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O acirramento das divergências com o governo provisório

2. A POLÍTICA GAÚCHA NA INTERVENTORIA FLORES DA CUNHA:

2.2 DERRUBAR O PAULISTA, E DEPOIS O GAÚCHO: AS CAMPANHAS ARMADAS E A

2.2.2 O acirramento das divergências com o governo provisório

Não obstante, o fato destas divergências e contradições aflorarem nos primeiros meses de governo provisório está concatenado com o próprio perfil dos revolucionários, que foi

In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil Republicano: O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. Um estudo mais detalhado sobre o tenentismo na década de 1930 é o de PRESTES, Anita Leocádia. Tenentismo pós-30: Continuidade ou ruptura? Rio de Janeiro: Consequência Editora, 2014.

63 TÁVORA, Juarez. Uma vida e muitas lutas. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1974, v. II. Oswaldo

Aranha a Borges de Medeiros. 03.1931. In: SILVA, Hélio apud NOLL, Maria Izabel. Partidos e política no Rio

Grande do Sul (1928-1937). Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Universidade Federal do Rio Grande

do Sul, Porto Alegre, 1980.

64 Para Góes Monteiro, o fracasso das organizações tenentistas ocorreu devido à resistência da FUG, do Partido

Democrático de São Paulo, do PRM e de outras organizações revolucionárias, além da própria resistência por parte de outras agremiações políticas derrubadas em 1930, e a incompreensão de elementos revolucionários e extremistas, sobretudo no Rio, e dos “exageros” e das “demagogias” que desmoralizaram sua ação, ao querer intervir no Exército. Cf. MONTEIRO, op. cit., p. 198-200.

65 Entrevista de Mem de Sá a Hélgio Trindade. Fita cassete (Transcrição). Porto Alegre, 1977. Arquivo

NUPERGS. Porto Alegre. NUPERGS. Mem de Sá ainda afirma que a opção de Pilla por uma Junta Militar

derivaria do fato de não confiar em Getúlio, por ser um borgista que participou da Comissão acusada de fraude em 1923. Afirmações semelhantes se encontram também nas memórias de João Neves da Fontoura, quando declara que Pilla discordava do movimento revolucionário em impor o nome de Getúlio Vargas, mesmo que concordasse serem as eleições viciadas pela fraude. Por isso, defendia uma Junta que preparasse eleições honestas, com garantia de voto secreto e da formação uma Assembleia Constituinte. Cf. FONTOURA, op. cit., 1963, p. 440.

marcado por sua heterogeneidade. Pois, de acordo com Thomas Skidmore, podemos dividir os membros da “Revolução” de 1930 em três grupos: revolucionários, não revolucionários e partidários, sendo o primeiro nosso objeto de explanação, em função da crise no seio político regional, que o conflito entre estes ocasionará. Eles estarão subdivididos em duas coalisões: os constitucionalistas, defensores de eleições livres, governo constitucional e plenas liberdades civis, e pelos nacionalistas semi-autoritários, cujas preocupações eram aquilo que chamavam de “regeneração nacional” e modernização, buscando através de políticas não democráticas modificações sociais e econômicas, sendo representado, sobretudo, pelos tenentes.66 O receio de eleições cedo demais era por acreditar que as máquinas políticas estaduais manipulariam os pleitos em benefício próprio.

Porém, uma série de insatisfações da política gaúcha até 1932, como a contrariedade às legiões, a defesa da escolha de um interventor civil e paulista para São Paulo, a repulsa ao ataque sofrido pelo Diário Carioca, sem punição enérgica, até o rompimento e a adesão ao movimento armado estarão concatenadas com o desejo de constitucionalizar o país. Isso porque todas estas dificuldades eram vistas como consequência do regime provisório. A afirmativa de Raul Pilla é bastante ilustrativa nessa questão, dizendo que a constitucionalização é um “remédio de urgência, por ser o único capaz de deter a fermentação que se nota em certos meios. Quanto mais ela demorar, maiores se tornarão as possibilidades de um golpe de força e mais se irão robustecendo os elementos reacionários, que a revolução depôs”.67

No entanto, o posicionamento favorável em avançar em direção à constituinte não foi menor no Partido Republicano Riograndense. Nesse sentido, Lindolfo Collor alertava João Neves da Fontoura da necessidade de congregar todos os elementos políticos com a mesma identidade acerca do assunto, visando à fundação de uma grande corporação de forças estaduais, onde deveria nascer a “Aliança Constitucional do Brasil”, uma agremiação de âmbito nacional que defendesse a transição para o regime constitucional.68

A pressão da Frente Única Gaúcha em relação ao tema atingiu também o interventor, que, ao se dirigir a Oswaldo Aranha, relatou a intransigência de Borges de Medeiros, que negava qualquer prorrogação do período discricionário. Já o próprio Flores da Cunha

66 SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco. (1930-1964). Rio de Janeiro: Editora Paz

e Terra, 1976. Todavia, essa divisão deve ser vista com cautela ao ser levada em conta para o movimento armado de 1932, já que nem todos os constitucionalistas aderiram à revolução. Alguns, como Flores da Cunha, ficaram ao lado do governo provisório, assim como Assis Brasil que adotou uma postura conciliatória, sendo contrário a qualquer solução armada.

67 AGV, 17.01.1931, CPDOC, GV c 1931.07.17. 68 AFC, 07.05.1932, NUPERGS, doc. s/n.

defendia, publicamente, duração máxima de um ano e meio do regime provisório.69 Sem dúvida, o fato de Borges de Medeiros se posicionar contrariamente à prorrogação do governo provisório era motivo de alento para Vargas. Mesmo não sendo mais governador do estado, com 70 anos e fora da política institucional, o posicionamento de Borges de Medeiros possuía grande influência nas fileiras da FUG.70 Já Getúlio Vargas mantinha o alinhamento com os tenentes de procrastinar ao máximo a constitucionalização do país.

Após as tensões entre o governo provisório e a política regional, Getúlio Vargas publicou o Código Eleitoral, em 11 de setembro de 1931. Mas São Paulo ainda estava sendo governado por João Alberto, um interventor que não era civil nem paulista. O Partido Democrático Paulista conseguiu sua substituição por Laudo Camargo, que atendia a essa reivindicação do partido, mas que acabaria sendo expulso pelos tenentes, reacendendo os ânimos constitucionalistas, e rompendo a efêmera trégua que o Código Eleitoral estabeleceu. A Frente Única Gaúcha reagiu a esta atitude, reunida em Cachoeira do Sul, e ratificou o apoio dos gaúchos a Vargas, mas exigindo o alistamento eleitoral e um novo interventor civil para São Paulo. A partir dessa situação, Flores da Cunha teria supostamente mobilizado dois corpos provisórios, com mil homens cada, em alguns municípios, com aproximadamente três mil armas para marchar contra o governo federal.71

As lideranças estaduais destacaram, para atingir seu objetivo, o papel que tiveram na Revolução de 1930. Foram frequentes as missivas trocadas entre a elite partidária regional e Vargas defendendo o papel que o Rio Grande do Sul teve no movimento armado, reivindicando o direito dos partidos gaúchos de intervir nas decisões tomadas pelo governo central, e de ponderar nas deliberações sobre o governo provisório. Por outro lado, esta pressão tinha como consequência a frequente esquiva de Vargas.

Em carta a Borges de Medeiros, Raul Pilla declarou que ninguém poderia ignorar o papel do Rio Grande do Sul na campanha liberal e no movimento revolucionário, cabendo, por isso, ao estado a responsabilidade máxima na formação do governo provisório. Em missiva de Antunes Maciel Jr., este alegou que “o Rio Grande fez a Revolução e ainda sangra, porque a fez. O Rio Grande é o fiador da vitória”. Já Vargas desviava, exclamando que, caso

69 VARGAS, Getúlio. Diário. São Paulo: Siciliano; Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1995, vol. I;

Correio do Povo, Porto Alegre, MCSHJC, 06.03.1931.

70 João Neves da Fontoura, ao explicar o título do primeiro volume de suas memórias, ressalta a “incontestável

influência que S. Excia exerceu mesmo quando se achava distante do poder e até no ostracismo ou no exílio”. FONTOURA, João Neves da. Memórias: Borges de Medeiros e seu tempo. Porto Alegre: Editora do Globo, 1958.

71 CORTÉS, op. cit.; FONTOURA, João Neves da. Accuso! Rio de Janeiro: [s. n.], 1933. Segundo João Neves da

cedesse às coações vindas do Rio Grande do Sul, abriria um mal precedente. Isso fez Pilla acreditar que o governo provisório não pensava em convocar uma Assembleia Constituinte. Esta procrastinação, para Raul Pilla, era interpretada como uma atitude que levaria o país a “catástrofe”.72

Vargas nomeou Maurício Cardoso para Ministro da Justiça, que acelerou os trabalhos, entregando a lei eleitoral em 26 de janeiro de 1932. Isso foi visto com muita euforia pela FUG, que avaliava ter Maurício Cardoso uma “estrada aberta para marchar. Nenhum requisito lhe falta, inclusive a amizade pessoal com os extremistas”.73 Mas a imaginada trégua por parte da FUG não existiu. O PDP, que se viu alijado do poder em São Paulo, rompeu com Vargas, em 13 de janeiro de 1932, tendo a solidariedade dos velhos aliados libertadores no Rio Grande do Sul, causando o desapontamento do chefe do governo provisório. O PRP e a Liga de Defesa Paulista se uniram aos democráticos paulistas em fevereiro, formando a Frente Única Paulista. Getúlio Vargas, pressionado, promulgou o Código Eleitoral em fevereiro de 1932.74

No mesmo mês, um grupo de tenentes empastelou o jornal Diário Carioca, que apoiou a Aliança Liberal, mas se colocava a favor da constitucionalização do país. Essa conjuntura levou Getúlio Vargas a uma encruzilhada: o ministério da guerra sabia que os oficiais estavam dispostos a atacar outros jornais, enquanto os periódicos de São Paulo, Rio Grande do Sul e outros estados suspenderam as publicações por 24 horas, em protesto. Ainda, ele desabafou: “tenho que me decidir entre as forças militares que apoiam o governo e um jornalismo dissolvente”.75 A tensão entre a FUG e Getúlio Vargas atingiu o ápice quando o Palácio do Catete não apurou o caso, como os frenteunistas desejavam, desconfiando até mesmo da participação de pessoas ligadas ao governo central no atentado. Como forma de pressão, membros gaúchos do governo realizaram o “ato demissionário”, entregando seus cargos de ministros e os demais postos, com apoio imediato de Borges e Pilla.76

A FUG mandaria, como forma de pressionar o governo provisório, duas listas de exigências a Vargas. A primeira um heptálogo, e a segunda um decálogo, onde se exigia

72 AFC, 06.06.1931, NUPERGS, doc. nº 003/382; Getúlio Vargas a Raul Pilla, 21.01.1932; Maciel a Getúlio

Vargas, 09.10.1931 apud ELÍBIO JÚNIOR, Antônio Manoel. A construção da liderança política de Flores da

Cunha: Governo, História e Política. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas,

Campinas, 2006.

73 ARP, 13.12.1931, NUPERGS, doc. nº 002/202.

74 CORTÉS, op. cit.; CARONE, Edgar. A República Nova (1930-1937). Rio de Janeiro/São Paulo: DIFEL, 1976. 75 VARGAS, Getúlio. Diário (1930-1936). São Paulo: Siciliano; Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1995,

v. I, p. 92.

76 Os membros eram Lindolfo Collor, Batista Lusardo, Ariosto Pinto, João Neves da Fontoura, Fernando Nunes,

liberdade de imprensa, inquérito sobre o Diário Carioca, a formação de um gabinete de concentração, e eleições para a Assembleia Constituinte, dentre outras pautas.77 A primeira resultou em algumas ponderações, mas a segunda foi totalmente desconsiderada por Getúlio Vargas, que via a lista como “termos rígidos e intransigentes, quase inamistosos dirigidos ao Chefe da Nação e a um ex-presidente do Rio Grande do Sul. Nos termos em que essas declarações estão feitas não posso tomar conhecimento nem discuti-las”. Getúlio Vargas também questionava o apoio restrito que o heptálogo trouxe, “com o fim de cumprir suas ordens”. E, também, ironizava, insinuando que a FUG desejava que o governo provisório se “desmanchasse em zumbarias e agradecimentos, como se tivesse recebido maná caído [sic] do céu, quando apenas me ofereciam uma tutela disfarçada com o título de apoio e outorgada justamente por aqueles que somente me hostilizam”.78

A resposta ao governo provisório, por outro lado, não foi menos hostil. Mesmo não se negando a cumprir as objeções do heptálogo, Raul Pilla e Borges de Medeiros responderam a Vargas, de forma conjunta, que “não nos interessa que o governo cumpra com o Rio Grande ou sem o Rio Grande [os tópicos do heptálogo], mas que as cumpra”, e que o apoio à ditadura estaria “irredutivelmente condicionado a aceitação in-totum das estipulações constantes do preâmbulo e do heptálogo em sua forma definitiva”.79 Enquanto isso, Getúlio Vargas procurou se armar, com a compra de metralhadoras para o Exército e o envio de tropas federais para São Paulo, delegando ao novo ministro Espírito Santo Cardoso a missão de unificar, disciplinar e armar o Exército.

Todavia, como se posicionou o interventor federal José Antônio Flores da Cunha e qual seu papel nas crises sucessórias do pós-30, que culminariam com o movimento armado que eclodiria em 1932? Analisando a troca de telegramas entre as lideranças políticas do período, podemos concluir que Flores da Cunha foi um intermediador entre FUG e governo provisório, mantendo intenso contato com Oswaldo Aranha, que atuava como porta-voz de Getúlio Vargas.

Apesar de Flores da Cunha ser o interventor do estado, as questões políticas fugiam ao seu controle. Definitivamente, os primeiros anos de interventoria no Rio Grande do Sul não significaram controlar o PRR e a política regional. Por isso, o PL de Pilla e o PRR de Borges se mantiveram, de um modo geral, independentes de Flores da Cunha. Quando o contexto político esteve mais acalorado, e as rivalidades com o governo provisório tomaram níveis

77 PESAVENTO, Sandra Jatahy. RS: A economia e o poder nos anos 30. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980. 78 AGV, 06.06.1932, CPDOC, GV c 32.06.06/1; AGV, 19.03.1932, CPDOC, GV c 32.03.19/1.

mais fortes, Flores da Cunha oscilou: o interventor alertava que não romperia com Getúlio Vargas, permanecendo no comando do estado e mantendo a ordem. No entanto, afirmava que renunciaria depois ao cargo, e se somaria ao PRR como correligionário comum. Enquanto isso, Oswaldo Aranha procuraria manter Flores da Cunha fiel ao governo provisório. Em suma, Flores da Cunha não possuía controle nas decisões das organizações político partidárias, mas após o início da revolta, em julho de 1932, passaria a ter um papel decisivo para os dois lados em conflito.

Obviamente, também seria temeridade afirmar que o interventor estivesse alheio e à revelia ou indiferente às ações que tomavam as lideranças políticas dos partidos estaduais. Em telegrama a Oswaldo Aranha, Flores da Cunha alertou sobre o receio de um rompimento dos libertadores com o governo provisório, em que a situação ganharia “tons de gravidade indissimulável”. Ainda por cima, alertava que “a nomeação de um novo interventor militar seja para o estado que for desencadeará a tempestade – Libertadores e republicanos não tolerarão que isso se faça [...] diga tudo isso a ele [Getúlio] – aqui a coisa vai ficando preta – Lembrem-se desta terra e desta gente!”.80 A partir deste telegrama, podemos perceber que Flores da Cunha mantinha Oswaldo Aranha alerta sobre os acontecimentos políticos, atuando como informante das contendas regionais.

A posição dúbia de Flores da Cunha fica evidente em telegrama enviado a Borges de Medeiros. Ele afirmava que, quando as divergências com o governo provisório tornarem sua situação insustentável à frente da interventoria estadual, iria “depor nas mãos dos meus amigos no Rio o posto que ora ocupo para depois reingressar, como simples soldado, nas fileiras do meu partido, sob as ordens de V. Ex.ª”.81

Outro processo envolvendo Flores da Cunha se deu através da tentativa de nomeá-lo ministro da justiça, antes de estourar o movimento armado, e posterior à ação demissionária coletiva dos ministros gaúchos. A nomeação de Flores da Cunha como ministro simbolizaria o início do reatamento entre os frenteunistas com o governo de Vargas. Neste sentido, também as questões políticas deveriam ficar na alçada do ministro, que organizaria um ministério de concentração política, enquanto a FUG exigia que seu substituto fosse da concórdia das chefias do PL e PRR, que organizaria o novo governo, “em plena concordância com as chefias dos dois partidos”, defendendo para isso a escolha de Maurício Cardoso. Já

80 AFC, s. d. NUPERGS, doc. nº 003/1038. 81 AFC, 19.01.1932, NUPERGS, doc. nº 465.

Vargas, Flores e Oswaldo Aranha postulavam o nome de Chico Flores, irmão do então interventor, após Aranha ser descartado para o cargo.82

Todavia, a nomeação de Maurício Cardoso para interventor, com o apoio de Vargas, e com um acordo prévio da elevação de Flores da Cunha ao Ministério da Justiça só poderia ser feita se fosse atendida uma série de exigências feitas por ele. Dentre elas a explícita reivindicação pela autonomia dos estados perante o governo central, sua nomeação com a anuência da FUG e de Flores da Cunha, e a defesa da ideia de reconstitucionalizar imediatamente primeiro o Rio Grande do Sul, revogando a constituição de 14 de Julho, e os demais estados, começando o processo por etapas. Só depois disso se começaria o processo em nível federal.83 Com um tom bastante impositivo, somado o antecedente de ter sido um ministro demissionário no caso do Diário Carioca, a hipótese de Maurício Cardoso suceder Flores da Cunha foi descartada por Vargas.

Mas, por outro lado, certamente Flores da Cunha, ao propor o nome de seu irmão para a interventoria, procuraria não perder o controle da máquina estadual, enquanto assumiria o ministério de maior relevância política naquele momento. A fórmula de pacificação com Flores da Cunha compondo o ministério chegou a ser dada como certa por João Neves da Fontoura, recuando posteriormente com Pilla, Sinval Saldanha, Maurício Cardoso e Borges de Medeiros.

Eles apelaram para Flores da Cunha não aceitar o ministério84, apesar de que, antes mesmo dessa desistência, o próprio interventor já teria passado a desconfiar das ações da FUG, desabafando a Oswaldo Aranha: “[Raul Pilla] começa [a] esboçar desejos de que eu aceite [a] pasta [da] justiça constando também Collor e Lusardo, [que] já agora inclinam para essa solução. Isso quer dizer que me querem ver pelas costas! Será para manobrar a vontade? Chi ló Sá!”.85

Em contrapartida, a atitude dos líderes políticos regionais leva Oswaldo Aranha a lamentar o ocorrido: “não somos os culpados pela não realização do acordo, como és testemunha. Tudo falhou por questiúnculas de homens e nomes e não por orientação”. Em

82 ARP, 22.06.1932, NUPERGS, doc. nº 002/218. 83 AGV, 16.06.1932, CPDOC, GV c 1932.06.16.

84 Nesse sentido, um telegrama enviado por Antunes Maciel a Vargas, em março de 1932, apelou para a

nomeação de Flores da Cunha, pedindo para que Vargas “prestigie o seu governo com essa individualidade laureada e idolatrada, no Rio Grande, e terá dado um tiro no ouvido dos ultramontanos”. Ainda alega que, caso Flores estivesse nas negociações, “estaria tudo arrumado, a esta hora”. Exaltando o interventor, disse Antunes Maciel que “Flores tem sido um autêntico herói nestes dias de confabulações atribuladas, entre intrigas e despeitos. Se a conciliação for realizada, seu prestígio se enfeitará de mais uma radiante láurea”. AGV, 09.03.1932, CPDOC, GV c 32.03.09/3.

contrapeso, no seio da crise, Flores da Cunha dá primeiramente a palavra a Oswaldo Aranha, quando afirma que manterá a ordem, “custe o que custar”.86 No mesmo dia, em outra missiva, manteve a oscilação entre FUG e Vargas, afirmando que, caso faltasse o apoio dos partidos rio-grandenses, deixaria o cargo, mas pleitearia a harmonização entre as correntes em dissídio, e manteria a ordem dentro do estado.87 Ou seja, não permitiria a eclosão de nenhum

movimento armado.

Além de dar sinais de independência em seu posicionamento, ressaltou o desejo de se encontrar com Borges de Medeiros, e aconselhou Vargas a fazer o mesmo:

Não me deixarei arrastar se não para onde eu quiser que é o bem. Sei [que o] Dr. Borges [está] animado [com as] melhores intenções em relação [ao] Getúlio ao qual deseja dar leal apoio. Talvez fosse conveniente sumamente conveniente que Getúlio hoje mesmo mandasse qualquer palavra ao Dr. Borges esclarecendo sobre assuntos em tela.88

Flores da Cunha procurou pressionar Oswaldo Aranha novamente, visando a favorecer o irmão, para que fosse nomeado, agora, ao cargo de ministro da guerra. Assim, Flores da Cunha afirmava que estaria “ganha à partida e vitorioso o nosso Getúlio”. Ainda afiançava que estavam “todos solidários contra a mazorca”, e, em tom eufórico, exclamava: “o nosso Getúlio deve estar contentíssimo comigo, porque, afinal, ainda uma vez não deixei que o esmagassem, como seria o desejo de muitos. [...] Em mim se pode confiar!”.89

Flores da Cunha havia, supostamente, definido um casus belli para participar do movimento armado ao lado dos paulistas, prometendo tomar lado a favor da sublevação se ocorresse qualquer uma das três hipóteses: caso Andrade Neves fosse afastado do comando da 3ª Região Militar; se o general Klinger fosse afastado, ou caso o secretariado paulista fosse