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Formas novas de organização e novas possibilidades de compreender o organizar 30

O capitalismo traz uma forma específica de organização, a empresa. Esse tipo de organização tem como ente subjacente o tipo ideal burocrático, construção teórica de Max Weber. Cooper e Burrell (2006, p. 88, grifos nossos) expõem que “Weber nos fez ver a organização moderna como um processo que simbolizava a racionalização e a objetivação da vida social”. Essa visão baseia a análise organizacional ortodoxa, em que se compreende a organização como um sistema social limitado, que possui estruturas e objetivos específicos e atua de maneira mais ou menos racional e coerente. Dessa forma, “o próprio conceito de organização funciona como um metadiscurso para legitimar a idéia de que a organização é uma ferramenta social e uma extensão do agente humano” (COOPER; BURRELL, 2006, p. 95).

Como também nos lembra Cooper e Burrell (2006, p. 98-99), “[...] o assunto da análise organizacional é a organização formal. Não é a organização propriamente dita que exige análise, mas é o seu caráter ‘formal’ [...]”. Nesse sentido, o “formal” ganha o significado de próprio, metódico e meticuloso. No entanto, no contexto das organizações, das instituições formais, ele não é apenas o próprio e o metódico, mas também o “oficial”, alçado ao nível da lei e da verdade pública. Daí o que é formalmente organizado assume a virtude de uma ordem moral.

Nesse sentido, na tradição dos estudos organizacionais quando se fala em formas novas de organização toma-se como base os aperfeiçoamentos das características burocráticas (formais, oficiais) da organização moderna e suas práticas organizacionais (o velho compreender do organizar). No Handbook de Estudos Organizacionais, por exemplo, o assunto encontra-se no subtítulo ‘Da burocracia à fluidez: novas formas organizacionais’ em capítulo assinado por Clegg e Hardy (1999), voltado a discussões do mundo empresarial das organizações modernas. “Novas Formas Organizacionais” está associado a “cadeias”, “conglomerados”, “redes” e “alianças estratégicas”. Organizações que adotam essas formas novas de organização caracterizam-se pela descentralização, distribuição (rede de divisões ou unidades internas ligadas pelo avanço da tecnologia da informação) e (camuflam a) eliminação de hierarquia, sendo compreendidas pela visão tradicional do organizar por sua maior abertura, empowerment e compromisso na relação com seus empregados e clientes.

Dimensões básicas do velho organizar Algumas das práticas organizacionais que engendra

Formalismo

-a autoridade deriva de um sistema de normas racionais, escritas e exaustivas que definem as relações de mando e subordinação (hierarquia); -confere à pessoa investida de autoridade o poder de coação sobre os subordinados e meios coercitivos de impor disciplina;

-procuram cobrir todas as áreas da organização, prever todas as ocorrências e enquadrá-las dentro de um comportamento definido;

-o comportamento de todos os participantes da organização torna-se muito mais previsível, preciso e controlável;

-concretiza-se em estatutos, regulamentos e regimentos;

Impessoalidade

-a autoridade e a responsabilidade pertencem ao cargo, seja qual for a pessoa que o ocupe;

-o poder de cada indivíduo deriva da norma que cria o cargo e define suas atribuições;

-os subordinados obedecem a uma norma impessoal;

-não há lugar para sentimentos, favoritismos, gratidão, demonstrações de simpatia e antipatia;

Profissionalismo

-uso de conhecimento técnico especializado obtido em geral por meio de treinamento especial;

-exercício de funções por especialistas que detêm diplomas (títulos) e/ou experiência para poder ocupar o cargo;

-escolha baseada na apresentação de títulos e submissão a testes (concursos de admissão);

-o cargo ocupado é um meio de vida (principal atividade);

-o administrador não possui os meios de administração e produção;

-o administrador não se identifica com o chefe, proprietário, o senhor, mas com os objetivos da organização (fidelidade ao cargo e à organização); -recebe uma remuneração em forma de dinheiro; -administrador é nomeado por um superior hierárquico;

[...]

[...]

-As pessoas são dirigidas por uma estrutura administrativa centralizada;

-As iniciativas dependem de chefes/dirigentes e especialistas;

-As atividades são dirigidas a partir de um centro e não a partir do local onde são realizadas;

-Unidade central define objetivos e cobra resultados;

-Separação entre concepção e execução (Heterogestão).

-Regras e normas escritas para orientar comportamentos e ações;

-Poucas ações autônomas (fora dos padrões estabelecidos);

-Ações empreendidas em vista de obter obediência e anuência dos subordinados;

-Os conflitos devem ser administrados em prol da organização;

-Instâncias superiores não podem ser questionadas e dispõem de instrumentos para reforçar sua autoridade.

- Tomada de decisões de cima para baixo; -Negociação restrita a instâncias superiores;

-Processo decisão tende a não sair do que foi pré- estabelecido em instâncias superiores;

-Poder de decisão restrito a especialistas;

-Instâncias inferiores são utilizadas de forma consultiva;

-Supervisão direta, controle estrito;

-Padronização por processo de trabalho - conjunto de instruções previamente elaboradas;

-Padronização de resultados - acompanhamento de desempenho a partir de metas estabelecidas (em geral, quantitativamente);

-Ajustamento mútuo em organizações que exigem elevada inovação, flexibilidade e qualificação técnica;

-Padronização de habilidades (Detentor de diplomas das escolas formais);

-Habilidade e disposição para tomar decisões baseadas no treinamento e experiência profissional. -Quem tem o saber (formal, especializado) ocupa posições elevadas;

-Quem tem o saber é responsável pelas decisões, por quem participa delas, que assuntos são discutidos e deliberados e pela definição de critérios para avaliar os resultados das ações empreendidas; -Maximização dos lucros e resultados;

-Cumprimento de metas estabelecidas;

- Informações importantes concentradas em

algumas pessoas/instâncias;

-Informações precisas para centros de decisões; -Uso de canais de comunicação formais e legítimos; -Responsabilidade social como estratégia de marketing (Imagem da organização perante a sociedade);

-Parceria com redes de comunicação comerciais para divulgação e propaganda;

-Campanha publicitária em televisão, outdoors, rádios comerciais;

-Participação como método/ferramenta gerencial; -Participação para aumentar a qualidade das decisões e da gestão;

-Participação para aumentar a satisfação e a motivação das pessoas;

-Participação para transferir responsabilidades e poder de decisão para funcionários;

- Participação para distribuir lucros; [...]

Fonte: elaborado com base em Hall (1984), Motta e Bresser Pereira (1986), Maximiano (2000) e Mintzberg (1995).

Quadro 1 (2) – Dimensões básicas do velho organizar e suas práticas organizacionais.

Diferentemente dessa perspectiva o caminho crítico de investigação, adotado neste trabalho, preocupa-se com as novas possibilidades de compreender o organizar, tomando como base práticas de organizar não pertinentes ao “enclave social do mercado”, que representam outros modos de organização com os quais os membros de uma sociedade cuidam “de tópicos substantivos de vida, na conformidade de seus respectivos critérios intrínsecos, e no contexto dos cenários específicos a que esses tópicos pertencem”, numa outra “proposta de vida associada” (GUERREIRO RAMOS, 1981, p.178). Nesta pesquisa, projetos da política de esporte e lazer do Recife, enquanto espaços potenciais de concretização de (novas) práticas de organização foram centrais na esperança de encontrarmos um outro modo de compreender o organizar, “fora dos limites da organização possível” (MISOCZKY; VECCHIO, 2004, p. 12).

Em vista de dar centralidade à produção do organizar e não à “organização da produção”, Cooper e Burrell (2006, p. 97) reavaliam a interpretação tradicional da organização com o seguinte caminho de análise organizacional:

[...] precisamos entender a organização como um processo que ocorre dentro do ‘corpo’ mais amplo da sociedade e que diz respeito à construção de objetos de conhecimento teórico centralizados no ‘corpo social’: saúde, doença, emoção, alimentação, trabalho, etc. Em outros termos, para entender as organizações é necessário analisá-las de fora, como elas eram, e não partir

daquilo que já está organizado. É uma questão de analisar, [...], a produção da organização, e não a organização da produção.

Assim, privilegiar a “produção da organização” foi compreender as práticas de organização do Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer em vista de vislumbrar a possibilidade de compreender um (novo) organizar. Um Programa que busca construir uma nova realidade social e política para as comunidades da periferia do Recife, por meio das práticas esportivas, de lazer e artístico-culturais de seus projetos.

Para isso, consideramos a estrutura organizacional do Estado que suporta a área de esportes e suas mudanças ao longo do estudo, em que abordamos a “organização da produção”, porém enfocando como os elementos transformadores do Programa Círculos Populares de Esporte e Lazer, por meio daquela estrutura de organização, concretizam possibilidades de “produção da organização”, isto é, práticas de organizar na ação de seus projetos.

Nesse sentido, também importou “a autotransformação social, que se refere ao fazer social e político dos homens na sociedade [...]. O fazer pensante e o pensar político implicam- se numa unidade indestrutível e pensar a sociedade como fazendo-se é um componente essencial. E este fazer-se é o contrário das hierarquias burocráticas” (MOTTA, 1990, p.28).

Assim, nesta pesquisa, práticas de organizar são ações de organização forjadas na sociedade civil (organizada2), isto é, no “‘corpo’ mais amplo da sociedade”, que são trazidas para uma esfera institucional de poder, mostrando potencial modificador das características tradicionais do que seja o organizar (a estrutura burocrática e seus processos) e da organização social mais ampla na relação Estado-Sociedade.

Como já nos dizia Motta (1990, p. 46), o mais contemporâneo dos grandes críticos brasileiros da área de organizações,

[...] a busca do específico na administração é mais do que uma tarefa impossível sem o estudo da sociedade e da política. Isto não se deve apenas ao fato de a administração ser um fato social e político. Deve-se ao fato de se ter tornado o centro das questões sociais e políticas numa sociedade burocrática.

2

Ciente que, apesar de nossa história não oficial, seja no meio urbano ou no rural, ser permeada por vários movimentos de luta e resistência, não podemos afirmar que a história de lutas político-sociais da sociedade brasileira é caracterizada por uma sociedade civil organizada. No entanto, ela vem se organizando (mais recente ganha o reforço de movimentos independentes da periferia urbana). Caso contrário esta pesquisa não poderia ser concebida, muito menos escrita.

2.5 Desporto e Lazer: ações de Estado e concepções para