolar, sobre o qual foi feita análise de dados qualitativa
(YIN, 2010), de caráter descritivo e indutivo, ao mesmo tempo em que se fez uma
análise quantitativa do levantamento de dados decorrentes dos registros referentes às
violências, incivilidades e encaminhamentos para os órgãos de proteção à criança e ao
adolescente, com o cruzamento desses dados levantados durante as ações efetivadas no
dispositivo de mediação, em comparação com períodos pretéritos.
Assim se se desenvolveu o presente estudo sobre os reflexos da mediação de
conflitos na inclusão escolar das crianças e adolescentes de uma escola pública de
ensino fundamental do DF, tendo sua fundamentação teórica nos três capítulos já
delineados, nas abordagens, conceitual, socioeducativa, e teórico-prática.
1.1 Problema
Em todo o Brasil e especialmente no Distrito Federal, a violência escolar
tem sido um tema preocupante para educadores e gestores.
O tema se revela sob alguns aspectos na tabela que se mostra na página
seguinte, resultante de uma pesquisa que procurou acompanhar a violência nas escolas
a confiança entre os colegas, passando pelas agressões e humilhações, envolvendo,
inclusive, professores.
A pesquisa, todavia, revelou a existência da violência no Distrito Federal,
mas não se preocupou, pelo menos naquele momento, em implementar, estratégias para
o enfrentamento da violência percebida como um problema evidente e de difícil
solução, ocorrente nas escolas pesquisadas em todo o DF.
Os problemas evidenciados nas escolas que, como se descreveu acima,
abordam dados de cunho individual e coletivo, vão desde a percepção que os alunos têm
do seu próprio comportamento, até a que eles têm acerca do comportamento de seus
colegas, indo da concentração, ao clima de confiança que eles percebem no ambiente
escolar, até às questões que já evidenciam a violência propriamente dita. (SEEDF,
RITLA, 2008).
Tabela 1
Percepção dos alunos sobre o próprio comportamento e sobre o
comportamento da maioria dos colegas, 2008 (%).
Fonte: Plano de Convivência Escolar para a SEEDF, RITLA, 2008.
Os dados revelaram uma aparente correlação entre a violência e a
percepção do clima de confiança que envolve os alunos com reflexos relacionais entre
professor e aluno e entre os próprios alunos, como se pode ver na tabela apresentada, e a
mediação talvez fosse uma estratégia que minimizasse tais aspectos negativos na
relação entre os agentes pesquisados.
Os dados são de uma pesquisa encomendada pela SEEDF à RITLA, (2008)
para criar o Plano de Convivência Escolar no DF, mapeando as relações conflituosas
existentes nas escolas, com respeito a conflitos intersubjetivos, coletando a opinião de
alunos, professores e demais interlocutores do espaço escolar nas Instituições de ensino
no DF, em suas percepções sobre o clima de convivência nas escolas, como se pode ver,
em parte na tabela de dados que se apresentou.
Percebe-se dessa forma, que a violência escolar tem sido um problema
gradativo nas escolas do Distrito Federal, além de ser uma queixa antiga, especialmente
por parte dos docentes. Tais violências se revelam nas percepções dos professores em
seu dia-a-dia, bem como na percepção de olhares estudiosos da violência (SOUZA,
2005; SALES, 2007; MUSZKAT, 2008; ALMEIDA et al., 2009; MORGADO e
OLIVEIRA, 2009; PIRES, 2010; MENDES, 2011), dentre os quais destacamos a seguir
Souza (2005), inicialmente partindo de uma visão generalística e abrangendo todo o
Brasil, com destaque para a violência atuada pelos meninos jovens atribuída ao gênero
masculino, depois passando por outros estados da federação, e finalmente abordando
especificamente o DF em suas questões de violência escolar, independente de gênero.
Primeiramente citemos Souza (2005) que tem num viés mais global, e
aborda a violência levantando dados estatísticos e bibliográficos sobre a
morbimortalidade para homens e mulheres internados em hospitais das capitais
brasileiras entre os anos de 1991 a 2000.
A autora aponta para os homens, na adolescência e na juventude, como as
principais vítimas da violência, em proporções que chegam de 5 a 12 vezes mais que as
mulheres envolvidas. Ela acentua o homicídio e o acidente automobilístico, entre outras
causas externas pesquisadas, evidenciando uma maior incidência na vulnerabilidade do
Para Souza (2005) os rapazes são vítimas da violência, pelo menos nas
causas externas pesquisadas e para o espaço considerado em seus estudos, pois seu
modo de relação com o mundo é atravessado por uma identidade de gênero masculina,
associada à virilidade, à força e ao poder, além de aspectos como a supressão de
características inerentes às fraquezas pertinentes ao ser humano. Neste particular a
autora nos apresenta opiniões de outros autores que ratificam suas ideias.
Citando Cecchetto (2004) a autora levou em consideração que no
desenvolver dessas relações interpessoais, a imagem masculina associou-se de forma
inequívoca à supressão do choro, do medo, e da intimidação ante o perigo, tendo como
corolário a demonstração de coragem sempre peculiar desse ser ativo, enquanto modelo
hegemônico de masculinidade. Todavia, com o passar do tempo, observou-se a
existência de uma quebra de paradigma que se chamou “crise da masculinidade”
(SOUZA 2005, p. 60). Isso resultou em um novo perfil de homem, mais emotivo e mais
próximo da imagem feminina, além de mais infantil; todavia, o paradigma inicialmente
construído ainda é prevalente na sociedade.
A autora ainda ressaltou que não se há de partir do pressuposto de que o
homem é espontânea e instintivamente inclinado para a prática da violência, mas isso
decorre de uma construção social que vincula o ser homem às práticas viris, mesmo as
competitivas, ou as relacionadas a esportes radicais. Tais práticas terminam por
repercutir, muitas vezes, de forma negativa na vida e na saúde do homem, além da
tensão e ansiedade que o enfrentamento de riscos e perigos lhe causa.
Por esse motivo, Souza (2005) apontou argumentos sobre a violência não
somente na relação com as questões estruturantes das identidades de gênero, como o ser
homem, acima mencionado, mas também como uma patologia social que pode decorrer de aspectos estruturais da sociedade. Entre tais decorrências estão, “[...] desigualdade e
opressão” (SOUZA, 2005, p. 62), relacionadas à raça e classe social, contextos nos
quais, o gênero masculino oscila entre autor e vítima.
A autora em seu artigo também leva em conta estudos realizados por
Morelba (2000) em que se cria um estereótipo para o homem da América Latina a partir
de estudos feitos no Peru, Chile e Venezuela, com a afirmação de que nesse contexto se
Ela fez também uma espécie de mapeamento da violência no Brasil,
apontando os dados que seguem.
Macapá, João Pessoa, Recife, Vitória, São Paulo e Cuiabá, nessa ordem,
apresentaram as frequências mais consideráveis de violência do gênero masculino,
sendo que o número de óbitos masculinos em relação ao número de óbitos femininos
varia de 10,3 a 7 por 1. Polarizando as menores taxas proporcionais, também nessa
ordem, Palmas, São Luís, Natal, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre, quando ainda
se observou que as taxas para o gênero masculino superaram em média quatro vezes às
incidentes para o gênero feminino.
Outro dado relevante para Souza (2005), nesse estudo sobre violência foi o
de que os homens se apresentam como vítimas, no mais das vezes, nos espaços
públicos, enquanto as mulheres no interior de suas residências; os homens são vítimas
de desconhecidos, enquanto as mulheres de conhecidos, como companheiros ou
ex-companheiros.
Ainda foi observado que a exclusão social conduz os jovens a atividades
criminosas como forma de sobrevivência, e que os índices de escolaridade também são
inversamente proporcionais às taxas de incidência da violência. Acompanhou essa
proporcionalidade, também, o fator econômico, entre os jovens oriundos dos lares
chefiados por mulheres de cor negra ou parda, com baixa renda, e habitantes de
conglomerados periféricos.
Em resumo o índice de desenvolvimento humano (IDH) e a violência se
relacionam em proporção inversa. Enquanto o crime organizado, o tráfico de drogas e o
contrabando de armas aumentam a insegurança da população civil, as tornam mais
violentas e repercutem de forma diretamente proporcional no aumento dos índices de
violência. Tudo isso se pode observar na análise protocolar feita por Souza (2005).
Com respeito à relação entre masculinidade e violência, esta não é nenhuma
exclusividade do Brasil e de suas capitais, mas esse é um fenômeno que tem causas
tanto em fatores estruturantes da personalidade do gênero humano, quanto em fatores
Isso não é diferente nas escolas, onde a violência se apresenta como fator
que desagrega as relações entre os alunos e cria um clima de marasmo que alcança a
todos no ambiente escolar indo de alunos a professores. Com isso se instala um
mal-estar no espaço da escola que precisa ser enfrentado, sob pena de termos o clima da
escola comprometido por situações pontuais entre alunos, que se apresentam como se
invadissem a privacidade de todos nesse ambiente, atingindo inclusive sua saúde e seu
bem-estar.
Sendo assim, percebe-se, que é viável iniciar-se a partir da escola, como
microssistema social, um estudo da violência, enfrentando-a no que se pressupõem
serem suas origens, para se compreendê-la melhor, propondo-se modalidades de
intervenção para atingirem-se espaços maiores no contexto social, com a consequente
diminuição da violência dentro e fora da escola.
Saindo dessa visão geral da violência consubstanciada na mortalidade de
homens entre 20 e 24 anos, e partindo-se para uma análise do que ocorre
exclusivamente no interior das escolas, vejamos os dados de uma pesquisa da Rede de
Informação Tecnológica Latino-Americana (RITLA), encomendada pela Secretaria de
Estado de Educação do DF (SEEDF, 2008).
A pesquisa mencionada foi realizada com adolescentes de ambos os sexos,
que ainda não tinham como prática o cometimento de homicídio. Ela aborda a violência
em outros graus mais tênues, e nos traz algumas constatações bastante expressivas, que
vão ao encontro da pesquisa referida anteriormente. Constatou-se com essa pesquisa que
os alunos da Rede Pública do DF estão frequentemente em contato com a violência,
participando dela, ou convivendo com ela em seus contextos de interação.
Participaram da referida pesquisa oitenta e quatro escolas do DF distribuídas
equitativamente entre as catorze Diretorias Regionais de Ensino (DREs), hoje
denominadas Coordenações Regionais de Ensino (CREs), sendo seis instituições
educacionais, quatro de ensino fundamental e duas de ensino médio, por DRE.
Com respeito à convivência escolar, um resumo da referida pesquisa mostra
que, 83,3% dos alunos dizem ter amigos na escola, enquanto 49,7% sentem-se
ambiente escolar. Com respeito aos professores 55,9% sentem-se respeitados na escola,
porém, 9,7% sentem-se agredidos e 20% inseguros.
Ainda no Distrito Federal 69,7% dos alunos da Rede Pública de ensino já
viu algum tipo de agressão física em suas escolas, 65% dos professores já sofreram ou
testemunharam algum tipo de ameaça nas escolas onde trabalham, enquanto 22,4%
desse professorado já viu aluno portando arma de fogo no interior da escola. Isso mostra
que a violência tem colocado a comunidade escolar da rede pública de ensino do DF,
em situação de risco.
Diante desse panorama questiona-se que medidas, as Instituições de Ensino
(IE) deveriam promover para lidar com a violência acima descrita, manifesta pela
prática do bullying, cyberbullying e outras hostilidades, além da prática de atos
infracionais que correspondem a diferentes tipos penais. Tal violência atenta contra a
incolumidade física das pessoas, e cria um clima de mal-estar nas escolas, e ainda
concorre para a exclusão escolar, e consequente exclusão social, de seus alunos.
Justamente nesse sentido a escola em questão buscou criar um espaço de mediação que
pudesse ajuda-la a lidar com o problema da violência que a atinge em seu dia-a-dia, e
são as intervenções desse espaço, sobre seu contexto de violência que se pretende
estudar.
Atualmente a mediação já vem sendo aplicada no Centro Educacional São
Francisco em São Sebastião, e no CEF 602 do Recanto das Emas. Pelo que se questiona
se para mais esta escola a mediação seria uma estratégia alternativa de solução de
conflitos capaz de contribuir para o enfrentamento da violência e promoção da inclusão
de alunos em situação de risco, tornando-os agentes participativos na gestão escolar e
integrando-os ao contexto das relações humanas nos espaços em que estes interagem.
1.2 Justificativa
A mediação é compreendida como uma proposta que viabiliza, e estimula o
diálogo entre os interlocutores no ambiente escolar e como prática de resolução de
conflitos nesse ambiente, além de desenvolver a cultura da paz, e propiciar uma gestão
positiva de conflitos na construção da cidadania e no desenvolvimento de uma
MORGADO e OLIVEIRA, 2009; PIRES, 2010; MENDES, 2011), tendo sido aplicada
em escolas fora do Brasil, como nos informa Sales, (2007, p. 99) onde “[...] em estudo
realizado por Margarida Matos e Suzana Carvalhosa, no ano de 2001, em várias escolas
de Portugal, escolhidas de forma aleatória (sorteio), com 6903 alunos de idades entre 11
e 16 anos,” estudou-se a violência entre vítimas e agressores em vários de seus aspectos.
Levou-se em conta gênero, idade, drogadição, agressão física, porte de armas, o tipo de
família dos envolvidos nos episódios de violência, o prazer de freqüentar a escola, a
relação entre professores e alunos, e até mesmo a quantidade de horas que os alunos
assistiam à televisão.
Em Portugal, a mediação tem sido apresentada recentemente, como uma
forma de prevenção da violência escolar, segundo nos informa Mendes (2011), e como
estratégia de “gestão construtiva do conflito, como forma de valorizar todo o potencial
positivo que consigo transporta.” (PIRES, 2011, p. 3).
Além de viabilizar e estimular o diálogo, a mediação é também citada como
forma alternativa de resolução de conflitos, tanto no âmbito internacional como no
âmbito nacional, em diversos campos da atuação humana (OLIVEIRA et al., 1999;
MUSZKAT et al., 2003).
No contexto nacional foi indicada como alternativa viável para a pacificação
de conflitos laborais de um modo geral, além de combater a violência escolar e outras
formas de violência (SÜSSEKIND, 2005; SALES, 2007; CHRISPINO, 2007;
MUSZKAT, 2008; ALMEIDA et al, 2009; MORGADO e OLIVEIRA, 2009).
A mediação também pode se consubstanciar em uma ação voltada para a
gestão prática e eficaz da violência em locais públicos ou privados, e a escola, por certo,
estaria nesse contexto, além de poder incluir o aluno em uma participação ativa na
gestão dos conflitos, e levá-lo ao exercício da cidadania de forma prática, em resposta
aos problemas relacionais surgidos em seu ambiente escolar, sendo apontada como uma
política de transformação social, que pode reaproximar o jovem de seus sonhos, muitas
vezes destruídos pela violência, além, de também ser capaz de
como a temos utilizado, vem se consolidando como um modelo eficiente de política de transformação social. (MUSZKAT, 2008, p. 10).
À guisa de exemplo, para reforçar o posicionamento anterior, citemos ainda
no contexto nacional, uma pesquisa realizada pelo Sindicato dos Estabelecimentos de
Ensino do Rio de Janeiro (SINEPE RJ), através do IBOPE. A pesquisa foi intitulada “O
jovem, a sociedade e a ética” em que a violência escolar é elencada no topo dos graves
problemas que o Brasil enfrenta para afastar os jovens da concretização de seus sonhos.
Além disso, ela infunde medo nesses jovens, conforme se pode abstrair de proposições
como a que nos afirma que “[...] a violência na escola os afasta de seus sonhos ou os
amedronta [...],” (CHRISPINO, 2007, p. 13).
O gráfico a seguir resume o comentário antes mencionado:
Gráfico 1
Pergunta: Dentre estes, quais são os dois mais graves problemas do Brasil?
Fonte: CHRISPINO, 2007, p. 13
O gráfico apresenta dados que mostram o quanto os jovens temem a
violência e a colocam como a causa mais importante da qual pode depender a frustração
de seus sonhos e sem a qual as expectativas para o futuro seriam mais seguras.
Já no contexto exclusivo do Distrito Federal, outra pesquisa mostra que os
quotidiano de suas vidas escolares, razão porque promover meios para enfrentá-la deve
ser uma preocupação da sociedade organizada e do próprio estado enquanto política
pública.
Nesse sentido a violência escolar tem preocupado educadores e gestores
escolares, bem como os órgãos governamentais, o que levou a SEEDF a realizar em
setembro de 2008, através da RITLA, uma pesquisa sobre a violência nas escolas do DF
para embasar um Plano de Convivência Escolar, a ser implantado no DF a partir de
então, conforme já se mencionou anteriormente.
Dentre outras questões, a pesquisa citada informou que no Brasil 84% de
um universo de 12 mil alunos pesquisados, 70% já sofreram violência escolar. Informou
ainda, a pesquisa em questão, que 33,4% dos alunos pesquisados, humilham seus
colegas, significando que 66,8% ou mais, compõe o cenário de vítimas e agressores.
Isso, somado aos 14,2% de professores que também sofreram humilhações por parte de
alunos, torna-se significativa a parcela de pessoas em situação de mal-estar nas escolas
públicas do DF.
Outro dado relevante é o que nos informa a Promoting child right to end
child poverty (PLAN) uma organização que promove os direitos da criança para acabar com a pobreza infantil. Esta é uma organização de origem inglesa e não governamental
existente há mais de 70 anos, e sem fins lucrativos ou qualquer vinculação política ou
religiosa, que se espelhada na Convenção dos Direitos da Criança (CDC), da
Organização das Nações Unidas (ONU).
A organização mencionada tem como objetivo proteger a criança de todo
tipo de violência e abuso, pobreza e desigualdades sociais, e está presente no Brasil
desde 1997, com mais de 50 projetos que envolvem cerca de 75.000 (setenta e cinco
mil) crianças e adolescentes.
A PLAN afirma que até 2008, em um total de 66 (sessenta e seis) países
pesquisados, 1.000.000 (um milhão) de crianças sofria violência escolar diariamente,
segundo dados disponíveis no site da própria organização.
O número acima é bastante expressivo, pois, se desprezarmos o quantitativo
representa mais de 15 mil crianças vitimas de violência escolar em cada país
pesquisado, por dia. E se considerarmos que onde há agredido, também há agressor, o
número de crianças envolvidas em atos de violência por dia, por país, resulta em mais
de 30 mil, somente nas escolas.
Essa onda de violência no interior das escolas é bastante expressiva em
número e significa que cada unidade da federação no Brasil, hoje teria de administrar
mais de 1.100 casos de violência por dia. Esses casos devem ser geridos de forma
positiva, considerando-se que a punição na maioria das vezes não é o melhor remédio
para o enfrentamento da violência.
Se levarmos em conta que no DF há pouco mais de 600 escolas entre as
urbanas e as rurais, conforme se pode observar da tabela 2 a seguir, chagaríamos no DF
a aproximados dois alunos envolvidos em episódios de violência por dia em cada escola
pública do DF.
Tabela 2
No antecedente das violências, contudo, estão o conflito e as incivilidades,
incivilidades estas, que aqui serão entendidas como o somatório das pequenas
transgressões do quotidiano que acumuladas ”tornam inabitável o mundo dos homens”
(DEBARBIEUX, 2001, p. 179), e que a violência é o recrudescimento dessas
incivilidades em um grau mais elevado, quando estas já assumem tipificações penais
descritas em lei como crimes ou contravenções penais e que mais adiante serão
classificadas em seus graus: grave, médio ou leve.
Sendo assim, se ao número de episódios de violências, somarmos os casos
de incivilidades que ocorrem na escola pesquisada, observamos duas coisas em especial
de acordo com o gráfico 2 que aparece na página 118: a primeira é que o número dos
casos de incivilidades gira em torno do triplo do número dos casos de violência; a
segunda é que se somarmos violências e incivilidades diárias, concluímos que teríamos
pelo menos 8 alunos envolvidos em situações conflituosas por dia, por escola, conforme
se interpreta do gráfico 2, citado, em suas primeiras semanas de avaliação. Note-se,
porém, que o referido gráfico apresenta dados semanais.
Isso nos chama atenção para o fato de que devemos ter nas escolas pessoas
capacitadas para lidar com essas situações, do ponto de vista psicossocial, e não apenas
disciplinar, pois o olhar para esses conflitos deve ser acolhedor e não excludente, o que
nos alerta para a necessidade da existência de um Serviço de Orientação Educacional
(SOE) ativo em cada escola, e, quiçá fosse possível um serviço de acompanhamento das
questões de conflitos, feito por um psicólogo.
A administração de tais conflitos intersubjetivos hoje, nas escolas públicas
do DF é de responsabilidade do Supervisor Pedagógico, em articulação com o SOE,
conforme previsto no Título I, Capítulo III, Seção III, artigo 11, do Regimento Interno
das Escolas Públicas do DF, combinado com o seu artigo 5º que prevê a supervisão
pedagógica como auxiliar da direção das IE.
Essa atuação ocorre de forma compensatória nas disfunções da
aprendizagem, com o apoio do SOE, caso em que se deve oferecer ao aluno serviços
A mesma atuação, pode também ocorrer de forma reparatória pelo Diretor e
Professores da IE, nas conformidades do artigo 53 do referido Regimento, neste caso
chegando-se até mesmo à aplicação de punições.
Organograma 1
O organograma anterior retrata o ideal, mas ocorre que nem todas as escolas
do DF contam com supervisor pedagógico, por questões de política administrativa.
No caso das escolas em que não há supervisor pedagógico, o diretor deve
suprir esta lacuna deixada por aquele, que é seu subordinado imediato, conforme o
organograma que foi mostrado sobre as questões pedagógicas e administrativas em uma
escola pública no DF.
Mesmo contando com o apoio do SOE, é o diretor que tem o condão de
aplicar as sanções disciplinares e este nem sempre dispõe de tempo para ouvir as
queixas de seus alunos a contento, cujo fluxo disciplinar deve seguir o organograma
anterior.
Note-se que se acrescentou o Conselho Escolar ao organograma
apresentado, compondo a estrutura das IE no DF, colocando-se este conselho de forma
paralela à Direção, pois ele não deve ser-lhe subordinado, uma vez que tem a função
regimental de fiscalizá-la, e não seria compatível fiscalizar-se o superior.
Neste caso os membros do Conselho Escolar que pertencem à estrutura
funcional da SEE DF são organicamente subordinados ao diretor do ponto de vista
funcional, porém enquanto membros atuantes do conselho, não lhe são subordinados,
razão porque a estrutura do organograma se apresenta como foi posto, para se ter uma
noção do fluxo das decisões no que concerne à resolução dos conflitos no âmbito de
uma escola pública no DF.
A prática pedagógica mostra que o cargo de gestor das IE, conta atualmente
com incontáveis atribuições administrativas, pelo que este intervém na gestão dos
conflitos escolares com um condão bastante legalista. Assim, ele aplica as disposições
regimentais já citadas, utilizando-se do modelo normativo ou punitivo-sancionador,
apenas com foco na disciplina. Todavia, é preciso buscar não só manter a disciplina,
mas criar na escola um clima de paz, acolhimento e segurança para favorecer a
aprendizagem. Neste caso outros dois modelos para administrar conflitos escolares
devem ser observados, qual seja, o relacional, através do diálogo, e o integrador, com
Nota-se, que quando esses conflitos são resolvidos de forma apressada e em
um fluxo vertical de hierarquia de linha, isso gera nos alunos, inconformidades,
insatisfações, exclusão e mais violência, originando um contexto adversarial, em que o
aluno, muito provavelmente apenas cumpra a punição, sem nada ter abstraído daquela
situação para o seu desenvolvimento pessoal. E isso não é diferente até onde se tem
observado, na escola pesquisada.
Assim a escolha da mediação se deu diante dos inúmeros casos de
violências que aconteciam diariamente na escola e que mesmo depois de se convocar os
pais ou responsáveis pelos alunos, as soluções eram quase sempre pouco satisfatórias na
restauração das relações após a instalação dos conflitos. Isso na maioria das vezes
resultava em transferências de alunos para outras escolas, e com o passar do tempo
foi-se notando que as repetidas transferências criavam um grupo de alunos estigmatizados e
até conhecidos nas secretarias das escolas pela indisciplina que os caracterizava.
Diante disso a escola se via de mãos atadas e na verdade não estava
resolvendo os problemas de violência, mas transferindo-os juntamente com os alunos
para outras escolas. Isso também criava um clima de insatisfação por parte das escolas
que recebiam os alunos com mais dificuldade de se relacionar com os demais, e a partir
daí começou-se a pensar numa forma que fosse de fato efetiva de resolução dos
conflitos que surgiam entre os alunos.
Surge aí a necessidade de um dispositivo de mediação que “deve ter
justamente a qualidade de alterar um campo adversarial, no qual a negociação pareça
inteiramente improvável, para um campo, em que a mediação se faça provável, [...]
criando um campo não-adversarial e democrático [...]” (MUSZKAT, 2008, p. 59).
Foi pensando na possibilidade de vir a existir esse campo não-adversarial no
espaço escolar que se imaginou um projeto desafiador, baseado na horizontalidade. Este
deveria respeitar as disposições legais como se viu do organograma 1, p. 31, onde a
horizontalidade pouco se vislumbra, mas apenas a subordinação vertical e funcional, e
ao mesmo tempo, fazer uma gestão positiva dos conflitos voltada para a inclusão e
satisfação das partes após conflito. A ideia foi mudar o foco da verticalidade para a
Neste caso o presidente do Conselho Escolar da escola em estudo idealizou
um projeto interventivo que envolveria a comunidade escolar na administração dos
conflitos existentes na escola. A administração desses conflitos seria feita de forma
pacífica, ordeira, acolhedora, impessoal, bem como deveria ir além de mera aplicação
disciplinar regimental, dando condições, segundo Muszkat (2008) de horizontalizar as
relações no espaço escolar por meio da desconstrução das diferenças.
Com o intuito de fazer-se mais que a simples aplicação textual das
disposições legais citadas, de se dar maior atenção ao domínio afetivo da aprendizagem,
(TURRA et al., 1981) além de “[... ] valorizar sentimentos como otimismo, felicidade,
altruísmo, esperança, alegria, satisfação para a compreensão, [...] como processos
subjacentes às qualidades e emoções positivas do ser humano” (SALES, 2007, p. 101),
foi que se formalizou o referido projeto interventivo, que em conjunto com a presente
pesquisa científica, compõe a pesquisa-ação que vem sendo desenvolvida no ambiente
pesquisado, “[...] voltada para a ligação indestrutível entre teoria e prática [...]” (DEMO,
1989, p. 229).
Neste sentido buscou-se verificar a relação entre o uso da mediação na
pacificação dos conflitos escolares e seus reflexos na inclusão dos alunos submetidos a
esse modelo de resolução de conflitos, relacionando-se mediação e inclusão, na
pesquisa em tela, efeitos esses que decorrem da aplicação do projeto interventivo na
escola em estudo, onde a violência aflorava nas relações intersubjetivas entre os
interlocutores daquele espaço escolar e receberam uma nova abordagem a partir do
momento em que o então presidente do conselho escolar teve a iniciativa de submeter à
aprovação da comunidade escolar o projeto que mais tarde veio a integrar o Projeto
Político Pedagógico (PPP) da escola.
Essa iniciativa foi no sentido de “[...] avaliar manifestações sociais dotadas
de qualidade política [...]” como um movimento de grande impacto para resolver esse
problema do quotidiano da escola, “[...] de relevância significativa para além da forma
científica [...]”, como é o objetivo da pesquisa-ação, qual seja, o de partindo “[...] da
realidade social em sua complexidade, na sua totalidade quantitativa e qualitativa, na
sua marcha histórica humana, também dotada de horizontes subjetivos, [...] construir
Dessa forma se combina essa relação de teoria e prática da pesquisa-ação,
com uma educação que deve ir além de transmitir conhecimento, onde a aprendizagem
não é um produto meramente da inteligência, pois, “[...] ensinar exige compreender que
a educação é uma forma de intervenção no mundo [...]” (FREIRE, 2004, p. 45) e que
exige também levar-se em conta que a aprendizagem, necessita do domínio afetivo, indo
além, tão-somente do cognitivo, como se faz na pedagogia tradicional, (LIBÂNEO,
1990), pois, “[...] embora os conjuntos motor, afetivo e cognitivo tenham identidades
estrutural e funcional diferentes, estão tão integrados que cada um é parte construtiva
dos outros” (ALMEIDA e MAHONEY, 2007, p. 72).
E foi a partir do entendimento de que a ação educativa precisa levar em
conta também, os aspectos afetivos e emocionais, especialmente em se tratando de
administrar conflitos decorrentes da convivência humana, que foram pensados,
organizados, e postos em prática, os elementos para fazerem acontecer a pesquisa-ação
que ora se comenta.
Assim, a pesquisa-ação, inicialmente, foi pensada para resolver um
problema social da comunidade escolar, o que só depois deu vazão à presente pesquisa
científica, tendo como aliada a mediação no enfrentamento das hostilidades escolares e
o estudo da eficácia de seus reflexos na inclusão escolar.
Esse modelo de utilização da mediação na administração de conflitos
escolares, conforme já comentado, vem sendo seguido em algumas escolas no DF, a
exemplo do que se realiza no Centro Educacional São Francisco em São Sebastião, no
CEF 602 do Recanto das Emas, e no CEF/02 do Guará, local da presente pesquisa-ação,
com a intenção de interferir na realidade social e estudar os reflexos dessa interferência.
A pesquisas no campo da gestão de conflitos através da mediação vale a
pena ser investigada, tendo em vista os relatos relacionados a esse modo de intervenção
desenvolvido por Almeida et al., (2009) em uma escola pública municipal em
Forteleza-Ceará-Brasil, o de Chrispino (2008), que indica a mediação como alternativa viável no
combate à violência escolar, ao discorrer sobre avaliação e políticas públicas em
educação, entre outros (SALES, 2007; ALMEIDA et al., 2009; MORGADO e
OLIVEIRA, 2009), que apontam a mediação como viabilizadora do estímulo ao diálogo
ambientes escolares, além de vislumbrarem-na como uma proposta e prática viável, no
espaço escolar, para a resolução de seus conflitos.
O dispositivo de mediação aqui investigado, é inovador na aplicação do
princípio da horizontalidade na relação mediadora por ser essa conduzida pelos próprios
alunos, com a supervisão de adultos que deverão interferir na composição do conflito
apenas em casos especiais. Além disso, há um acompanhamento e registro diário, com
publicação semanal no site da escola. Assim se pode acompanhar en passant, pelo
menos quantitativamente, a evolução das variáveis pesquisadas, como incivilidades,
violência em seus graus grave, médio e leve, além dos encaminhamentos feitos para
Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) e eventualmente para a
Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA).
Diante da aplicação desse projeto de mediação que a escola em apreço vem
desenvolvendo, justifica-se seu estudo cientificamente elaborado, através desta
pesquisa, para compor a pesquisa-ação que se supõem ser de grande valia na gestão dos
conflitos tanto no espaço pesquisado, como além dele, levando-se em conta que o
espaço escolar vai além de seus limites físicos, atingindo-se assim a comunidades nas
adjacências da escola.
Isso porque se considera que a implementação do dispositivo da mediação
terá reflexos na comunidade escolar em que está implementado, e que os resultados
positivos desse modo de intervenção, possam ter um efeito multiplicador para outras
comunidades escolares.
2 OBJETIVOS 2.1 Objetivo Geral
Investigar como a mediação de conflitos contribui para a diminuição da
2.2 Objetivos Específicos
• Identificar as decorrências da mediação de conflitos escolares conduzida de
forma horizontal por crianças e adolescentes;
• Analisar de que modo o espaço de mediação de conflitos na escola, colabora
com a melhoria da relação professor-aluno, dos alunos entre si, e destes com
funcionários da escola;
• Avaliar se o atendimento no espaço de mediação escolar contribui para a
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
3.1 A Mediação de conflitos em sua perspectiva histórica e social
Antes de começarmos a dissertar sobre esse tópico, convém dizer o que
entendemos por mediação, e por conflito, ainda que de forma propedêutica.
A mediação é uma estratégia de resolução de conflitos, por meio da qual
os conflitantes demandam uma solução para seus litígios, através de um mediador,
terceiro imparcial, que leva os envolvidos a entenderem a gênese do conflito e a
buscarem uma solução adequada para o caso. Ela tem como princípios as necessidades,
interesses e voluntariedade das partes, a imparcialidade do mediador, e a
confidencialidade dos procedimentos. E apresenta como características: privacidade,
racionalidade de tempo e custos, oralidade e reaproximação dos envolvidos
(OLIVEIRA et al, 1999; SOUZA, 2004, p. 62 - 75; MUSZKAT, 2008; OAB/MG, 2009;
BRITO, 2010).
Já o conflito é entendido como “[...] divergências geradas a partir de
diferenças entre partes, é fator natural das relações entre pessoas físicas, jurídicas,
Estados.” (OLIVEIRA et al., 1999, p. 9). Há também autores que o entendem como
sendo a gênese da violência, ao conceituarem-no como:
Oposição entre pessoas ou grupos, geradora de violência verbal ou física; embate de potências; oposição de ideias, sentimentos, interesses entre várias pessoas ou grupos [...]. O conflito, em si, não é violento. A forma de resolver ou de exprimir o conflito é, ela sim, muitas vezes, violenta (SANTOS, 2008, slide 4-5).
Partindo do pressuposto de que o conflito é inerente à natureza humana
(OLIVEIRA et al., 1999) se pode notar que ele perpassa as diversas culturas. No
Ocidente, além dos meios jurisdicionais para resolução de conflitos, surgem
mecanismos extrajudiciais como alternativas de resolução de suas lides.
sendo identificados como RAC ou RAL (Resolução Alternativa de Conflitos ou Litígios). (MORGADO E OLIVEIRA, 2009, p. 44)
Na cultura ocidental, a mediação foi repensada, na Universidade de
Harvard, Estados Unidos, da forma que se apresenta atualmente por meio da
horizontalização das relações humanas especialmente a partir da década de 70, como
um conjunto de métodos chamados de Alternative Dispute Resolution (ADR), ou
Resolução Alternativa de Litígios. Nota-se, todavia, que embora não de forma tão
sistematizada a mediação já existia desde a antiguidade como meio alternativo de
resolução de conflito, entre outros métodos. Entre tais métodos podemos citar a
arbitragem, a negociação, a conciliação e a própria mediação (MUNIZ, 1999;
OLIVEIRA et al., 1999; SÜSSEKIND, 2005; MUSZKAT, 2008).
No Brasil, a mediação se apresenta como “[...] um processo
não-adversarial e voluntário de resolução de controvérsias, por intermédio do qual, duas ou
mais pessoas, físicas ou jurídicas, buscam obter uma solução consensual para este, que
possibilite preservar o relacionamento entre elas” (OLIVEIRA et al., 1999, p. 203).
Ainda segundo Muszkat (2008) e Brito (2010) a mediação também é método
preventivo, e por excelência, econômico, de resolução de conflitos, que além de tudo
isso promove a manutenção do relacionamento entre as partes ou sua reaproximação.
Do ponto de vista legal, no Brasil, o Projeto de Lei da Câmara, n° 94, de
2002 (PL 94) em sua versão de julho de 2006, ratificou o entendimento acima, além de
conceituar a mediação não só como método resolutivo, mas também como método
preventivo de conflitos.
Prescreve o PL 94 acima citado em seu artigo 2º que “mediação é a
atividade técnica exercida por terceiro imparcial que, escolhido ou aceito pelas partes
interessadas, as escuta, orienta e estimula, sem apresentar soluções, com o propósito de
lhes permitir a prevenção ou solução de conflitos de modo consensual.” Ao mesmo
tempo o PL da referência ainda afirma que a mediação pode ser prévia ou incidental
com relação ao momento de instauração do processo, podendo ainda ser extraprocessual
a depender da qualidade dos mediadores.
A lei ainda tratou do tipo de matéria em que é lícito se transacionar por
em contrário, e que pode tratar de todo o conflito ou apenas parte dele, sendo que o
termo que resulta do acordo mediado ou termo de mediação tem valor jurídico se
constituindo título executivo extrajudicial e que pode ser homologado em Juízo, quando
então passará a ter eficácia de título executivo judicial.
Quanto aos mediadores, a lei os revestiu enquanto no exercício de suas
funções, da qualidade de funcionários públicos, ao mesmo tempo em que lhe impôs no
desempenho de suas funções, o dever de agir com imparcialidade, independência,
aptidão, diligência e confidencialidade.
Do exposto até aqui se pode observar que a mediação é revestida de um
aspecto legal, mas antes disso, tem no seu bojo, um viés social, além de sua existência
marcada por acontecimentos importantes na gestão social ao longo da História.
Esse aspecto legal de que se reveste a mediação, faz dela uma forma
alternativa de resolução de conflitos, porém, hoje ela tem sido vista como um modelo
social de resolução de conflitos e não meramente legal, tendo em vista que pode não
somente resolver o conflito como também interferir na relação entre as partes, no que
acontecera antes, durante e após a instalação do conflito.
Do ponto de vista histórico e social, a mediação sempre esteve associada
à existência humana na solução de conflitos, e além de ter como resultado a pacificação
social (SALES, 2007), também possibilita a celeridade na resolução das controvérsias
ao mesmo tempo em que se torna um meio de mais fácil acesso à justiça, e de menor
custo, que a jurisdição comum, com economia financeira e de tempo, em relação à
Jurisdição do Estado (OLIVEIRA et al., 1999; BRITO, 2010). Esta menção se faz
pertinente, pois a escola de hoje já não é mais a escola sonhada como lugar de
fomentação do saber, mas tem se tornado cada vez mais em um pequeno campo de
batalhas cíveis, o suficiente para instaurar no âmbito da escola um clima de mal-estar
coletivo entre seus coadjuvantes (AQUINO, 1998).
A mediação é interdisciplinar em sua perspectiva social, podendo
envolver pessoas de diversas áreas do conhecimento, a depender da peculiaridade do
A mediação envolve aspectos emocionais, relacionais, negociais, legais, sociológicos, entre outros. Assim, quando necessário, para atender as peculiaridades de cada caso, também poderão participar do processo profissionais especializados nos diversos aspectos que envolvem a controvérsia, permitindo uma solução interdisciplinar, por meio da complementaridade do conhecimento (OLIVEIRA et al., 1999, p. 203).
Além desse caráter interdisciplinar mencionado, a mediação pode ser
aplicada a determinados casos de natureza específica, como nos ensina Süssekind
(2005) ao mencioná-la entre as formas de pacificação de um conflito no Direito do
Trabalho. Além disso, menciona o referido autor, ao lado da mediação, nesse particular,
a negociação, a conciliação e a arbitragem, sendo todas de grande valia na pacificação
social. A diferença entre tais formas de resolução de conflito reside nas qualidades
específicas que cada uma apresenta, como veremos a seguir, e sendo interdisciplinar,
poderá também ser aplicada à educação. Sobre isso se falará em tópico específico mais
adiante.
3.1.1 A Mediação entre as formas alternativas de solução de conflitos
Das formas alternativas de resolução de conflitos mencionadas acima,
comecemos a dissertar pela negociação na visão de Süssekind (2005).
Para o autor mencionado, outras formas alternativas utilizadas na
resolução de conflitos, destacam-se no direito do trabalho e em outros campos da vida
quotidiana. Comecemos pela negociação que nos é apresentada como uma forma de
pacificação de conflitos em que as partes chegam a uma solução, sem, contudo, haver a
participação de um terceiro, o que por isso se classifica como uma forma autônoma de
pacificação de conflito.
Segundo Brito (2010, p. 14), “em uma situação ideal, os conflitos de
interesses devem ser resolvidos diretamente pelos interessados (autocomposição), sem
necessidade de intervenção de uma terceira parte para solucionar a questão
(heterocomposição).” Isso deixa claro que a negociação é uma forma de pacificação dos
conflitos entendida como autocomposição. Quanto às demais, excluindo-se a
Além da negociação, Süssekind (2005) menciona também, a arbitragem
que é regulada por lei e a conciliação, hoje no Brasil, bastante praticada nos Juizados
Especiais. A primeira e uma forma autônoma de composição de conflitos e as duas
últimas são formas heterônomas. Chamamos atenção ainda para o artigo 6º da
Convenção 154, de 1981, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que enfoca
o uso desses meios de composição de conflito nas questões coletivas, in verbis:
Art. 6º As disposições desta Convenção não obstam a operação de sistemas de relações industriais em que a negociação coletiva se desenvolve na infraestrutura de mecanismos ou instituições de conciliação e/ou arbitragem, dos quais participam voluntariamente as partes do processo de negociação coletiva.
Nesse mesmo contexto Süssekind (2005) menciona a mediação como
uma forma de composição de conflito conduzida por um terceiro, que visa diminuir a
distância entre as partes conflitantes de forma progressiva, para atingir um ponto de
equilíbrio entre elas “[...] em torno do qual o consenso das partes se perfaz, livrando-as
do impasse ou retirando-as da posição de conflito.” (SÜSSEKIND, 2005, p. 1218).
A mediação, conta pela sua natureza com a participação de um mediador
que pode ser mais ativo ou menos ativo no tecer do acordo e harmonização entre as
partes. As tentativas feitas pelo mediador no sentido de se chegar a um acordo, não
vinculam as partes, que podem ou não aceitá-las.
Süssekind (2005) ainda deixa claro que o mediador não tem o poder de
decidir pelas partes, mas seu grande mérito é apresentar propostas de acordo, que
estejam em sintonia com o interesse dos conflitantes, e que neste caso, a decisão seria
tomada pelas partes de motu proprio. Isso daria à mediação natureza de
autocomposição.
Todavia, essa classificação tem pontos controversos, pois Manus (2006,
p.1) afirma que a expressão autocomposição deve ser usada para as negociações nas
convenções coletivas de trabalho e nos acordos coletivos de trabalho, enquanto “[...] as
formas heterônomas, porque decorrem da intervenção de um terceiro estranho ao
conflito que se agrega ao problema para tentar viabilizar uma solução, são