• Nenhum resultado encontrado

POLÍTICA REGIONAL NA DÉCADA DE 1920: BREVES APONTAMENTOS

2. A POLÍTICA GAÚCHA NA INTERVENTORIA FLORES DA CUNHA:

2.1 POLÍTICA REGIONAL NA DÉCADA DE 1920: BREVES APONTAMENTOS

A política do Rio Grande do Sul, durante a Primeira República, se caracterizou pelo recurso ao uso da força e da violência, por certa bipolarização política e por ser comandada de forma centralizada pelo Partido Republicano Rio-grandense. Com a queda do regime

38 Neste trabalho, “partido” será entendido como agrupamentos de pessoas que visam a “conquistar e preservar o

poder”, conforme Motta. Além dele, para não considerar de forma tão simples aquilo que é extremamente complexo, levamos em consideração a assertiva de Serge Berstein. Para este autor, um partido é o lugar em que ocorre a mediação política e, “entre o programa político e as circunstâncias que o originam, há uma distância considerável, porque passamos então do domínio do concreto para o do discurso, que comporta uma expressão das ideias e uma linguagem codificadas. É no espaço entre o problema e o discurso que se situa a mediação política e esta é obra das forças políticas, que tem como uma de suas funções primordiais precisamente articular, na linguagem que lhes é própria, as necessidades ou as aspirações mais ou menos confusas das populações. Por isso a mediação política assume o aspecto de uma tradução e, como esta, exibe maior ou menor fidelidade ao modelo que pretende exprimir”. Para ele, um partido também pode ser definido como “uma reunião de homens em torno de um objetivo comum”, composto por gerações distintas. Cf. MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Introdução

à história dos partidos políticos brasileiros. Minas Gerais: UFMG, 1999, p. 11; e BERSTEIN, Serge. Os

monárquico, o PRR ganhou, gradualmente, espaço, construindo sua supremacia no controle estadual, com a vitória republicana-castilhista na Guerra Civil de 1893. Já os gasparistas, arregimentados no Partido Federalista, com a mudança de regime, passaram a ser uma oposição bastante forte, mas deparando-se com uma tomada de poder por parte dos republicanos que durará por quase quatro décadas. Assim, o Rio Grande do Sul passou por toda a Primeira República com o embate entre estas correntes partidárias, circunstância que lhe enfraquecia no cenário político nacional.39

As disputas políticas violentas entre estas duas correntes ficam evidentes, por exemplo, na passagem de um pequeno livro escrito em 1936, onde o autor proclamava que "no Rio Grande do Sul, onde de longa data os partidos tradicionais se digladiam com uma impetuosa sanguinária – ter um partido, não indica apenas possuir adversários políticos, mas sim, frequentemente, inimigos de morte".40 Apesar de afastada das instâncias de poder e barrada pela máquina burocrática do PRR, o trabalho Qual é o Jogo?, do historiador Marco Antônio Medeiros da Silva, destaca a força da oposição federalista, capaz de arregimentar duas revoluções em momentos de crise, reforçando a polarização e a radicalização política no estado.41

Nos principais momentos de mobilização, como as revoluções e as eleições de 1907 e 1922, os parlamentaristas contaram com a aliança de republicanos dissidentes, que, de modo geral, nunca aceitaram a carta de 1891, a qual, permitindo um centralismo exacerbado, possibilitava a reeleição ilimitada ao presidente do estado, com ¾ do eleitorado, possibilitando a Borges de Medeiros ter sido o presidente de estado que mais tempo governou, em toda a Primeira República.42 A formação desses dois blocos políticos fortes e coesos, na visão de Maria Campello de Souza, seria decisiva para enfraquecer o Rio Grande do Sul perante Minas Gerais e São Paulo, durante as decisões presidenciais na Primeira República.43

Procurando fortalecer a união entre federalistas e republicanos dissidentes, no ano de 1924 ocorrerá a fundação da Aliança Libertadora, que consolidava a unidade entre as oposições em combate ao borgismo. A Aliança Libertadora teve duração efêmera, até a

39 LEVINE, Robert. O Rio Grande do Sul como fator de instabilidade na República Velha. In: FAUSTO, Bóris

(org.). O Brasil Republicano. São Paulo: Difel, 1975.

40 RIBEIRO, K. P. Porque morreu Waldemar Ripoll. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco Filho Editor, 1936, p. 29. 41 SILVA, Marco Antônio Medeiros da. Qual é o jogo? Um inventário dos discursos sobre a estrutura

socioeconômica da campanha rio-grandense. Porto Alegre: FCM, 2014.

42 LOVE, Joseph. O Regionalismo Gaúcho e as origens da Revolução de 1930. São Paulo: Perspectiva, 1975. 43 SOUZA, Maria do Carmo Campello de. O processo político-partidário na Primeira República. In: DIAS,

fundação do Partido Libertador, em 1928, mas sua pequena duração já foi capaz de delinear nova postura de uma oposição que, até então, vivia no ostracismo político. Em 1927, liderada por Assis Brasil, a Aliança Libertadora funda um bloco de oposição nacional, o Partido Democrático Nacional, em conjunto com o Partido Democrático Paulista, mas que acabaria não tendo maior projeção nacional, como se esperava. Ainda assim, consolidou uma aproximação bastante consistente entre as oposições regionais dos dois estados, durante alguns anos.44

Mesmo que, em março de 1928, a Aliança Libertadora desse lugar a uma agremiação partidária, a aproximação com os paulistas não deixaria de existir. A fundação do Partido Libertador ocorreu, apesar das dificuldades na formação de um programa uníssono entre republicanos dissidentes e federalistas em nível regional, com as “divergências irredutíveis da doutrina [que] eclodiram com a velha pujança de quase 40 anos de antagonismo”, mantendo, ainda, o apoio ao presidente estadual, Getúlio Vargas, do PRR.45

Pelo lado republicano, a Guerra Civil de 1923 simbolizou a ascensão de novas figuras no PRR. Em contrapartida, muitos dos republicanos históricos já tinham idade avançada, e a própria composição do partido era formada por jovens republicanos. Essa geração é a que galga grandes postos na política nacional: quatro se tornariam ministros, um interventor e governador, e Vargas foi alternadamente presidente estadual, da república e ditador, estes dois últimos, por 19 anos somados. Exceto Lindolfo Collor, todos eram advogados, e quatro haviam sido diplomados na Faculdade de Direito de Porto Alegre. Apesar da juventude, não eram inexperientes, pois cinco haviam sido intendentes de seus municípios de origem, e todos haviam integrado a Assembleia Estadual. Quatro estiveram na Guerra Civil de 1923, e três defenderam o governo borgista na convenção do PRR. Seis deles foram, em 1928, deputados federais, e no mesmo ano ocuparam cargos no executivo, atingindo, conforme Joseph Love, uma promoção bastante rápida em postos de responsabilidade cada vez maiores.46

Após Borges de Medeiros transigir, a escolha recaiu em Getúlio Vargas, para sucedê- lo.47 Sua escolha, por outro lado, contou com a adesão da oposição, que utilizava a retórica de que a Aliança Libertadora contestava o continuísmo, mas não nomes. Já Getúlio, sabedor que uma aproximação mais radical com a oposição poderia naufragar sua candidatura, se manteve em uma postura conciliatória, buscando cooptar a política gaúcha em seu favor. Foram, então,

44 CARNEIRO, Glauco. Lusardo, o último caudilho – Entre Vargas e Perón. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,

1978.

45 SÁ, Mem de. A politização do Rio Grande. Porto Alegre: Tabajara, 1973, p. 67. 46 LOVE, op. cit., 1975, p. 234.

eleitos como candidaturas únicas, em novembro de 1927, Getúlio Vargas, como presidente estadual, e João Neves da Fontoura sendo seu vice. Os libertadores mantiveram sua postura amistosa com Vargas, afinal os novos tratamentos recebidos deram-lhes maior raio de ação, vencendo eleições municipais em 1928, com a intervenção pessoal de Getúlio contra resistências locais para transferir o cargo a membros do PL. Além disso, convidou os libertadores a visitar o Palácio do Governo, e lhes garantiu uma sétima cadeira na Assembleia dos Representantes, quando, até então, possuíam direito a seis assentos. Ou, nas palavras de Mem de Sá, “Getúlio começou a passar mel nos beiços ressequidos da velha maragatada e dos novos libertadores”.48

2.2 DERRUBAR O PAULISTA, E DEPOIS O GAÚCHO: AS CAMPANHAS ARMADAS