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A fragilidade do modus vivendi: A sucessão presidencial, o boicote de Getúlio Vargas e a crise de maio

3. A POLÍTICA RIO-GRANDENSE ENTRE FÓRMULAS E DISSIDÊNCIAS

3.2 O ACORDO DE 17 DE JANEIRO: A NOVA PEÇA NO JOGO

3.2.2 A fragilidade do modus vivendi: A sucessão presidencial, o boicote de Getúlio Vargas e a crise de maio

A fragilidade do pacto, somado com os debates da sucessão presidencial, geraram algum mal-estar, poucas semanas depois da assinatura do modus vivendi. No Correio do Povo, Maurício Cardoso respondeu a uma entrevista de Flores da Cunha, em que o governador dizia que o Rio Grande do Sul não deveria indicar o sucessor de Vargas, “mas fazia questão de ser ouvido à hora oportuna”. Cardoso disse que ignorava essa declaração, e que Flores não falava em nome da FUG, além de entender ser um erro, naquele momento, abordar a sucessão presidencial. Imediatamente, as palavras dele seriam exploradas por jornais cariocas, fazendo Antunes Maciel ficar pessimista em relação ao pacto. Em telegrama a Chico Flores, já palpitava: “se dessa forma continuarem os da F. U., o ‘casamento’ não demorará a desfazer-se’”. Além disso, Lindolfo Collor dissera a Lusardo que as declarações

310 AGV, 18.01.1936, CPDOC, GV c 1936.01.18/2; AGV, 08.02.1936, CPDOC, GV c 1936.02.08; AGV, 29.

de Maurício Cardoso deixaram Flores da Cunha “furioso”.311 De toda forma, por mais coerente que fosse o pronunciamento de Maurício Cardoso com aquilo que regia o acordo de 17 de janeiro, o alvoroço que se produziu indicava, além da delicadeza em que consistia o modus vivendi, também o alinhamento do político republicano com aquilo que defendia Getúlio Vargas.

Já os discordantes do pacto não fariam, inicialmente, grandes alardes. Além dos Vargas, membros do PRL, mas agindo conforme as orientações do irmão, havia a aproximação de Alberto Pasqualini, do PL e vereador de Porto Alegre, com Getúlio Vargas, mostrando ter mudado seu posicionamento face ao Presidente da República, pois, até então, fazia críticas públicas a ele e à “República Nova”. Importante destacar que, nesse momento, Pasqualini também ganhou projeção dentro do PL, ocupando o prestigiado cargo de secretário-geral do partido, ao lado de Pilla e de Lusardo, este como 1º vice-presidente.312

Essas aproximações e “sondagens” com os descontentes faziam parte de sua intromissão na política regional, mais intensa desde o acordo de 17 de janeiro, buscando cooptar tanto republicanos liberais quanto frenteunistas a romper o modus vivendi. Desta forma, os contatos ocorriam de forma terceirizada, por meio de políticos republicanos liberais e frenteunistas, que, ao lado de Vargas, relatavam a ele o resultado das conversas. Por exemplo, Pasqualini relatou que Maurício Cardoso, o maior opositor dentro da FUG ao modus vivendi, estava propendendo a apoiar o governo federal, e, informando ter mostrado um “plano de ação” ao correligionário republicano, este teria aderido, excetuando um trecho em que era prevista a dissociação da FUG, “por entender que, no momento oportuno, ela estará integralmente ao seu lado”. O vereador do PL já se aproximara do presidente, pelo menos desde janeiro, e estava incumbido de realizar esse “levantamento”: “não me apresentei aos dois chefes frentistas [Pilla e Cardoso] como um agente do governo federal”. Posteriormente, relatou uma conversa com Loureiro da Silva, deputado estadual do PRL, que concordou “em gênero, número e caso com o esquema”, que era igual ao apresentado a Cardoso, e afirmou:

A dissidência liberal existe, e, o que é mais grave, será obrigada a definir-se por ocasião da reabertura dos trabalhos na Assembleia. Falta, entretanto, organizá-la e nucleá-la, afim de poder, eventualmente, articular-se com a F.U. É evidente que os dissidentes liberais só poderão agir apoiados, isto é, de conformidade com o pensamento de V.Excia, ou, pelo menos, não contra ele. Julgo que seria de grande

311 Correio do Povo, Porto Alegre, MCSHJC, 19 e 23.02.1935; AAM, 27.02.1936, CPDOC, AM c 36.02.27/1;

ARP, 29.02.1936, NUPERGS, doc. nº 002/1214.

312 SILVA, Roberto Bittencourt da. Alberto Pasqualini: trajetória política e pensamento trabalhista. Tese

interesse a ida de Loureiro da Silva ao Rio. Ele poderia esclarecer a posição exata dos elementos do PRL.313

O telegrama não mencionava detalhes desse “plano de ação”, mas casualmente encontramos um documento, que não leva assinaturas, todo estruturado para uma ação contra o governador, que menciona justamente a dissociação da FUG, e sua aproximação com a Dissidência. Era um plano muito extenso, e estava dividido em três fases, com tópicos abordando os objetivos da FUG, da Dissidência Liberal e do Governo Central, prevendo ações com as três correntes para isolar o florismo, e acompanhar Vargas.

Nele, a FUG deveria combater o acordo estadual, mostrando as incoerências e divergências doutrinárias, a imoralidade, a heterogeneidade e sua inexequibilidade em alguns casos, até provocar sua dissolução interna. A Dissidência deveria fazer restrições ao pacto, mas aceitá-lo, enquanto não implicasse em hostilidade ao Governo Central. Por sua vez, o governo federal deveria manter-se vigilante, tomar medidas discretas de caráter militar, e fortalecer seu prestígio dentro do estado; posteriormente, deveria ser intensificado o fim da FUG, promover a aliança com o governo central e se unir com a Dissidência, que iria atacar o florismo. Depois disso, iria apoiar, de forma irrestrita, o governo central, que se fortaleceria em todos os estados, e isolaria possíveis ligações dos elementos de esquerda com os floristas. No Rio Grande do Sul, as três correntes terminariam por organizar um programa comum.314

O próximo passo seria desarticular o pacto regional, com manifestações de descontentamento e de apoio ao chefe do país, em um momento propício, denunciando na imprensa que se visava a agitar a sucessão presidencial, e não a tranquilidade na política regional; associar a minoria parlamentar à ANL, às conspirações comunistas e aos depostos de 1930; acusar os defensores do modus vivendi de querer indispor Vargas com Flores, defendendo o presidente; combater o parlamentarismo e qualquer sistema que enfraquecesse “as autoridades supremas”; provocar manifestações de apoio ao governo federal, iniciando uma campanha em defesa do adiamento da questão sucessória e dos debates políticos.315

Aquilo que chama atenção é, além do detalhamento do projeto, o fato de que políticos importantes no Rio Grande do Sul já tinham conhecimento dele pouco tempo depois da entrada em vigor do modus vivendi. Mesmo que não estivesse exteriorizado no projeto, o

313 AGV, 12.03.1936, CPDOC, GV c 1936.03.12. Alguns dos descontentamentos não eram segredo dentro do

PRL. Nesse sentido, Adalberto Corrêa, deputado federal, se colocava publicamente contra o acordo, por este ser apoiado pela minoria parlamentar. Correio do Povo, Porto Alegre, MCSHJC, 14.01.1936.

314 AGV, 04.1936, CPDOC, GV c 1936.04.08/1. Ver o plano de ação, na íntegra, no anexo II, que dará ao leitor

melhor noção da dimensão, das minúcias e do detalhamento dele.

plano de ação, se executado, implicaria no esfacelamento partidário no estado, com a divisão e o fracionamento de todas as correntes políticas. Sem coesão, significaria o enfraquecimento da política regional.

Sabendo da fragilidade do pacto, Vargas mantinha contato contínuo com Renato Barbosa, deputado federal do PRL. O parlamentar dizia ser o modus vivendi uma armadilha em que Flores seria vítima. Para Barbosa, o governador era disputado entre uma ala da FUG, propendendo a um alinhamento com Vargas, e outra procurando arrastar o chefe do executivo estadual para a oposição. Caso ocorresse a preponderância dessa ala, para ele, o Rio Grande do Sul cairia no isolamento. Também não poupou críticas ao modus vivendi, chamando o acordo de medíocre. Getúlio Vargas também já conhecia a insatisfação de Loureiro da Silva, que, em telegrama ao presidente, alegava frieza e ironia, dentro do PRL, com o acordo. Em função disso, Loureiro da Silva dizia que não se confiava mais no Flores da Cunha, que não estaria, segundo ele, à altura de dirigir o partido. Analisava que “das mortes e composturas aos abraços públicos mediou pouco tempo”, o que “só podia trazer, como trouxe, uma profunda desilusão e descrédito”. Expunha que estavam contra esse pacto, além dele próprio, Alberto Pasqualini (PL), Glicério Alves (PL), Martins Costa (PL), Maurício Cardoso (PRR) e João Neves da Fontoura (PRR). Loureiro ainda afirmava desejar que Flores da Cunha não se jogasse em oposição a Vargas. 316

Por outro lado, o presidente também buscava conter os mais próximos. Nesse sentido, Benjamin e Protásio Vargas em muito pouco participariam dessas articulações, afinal, qualquer movimento suspeito deles teria uma lógica ligação com as orientações do governo federal. Por isso, dizia a Protásio: “deves manter uma conduta de espectativa [sic] discreta, sem hostilizar a ninguém, e o mesmo recomendo a Bejo, quanto a sua atuação na Assembleia. Nada de precipitações. Evitar também conciliábulos e entendimentos secretos, que no fim são do conhecimento de todo o mundo”.317 E, efetivamente, mantiveram essa postura neutra, limitando-se a serem informantes de Vargas, e cumprindo ordens quando este solicitava, sempre de forma secreta, ao menos, até outubro.

Mesmo que, em alguns momentos, Vargas mostrasse relação cordial com o governador do Rio Grande do Sul, logo se queixava de ataques que a imprensa florista lhe fazia, das novas tentativas de derrubar Vicente Rao, e de seus pedidos particulares, que englobavam desde questões pessoais até a política de outros estados. “Nenhum desses assuntos coincidia com os interesses do Rio Grande, que estavam a cargo dele,

316 AGV, 04 e 12.02.1936, CPDOC, GV c 1936.02.02; AGV. 24.01.1936, CPDOC, GV c 1936.01.28/2. 317 AGV, 29.04.1936, CPDOC, GV c 1936.04.29/2.

governador”318, respondeu Getúlio Vargas. Sua resposta mostrou que essa ingerência “pinheiro-machadista” de Flores da Cunha em assuntos alheios ao Rio Grande do Sul não iam ter mais nenhum eco junto ao Presidente da República.

Já o govcernador iniciou sua resistência. Atacou, poucos meses após o pacto, o presidente pela imprensa, tentando denunciar as ambições de Vargas em continuar no poder, mas a censura impediu a reprodução desta nota, que “revelava” a ameaça de um perigo contra as instituições, e a necessidade de reforçar o poder civil, afirmando que “infelizmente verificace [sic] que supremo poder civil república inseguro ou fraco inclinace [sic] ceder a imposições ou provoca mesmo intervenções indecisas no alto governo nação na esperança de custa renúncias que fiam traições [para] nele manterce [sic] indefinidamente”. A nota atacou, também, Góis Monteiro e o estado de guerra, este, que enfraquecia o poder civil, o judiciário e o Legislativo: “não só comunismo ameaça [a] existência [do] regime. [...]. Periga constituição, periga democracia, periga nossa existência de povo livre [...]. Rio Grande reclamando encarecendo fortalecimento poder civil tinha e tem sua rasao [sic] de ser”. Esta crítica ocorre logo após Flores da Cunha voltar, inesperadamente, do Rio de Janeiro a Porto Alegre, alegando que tinha sido ameaçado de prisão. Não conhecemos nenhum plano concreto para prendê-lo, e Vargas até ironizou o ocorrido: “causa graça lembrar esse incidente. Não havia ordem alguma de prisão contra ele, nem ameaças de qualquer espécie e eu nem permitiria semelhantes absurdos”.319 Mas, como essa situação foi contemporânea à prisão de Pedro Ernesto, prefeito do Rio de Janeiro, talvez seu receio tenha conexão com isso, já que Flores da Cunha o prestigiou em uma solenidade, momentos antes da prisão.

Ainda assim, no mesmo dia em que Flores tentou lançar ataques contra o governo federal, Maurício Cardoso e Batista Lusardo procurariam Vargas, por intermédio de Armando de Alencar, desembargador da Corte de Apelação do Rio Grande do Sul, para um acordo baseado na Fórmula Pilla. Em troca, propunham a Getúlio o aumento do período presidencial para seis anos, afirmando ter o apoio de todas as correntes políticas, com exceção de Rio Grande do Norte e Bahia. Cardoso e Lusardo, junto com João Neves, pediram pressa para o acordo, por temerem um golpe de Estado partido de militares que conspiravam.320 Vemos, aqui, que três das principais lideranças da FUG enveredavam para acordos com Vargas,

318 VARGAS, op. cit., v. I, p. 474; 479; 480; 483. As reclamações de Flores da Cunha para Getúlio Vargas eram

muito diversificadas. Seus protestos ao presidente iam desde não conseguir uma vaga de médico para um amigo seu, como se queixar de críticas dos perrepistas contra Armando Salles, em São Paulo, ou ir contra a postura de Vicente Rao com a oposição do Maranhão.

319 AGV, 08.04.1936, CPDOC, GV c 1936.04.08/6; CAMARGO et al, op. cit.; AGV, 29.04. 1936, CPDOC, GV

c 1936.04.29/2.

falando em nome da oposição nacional. O presidente, por sua vez, não fechou as portas, mas também não levou o assunto adiante.

Por outro lado, Vargas relatou de forma irônica esse momento: “interessante, curioso mesmo, o Flores dizendo que eu pretendo eternizar-me no governo, e os oposicionistas querendo tomar a iniciativa da prorrogação do meu mandato”.321 De acordo com as memórias de Batista Lusardo, Vargas o assediaria a partir de março de 1936. Convidando-o para um churrasco na casa de Armando de Alencar, pessoa bastante envolvida como intermediador da FUG com o presidente, teria dito para o libertador que era a chance de se vingar do governador gaúcho contra os ocorridos de 1932: “eis a sua oportunidade. Foi ele quem lhe fez aquilo tudo, não eu”322, buscando aproximar-se de mais um líder da FUG. Importante ressaltar esse contato com a oposição gaúcha, pois, se o presidente se aproximava das oposições, fazia isso com reciprocidade. A “afinidade” chegou ao nível de ser convidado para participar do Congresso do PL, atitude muito dissonante das correntes de outros estados que compunham as Oposições Coligadas.

No entanto, além do modus vivendi, outra questão unia a FUG e o PRL: a contrariedade aos abusos em nome da repressão ao comunismo, mesmo que concordassem que o extremismo devia ser combatido. Apesar de todos os movimentos de esquerda já estarem desbaratados, o governo federal, aproveitando-se do recesso parlamentar, suspendeu imunidades parlamentares e prendeu, sem licença do Legislativo, alguns deputados e o senador Abel Chermont, pertencentes ao grupo parlamentar Pró Liberdades Populares, “os mais contundentes críticos do governo no Congresso Nacional”, de acordo com Thiago Mourelle, e que combatiam a Lei de Segurança Nacional. Essas prisões ocorreram sob o argumento de que eles tinham ligações com os movimentos subversivos. A minoria parlamentar alegou inconstitucionalidade do ato, e debates intensos tomam a Câmara dos Deputados.323

Dulce Pandolfi e Mário Grynszpan definiram isso como um movimento para esfacelar “a pequena e aguerrida oposição no Congresso, sobre cuja cabeça começou a pairar como uma espada de Dâmocles”, pois essa prisão aconteceu dois dias depois da decretação do estado de guerra.324 Aqui, havia o receio da oposição em perder suas garantias

321 Idem, p. 496.

322 CARNEIRO, op. cit., p. 194.

323 BALZ, op. cit.; MOURELLE, op. cit., p. 187.

324; PANDOLFI, Dulce Chaves; GRYNSZPAN, Mario. Da revolução de 30 ao golpe de 37: a depuração das

constitucionais, buscando preservar-se, para não sofrer nenhuma retaliação por fazer oposição ao governo.

Ou seja, vemos que o contexto era de aprofundamento da crise política, no cenário nacional. As oposições, no parlamento, se articulavam para resistir às medidas centralizadoras que partiam do governo central, procurando, com os acordos, impedir isso. As tratativas eram encabeçadas pela FUG, que via com preocupação, da mesma forma que o florismo, essa escalada repressiva sobre a bancada oposicionista. Nesse sentido, no dia 5 de abril, a bancada do PRL na Câmara Federal emitiu uma nota concordando com a repressão ao comunismo, mas pregando o fortalecimento do poder civil e defendendo o resguardo das imunidades parlamentares. Na mesma semana, o secretariado estadual e o governador fizeram uma deliberação semelhante, apoiando igualmente o governo federal no combate ao extremismo e na salvaguarda das instituições vigentes. Todavia, exprimia ressalvas a quaisquer medidas que viessem a invalidar ou a cercear imunidades parlamentares e “garantias existenciais do regime republicano”. Também no Legislativo, o deputado Adolfo Peña colocaria em votação uma moção de apoio ao secretariado, ratificando os pontos levantados por este, e ressaltando a observância as leis, sendo ela aprovada pela casa.325

Ou seja, havia um claro ponto de contato entre os frenteunistas e o florismo contra Vargas, nesse quesito, que poderia provocar uma união mais sólida contra as “arbitrariedades” do executivo federal, não fosse à insistência de alguns membros da FUG em buscar a pacificação nacional.

A oposição parlamentar tentaria duas formas de pacificação com Getúlio Vargas: uma no acordo da Fórmula Pilla, que citamos há pouco, e outro através de uma trégua parlamentar. A primeira tentativa, elaborada pela FUG, previa, entre outros, a devolução das imunidades, participação das oposições no executivo, e formação de acordos nos outros estados, como ocorreu no Rio Grande do Sul. Em troca, haveria a extinção dos ataques ao governo e o protelamento das discussões sucessórias. Mas este projeto acabou não alcançando apoio suficiente dentro dos blocos situacionista e oposicionista, pois os governadores de São Paulo, Bahia, Minas Gerais e Santa Catarina eram avessos a um modus vivendi em seus estados.326

Alguns deles, como Juracy Magalhães e Benedito Valadares, eram veementemente contra acordos com as oposições de seus estados. O primeiro julgava ferir a autonomia federativa, não sendo espontâneo, como foi no estado sulino. Já o segundo se negava a mexer

325 A Federação, Porto Alegre, HDBN, 06 e 07.04.1936; TRINDADE, op. cit., 1980, p. 351-353. 326 CAMARGO et al., op. cit.

na constituição mineira, e só faria se a oposição aderisse ao programa e aos propósitos políticos do situacionismo327, exemplificando a baixa adesão da fórmula entre o governo dos outros estados.

Já a trégua parlamentar diferia, pois abandonava a ideia de participação das oposições no governo e de estabelecimento de acordos nos estados. Se manteve apenas o adiamento do debate sucessório e o restabelecimento das imunidades parlamentares. Previa a formação de uma Comissão Mista para estudar as medidas legislativas de cunho administrativo solicitadas pelo governo, e analisar as reclamações regionais relativas à liberdade de propaganda eleitoral, para assegurar o voto. Além disso, propunha que demissões de civis e militares decorrentes dos acontecimentos de novembro fossem convertidas em suspensões temporárias. Mas, em meio a estas negociações, a Sessão Permanente do Senado Federal concedeu licença para processar os parlamentares presos, e legitimava as prisões já realizadas. Buscaria João Neves, em função desse impasse, um acordo informal com o presidente, um caminho mais fácil de abrir se Vargas restabelecesse as imunidades e a soltura dos parlamentares presos. Em troca, a oposição oferecia a cessação dos ataques ao governo e o adiamento do debate sucessório. Nesse sentido, quando foram reabertos os trabalhos legislativos, Vicente Rao leu o decreto presidencial restabelecendo as imunidades parlamentares, excetuando-se os parlamentares já presos328, acalmando, naquele momento, as Oposições Coligadas, que partiram em uma cruzada contra a perda de garantias constitucionais dos parlamentares.

Consequentemente, também acalmou a FUG e o PRL, e evitou maior aproximação entre eles. Vargas tinha receio de que, recusando o tempo todo as propostas frenteunistas, gerasse um alinhamento em peso contra seu governo, no Rio Grande do Sul. Quando a comissão composta por Bernardes, Lusardo e Maurício se apresentou a Vargas, e propôs ocupar as pastas da Fazenda, do Trabalho e da Justiça, o presidente negou totalmente, afirmando estar “fora dos moldes das conversações anteriores”. Mas relatou que ficou apreensivo não com o fracasso do acordo, “mas porque isso acarretaria a união das oposições com o Flores. A atitude inconveniente deste, sua falta de lealdade, fazem prever a existência de um plano já concertado, ou muito provável, dele com a oposição”.329 Até porque esta proposta, apoiada pelo governador, foi elaborada em conjunto com ele, antes de enviar ao

327 AGV, 27.04.1936, CPDOC, GV c 1936.04.27/1; AGV, 04.1936, CPDOC, GV c 1936.04.00. 328 CAMARGO et al., op. cit.

329 VARGAS, op. cit., v. I, p. 498-504; João Neves declarou que “a única novidade em torno do assunto consiste

na sugestão do sr. Borges de Medeiros, apoiada pela Frente Única e, também, pelo general Flores da Cunha, da votação duma lei semelhante à que vigora no Rio Grande do Sul, atribuindo, por força de suas disposições, a representação no governo federal a todas as correntes representadas na Câmara, na proporção de seu número”.

presidente. Por isso, Vargas adotava cautela e procrastinação com acordos, para não perder de vista a FUG para Flores da Cunha.

Já Flores da Cunha ainda mantinha o PRL sob o lema “nem apoio incondicional, nem oposição sistemática” a Vargas. Nesse sentido, João Carlos Machado, convidado para participar da reunião da maioria para a escolha do presidente da Câmara, comunicaria ao governador sua participação na reunião e seu apoio a Antônio Carlos, embora alertasse que a eleição de Pedro Aleixo era quase certa, para aquele posto. Em relação a isso, Flores era enfático: concordava com o comparecimento do líder do PRL na Câmara, mas avisava que se “a representação voltar a dar apoio incondicional ao governo, ou eu ou ela estaremos fora do