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A FRANÇA DURANTE A OCUPAÇÃO NAZISTA

PARTE II – ANTÍGONA NO CONTEXTO DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

2.1 A FRANÇA DURANTE A OCUPAÇÃO NAZISTA

De setembro de 1939, quando Grã-Bretanha e França declaram guerra à Alemanha, a maio de 1940, quando este país começa uma ofensiva contra Bélgica, Holanda e França, estabelece-se um período que ficou conhecido na França como drôle de guerre, uma falsa guerra, visto que foi um período sem confrontos. No dia 10 de maio de 1940, a Alemanha, sob o governo nazista de Hitler, invade a França. Exatamente um mês depois, o governo francês deixa a capital Paris, que será ocupada pelos alemães no dia 14 de junho, e instala-se em Bordeaux (para posteriormente se estabelecer em Vichy).

Essa derrota do exército francês em poucas semanas, do exército vitorioso da Primeira Guerra Mundial, é um fato ainda mal resolvido na história do país. Marc Bloch, historiador e oficial francês, tendo participado das duas grandes guerras, escreve, em 1940, um livro testemunho intitulado L’étrange défaite (que, no entanto, só foi publicado em 1946, dois anos após sua tortura e fuzilamento pelos alemães). O livro trata das organizações do exército da época e busca entender as razões dessa “estranha derrota”. Sua ideia é de que a própria

85 Disponível em:

http://www.catalogue.archives.nantes.fr/WEBS/Web_VoirLaNotice/34_01/6Fi4006/ILUMP16. Acesso em 31 mar. 2015. O cartaz traz o nome de cinco pessoas, da região de Paris, e abaixo os dizeres, em francês: “foram condenados à morte pela corte marcial por ajuda ao inimigo, tendo participado de uma manifestação comunista dirigida contra o exército alemão. Eles foram fuzilados. Comando militar alemão na França”.

86 “A peça foi escrita em 1941-42, quando exatamente eu não sei mais”.

87 Em diversos momentos, Anouilh faz essa espécie de autorretrato, sempre se colocando como alguém alheio ao

que se passa. Veremos isso mais detalhadamente na seção dedicada ao autor.

88 Essas correspondências são citadas por Bernard Beugnot (in ANOUILH, 2007a, p. 1346) e por Jean-Louis

organização administrativa das forças armadas dificultava a ação do exército francês, colocando em questão se não teria sido mesmo uma vontade do alto comando e das elites francesas a derrota para os alemães para que então se instituísse um regime fascista. Bloch, no entanto, não leva a investigação a termo, mas deixa o caminho aberto:

Le jour viendra [...] et peut-être bientôt où il sera possible de faire la lumière sur les intrigues menées chez nous de 1933 à 1939 en faveur de l’Axe Rome- Berlin pour lui livrer la domination de l’Europe en détruisant de nos propres mains tout l’édifice de nos alliances et de nos amitiés. Les responsabilités des militaires français ne peuvent se séparer sur ce point de celles des politiciens comme Laval, des journalistes comme Brinon, des hommes d’affaires comme ceux du Creusot, des hommes de main comme les agitateurs du 6 février [...]89. (BLOCH apud LACROIX-RIZ, 2006, p. 1-2)

Mais recentemente, Anne Lacroix-Riz, no livro Le choix de la défaite (publicado em 2006), aprofundando-se sobre os questionamentos colocados por Bloch, trata o fato como algo preparado pela direita e pela elite econômica francesa, que se beneficiariam do regime fascista. Nesse sentido, o livro, com quase setecentas páginas, é resultado de uma pesquisa em diversos arquivos da França, liberados após 1999, e visa a responder, dentre outras, às seguintes questões:

Comment comprendre l’engagement des banquiers et industriels français dans la “collaboration économique” avec leurs homologues allemands entre la Défaite et la Libération de Paris sans s’interroger sur la phase précedent ? [...] Éprouvèrent-elles une « divine surprise » en se reagroupant à Vichy, devenu leur club dès juillet 1940, après une catastrophe dont les politiques et les militaires assumaient seuls la responsabilité ? [...] Comment un pays qui avait « tenu » plus de quatre ans dans la Grande Guerre put-il s’effondrer en quelques jours ?90 (LACROIX-RIZ, 2006, p. 1)

É, portanto, uma questão que retorna na narração91 da história da França, ainda como uma polêmica. Como afirma Lacroix-Riz (2006), tratar das estratégias das elites dominantes é

89 “Chegará o dia, e talvez seja em breve, em que será possível iluminar as intrigas levadas por aqui de 1933 a

1939 a favor do Eixo Roma-Berlim para lhe entregar a dominação da Europa, destruindo por nossas próprias mãos todo o edifício de nossas alianças e de nossas amizades. As responsabilidades dos militares franceses não podem se separar neste ponto daquelas de políticos como Laval, de jornalistas como Brinon, de homens de negócios como aqueles do Creusot, de executores como os agitadores de 6 de fevereiro”

90 “Como compreender o envolvimento de banqueiros e industriais franceses na “colaboração econômica” com

seus homólogos alemães entre a Derrota e a Liberação de Paris sem se interrogar sobre a fase precedente? Eles experimentaram uma “divina surpresa” ao se agrupar em Vichy, que tornou-se seu clube desde julho de 1940, depois de uma catástrofe pela qual os políticos e militares assumiram sozinhos a responsabilidade? Como um país que tinha sustentado mais de quatro anos na Grande Guerra pôde se desmoronar em alguns dias?”.

91 Destacamos a ideia da história como narrativa, pois acreditamos que se trata de formas, mais ou menos

objetivas, de abordar os fatos acontecidos, que carregam, inevitavelmente, um ponto de vista de quem narra. Embora esse período da ocupação alemã na França tenha sido bem esmiuçado, principalmente logo após a

muitas vezes visto como entrar em uma teoria da conspiração. Ainda que não possamos afirmar se de fato houve um planejamento da derrota da França, acreditamos que havia, no mínimo, um clima bem favorável à aceitação do regime fascista no país, como veremos mais adiante.

De toda forma, após a invasão alemã, e a visível derrota iminente do exército francês, restava ao governo da França duas alternativas possíveis, entre as quais se dividiram seus principais representantes: a capitulação e o armistício. Como distingue Henry Rousso (2012), a capitulação é um ato militar, por meio do qual o exército admite ter perdido a Guerra, mas no qual o Governo não está implicado, ou seja, ele pode continuar o enfrentamento (de fora do país, por exemplo, se juntando a outros aliados). Já o armistício, mais do que um engajamento militar, é uma medida política: “un choix politique qui engage durablement l’avenir, car il crée un lien essentiel entre la fin des combats et la reconstruction de la nation sous contrôle ennemi”92 (ROUSSO, 2012, p. 12). Enquanto o General Charles de Gaulle preconizava a primeira opção, e de fato tentará resistir junto com a Inglaterra93, Philippe Pétain, acreditando que a guerra já estava no fim, e que, portanto, a Alemanha seria de toda forma vitoriosa, era favorável ao armistício. Em meados de maio, Pétain havia sido convocado por Paul Reynaud, presidente do Conselho da Terceira República Francesa, para ocupar o cargo de vice-presidente. Segundo Rousso (2012), tratava-se de uma estratégia para reforçar a luta dos franceses, visto que Pétain havia sido um grande ícone durante a Primeira Guerra, notadamente por comandar uma parte do exército vitorioso – contra os alemães, vale lembrar – na batalha de Verdun. Agora com 84 anos de idade, porém, Pétain levará os franceses não só ao armistício, mas a um longo processo de colaboração com os ocupantes.

No dia 17 de junho, Pétain, que substituíra desde o dia anterior Paul Reynaud94 no Conselho, demanda as condições de armistício, que será assinado no dia 22. Tal “armistício” dá todas as vantagens para os alemães95 e divide o território francês em “zona ocupada” (ao Norte), governada diretamente pelos alemães, e “zona livre” (ao Sul), cartografia que

Liberação, na chamada Épuration (com todos os excessos que o período carregou), posteriormente os arquivos da década de 1930 ficaram inacessíveis até 1999 (LACROIX-RIZ, 2006).

92 “uma escolha política que engaja duplamente o futuro, pois cria uma ligação essencial entre o fim dos

combates e a reconstrução da nação sob controle inimigo”.

93 O general Charles de Gaulle se exila na Inglaterra, de onde emitirá, por meio da BBC, seu apelo à população

francesa para que ela resista.

94 No dia 16 de junho, Raynaud se demite.

95 O armistício prevê, dentre outras ações, a divisão do território francês (zona livre e zona ocupada), a rendição

das tropas, a entrega do material bélico para a Alemanha, a criação de um exército reduzido (máximo 100 mil homens) destinado a manter a ordem na zona livre, a manutenção dos prisioneiros de guerra franceses e a libertação dos prisioneiros alemães, além do pagamento de multas por parte dos franceses. Cf. Rousso, 2012. O armistício é assinado na estação de Rethondes, na França, exatamente o mesmo lugar onde foi assinado o armistício de 1918, que concretizava a derrota alemã na Primeira Guerra.

permanecerá até 1942, quando os alemães passarão a controlar todo o território. No início de julho de 1940, o novo governo francês, comandado por Pétain, se estabelecerá em Vichy, zona “livre”. Nos meses seguintes, o que veremos são ações de colaboração do governo francês em relação aos ocupantes, por meio da emissão de Atos Constitucionais, de censura aos meios de comunicação e aos artistas, da promulgação dos “statut des Juifs”96. Não houve, logo de início, a formação de um movimento de resistência aos ocupantes (que vai começar a aparecer com os ataques ditos “terroristas” em 194197 e se fortalecer a partir de 1942), e mesmo as emissões de Charles de Gaulle do exterior não surtirão muito efeito. Como afirma Francine de Martinoir, parece que havia mesmo uma confluência de interesses entre uma parte da população francesa e a ideologia dos ocupantes:

La france profonde est bien souvent restée marquée par une idéologie qu’elle avait dans l’ensemble accepté sans réticences et qui par malheur correspondait à ce qu’elle anttandait : un mélange de traditionalisme, la peur de ce qui est nouveau et différent, la crainte de l’autre, l’exaltation de la famille et de la femme au foyer, la méfiance ou plutôt la haine de la intelligence, l’horreur des artistes, le culte du sport de masse. Tout cela c’est Vichy, ce n’est pas très éloigné du nazisme.98 (MARTINOIR, 1995, p. 24)

Isso nos faz compreender como, na França, pôde se estabelecer de tal forma um governo disposto a colaborar com os ocupantes, ultrapassando por vezes o objetivo dos alemães em relação aos franceses; um governo que buscava criar, no fluxo do fascismo que já estava estabelecido na Alemanha e na Itália, uma “nova França”, baseada sobre o ideal

96 O Governo de Vichy proclama notadamente dois statut des juifs (1941 e 1942) e posteriores alterações e

medidas concernentes à população de judeus, limitando sua atuação profissional, possibilitando a retirada de sua nacionalidade francesa, tornando-os, enfim, extremamente vulneráveis e colocando-os à mercê do governo alemão.

97 Ainda que já houvesse antes uma resistência, mesmo da parte dos comunistas (individualmente), as ordens de

resistência vindas da Rússia ao Partido Comunista na França só serão dadas após Hitler romper, em 22 de junho de 1941, com o pacto de não agressão, assinado com o governo soviético de Stalin em 1939. Um pacto, aliás, bastante estranho, se pensarmos que a União Soviética era, desde sempre, apontada como um dos principais inimigos do nazismo. Suas diferenças foram, inclusive, reconhecidas por Hitler em seu pronunciamento ao Parlamento quando da assinatura do pacto: “Os senhores sabem que a Rússia e a Alemanha são governadas por duas doutrinas diferentes. Mas, no momento em que a União Soviética não pensa em exportar a sua doutrina, eu não vejo mais motivo que nos impeça de uma tomada de posição. Por isso decidimos firmar um pacto que exclua o uso de todo tipo de violência entre nós por todo o futuro”. Disponível em: <http://www.dw.de/1939-assinado- o-pacto-de-n%C3%A3o-agress%C3%A3o/a-615078>. Acesso em: 24 abr. 2015. O pacto era uma estratégia, de ambos os países, de expansão territorial. Já com suas estratégias mais bem elaboradas, em 1941, Hitler ataca de surpresa a URSS.

98 “A França profunda foi constantemente marcada por uma ideologia que ela tinha aceitado completamente sem

reticências e que infelizmente correspondia ao que ela esperava: uma mistura de tradicionalismo e de obsessão pela disciplina, o gosto pelo corporativismo, o medo do que é novo e diferente, o receio em relação ao outro, a exaltação da família e da dona de casa, a desconfiança, ou melhor, o ódio pela inteligência, o horror de artistas, o culto ao esporte de massa. Tudo isso é Vichy, e não está muito longe do nazismo.”

“trabalho, família, pátria”99. Essa ideia de “colaboração”, tão exaltada pelo governo de Vichy, não era senão uma ilusão difundida na época, de que a França teria algum papel na “nova Europa” que seria construída pelos nazistas. Como afirma Flügge (1989, p. 248), os alemães não tinham a intenção de nazificar a França, e “le Régime de Vichy avait pour les Allemands la fonction de gendarme, d’interlocuteur, d’administrateur mais aussi de repoussoir pour les démocraties anglo-saxonnes”100. Tratava-se de uma mediação, administrativa e política, entre os alemães e os franceses.

Essa orientação vai se refletir em todas as ações alemãs em território francês, dentre elas no modo como os ocupantes tratarão as artes e organizarão seus instrumentos de censura e repressão, que serão vários e por vezes contraditórios. Em um documento de Otto Abetz101 (apud FLÜGGE, 1989, p. 248), embaixador da Alemanha em Paris, constam as seguintes informações:

Le travail politique en France

Il est nécessaire d’établir des relations avec toutes les personnalités et organisations décisives des zones occupées et non-occupées pour contrôler et influencer les courants politiques en France en fonction de nos intérêts momentanés et des buts définitifs de notre politique extérieure. Pour cela il est recommandable de donner à la presse, à la radio et à la propagande l’aspect le plus pluraliste possible et de laisser polémiquer les différents courants entre eux, c’est-à-dire de distribuer les rôles. (...) Une partie des personalités et des mouvements politiques doivent être maintenus dans l’espoir ou plutôt l’illusion d’une entente posteriéure avec l’Allemagne.102

Há, portanto, um trabalho de influência sobre as ideologias já existentes na França. Trata-se de uma organização política pensada e estruturada para deixar pairar uma aparência de normalidade, de liberdade entre as correntes políticas, entre a imprensa, para que eles mesmos polemizem entre si e para que não haja uma clareza do controle e da ordem alemã (quanto mais descentrada for a dominação, mais difícil é de se criar resistência contra ela103).

99 “Travail, famille, patrie” era o lema do Governo de Vichy e da Revolução Nacional defendida por esse

governo. A frase era impressa nas moedas da época.

100 “O Regime de Vichy tinha para os alemães a função de exército, de interlocutor, de administrador, mas

também de repulsar as democracias anglo-saxãs.”

101 Centre de documentation juive contemporaine, peça LXXI – 28, p.1.

102 “O trabalho político na França: É necessário estabelecer relações com todas as personalidades e organizações

decisivas das zonas ocupadas e não ocupadas para controlar e influenciar as correntes políticas na França em função de nossos interesses momentâneos e de objetivos definitivos de nossa política exterior. Por isso, é recomendável dar à imprensa, à rádio, e à propaganda o aspecto mais pluralista possível e de deixar polemizar as diferentes correntes entre eles, ou seja, distribuir os papeis. Uma parte das personalidades e dos movimentos políticos deve ser mantida na esperança, ou melhor, na ilusão de uma conciliação posterior com a Alemanha”.

103 Vemos isso também no estado atual do capitalismo. Se, anteriormente, havia um inimigo claro a que se opor

(o sistema capitalista, o império estadunidense), hoje esse inimigo parece disperso e, portanto, a luta parece mais difícil. Como afirma Frederico Irazábal, em El giro político, no contexto da pós-modernidade, em que vemos

É claro que isso dentro de um limite de controle sobre as formas de resistência e sobre aquilo que pode vir a se tornar hostil ou ameaçador à segurança dos alemães.

Para o controle das manifestações culturais, havia principalmente dois órgãos: a Propaganda-Staffel e a Propaganda-Abteilung (ambos os órgãos alemães, instalados em Paris, sendo este superior àquele). É desses órgãos que vêm as listas de livros proibidos na França ocupada, notadamente a Lista Otto, que em setembro de 1940 proíbe a reedição e a circulação (inclusive nas bibliotecas) de mais de mil títulos, dentre eles aqueles críticos ao nazismo, ao racismo, à Alemanha, os escritos ou traduzidos por judeus, os de comunistas ou de autores que, para além de seus escritos, foram críticos ao nazismo. Em 1941, serão acrescentados a essa lista todos os livros ingleses e americanos.

O que os órgãos de censura vetavam então? Quais as condições de funcionamento de um teatro na época? Primeiramente, os ocupantes exigiam a arianização de todos os teatros, ou seja, que ali não trabalhasse nenhum judeu104. O segundo ponto, explicitado em um documento da época citado por Ingrid Galster, no artigo « Organisation et tâches de la censure théâtrale allemande à Paris sous l’occupation », seria a « élimination, sur la scène, de toute polémique politique susceptible de provoquer des malentendus ou des interprétations pouvant causer des tensions entre les peuples allemand et français »105 (apud GALSTER, 1989, p. 255). Em resumo, o que preocupava a censura alemã era apenas o que pudesse ser hostil aos ocupantes, ao seu exército, o que pudesse provocar uma reação no público nesse sentido. À polícia francesa e ao Regime de Vichy, restava controlar o que eles próprios entendiam pela “moral” francesa, pelos bons modos (tarefa que não interessava aos ocupantes). Quando havia discórdia entre os órgãos, prevalecia, obviamente, a palavra dos alemães106.

Entre as peças que iam contra o interesse do ocupante, Galster destaca aquelas que conseguiam passar pela censura, mas que possibilitavam a leitura de uma mensagem de resistência por parte do público: “des pièces qui contenaient, sous une forme dissimulée, un message subversif et permettaient au spectateur attentif d’opérer un transfert sur la situation

uma série de aparentes “fins” que marcariam essa época – o fim do Estado-nação, da história, dos grandes relatos, dos sujeitos e das ideologias –, “el poder también perdió cuerpo, en el sentido de que es dificultoso hoy encontrar al otro, al enemigo, desde el cual forjar a su vez mi propia identidad opositora” (IRAZÁBAL, 2004, p. 42). A descentralização do poder configura-se, assim, também como uma forma de pulverização da oposição.

104 Vale notar que o processo de arianização da França não equivale à nazificação do país. Por exemplo, não

havia a intenção de estabelecer um governo de partido único.

105 “Eliminação, na cena, de toda polêmica política suscetível de provocar mal entendidos ou interpretações,

podendo causar tensão entre os povos alemão e francês”.

106 Galster (1989) cita em seu artigo, como exemplo da divisão entre a censura alemã e a francesa, a peça La

machine à écrire, de Jean Cocteau. Ela foi considerada “decadente”, como um ataque à moral almejada pela “nova França”, e teve suas apresentações interditadas pela polícia francesa. A Propaganda-Abteilung, no entanto, entendeu que a peça não oferecia perigo para os ocupantes, e suspendeu a decisão de censura, afirmando a “liberdade artística”.

de la France occupée”107 (GALSTER, 1989, p. 258). Em contextos como os que abordamos nesta tese, ou seja, aqueles em que vigora um regime totalitário, é comum que os artistas tentem de alguma forma “camuflar” uma mensagem, criticar o regime de modo que isso passe despercebido pela censura, mas atinja o público que vive naquele contexto.

No entanto, ler a literatura e a dramaturgia desses períodos como simples metáforas da ditadura ou de um governo totalitário seria simplificar as obras de arte de resistência. Propomo-nos a pensar aqui não em uma ideia metafórica da literatura, que apontaria para uma totalidade, mas em um tratamento alegórico, que apontaria para uma totalidade quebrada e inscrita no tempo histórico. Como afirma Didi-Huberman (2013b, p.106):

Si Walter Benjamin a construit toute son approche de la « lisibilité de l’histoire » autor de la notion d’image dialectique – et non, par example, sur celles d’« idée dialectique » voire d’« idée de la dialectique » – c’est bien que l’intelligibilité historique et anthropologique ne va pas sans une dialectique des images, des apparences, des apparitions, des gestes, des regards... tout ce que l’on pourrait appeler des événements sensibles.108

Isso significa dizer que são dialéticas, que nos permitem “esfregar os olhos” e ver sob

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