• Nenhum resultado encontrado

8.1 Intervenções da Pesquisadora

8.1.2 Promover atitudes favoráveis à cooperação

8.1.2.1 Descentração

8.1.2.1.1 Frente às propostas

Promover uma atitude de abertura e, portanto, descentração frente às propostas foi o objetivo de intervenções principalmente no Momento Inicial das oficinas, quando os adolescentes entravam em contato com a rotina escrita na lousa ou quando ela era exposta verbalmente. Em várias ocasiões, especialmente no primeiro semestre, as reações iniciais indicavam pouca receptividade e resistência a experimentar o que era proposto, atitude que se modificou com as intervenções da pesquisadora. Serão analisados quatro exemplos.

Na primeira situação, o comentário negativo de dois adolescentes (Fernando e Carlos) representa um tipo de resistência à atividade em função de uma apreensão rápida e superficial de um objeto. A pesquisadora intervém no sentido de retomar o significado do trabalho das oficinas, questionar a alegada saturação do tema (no caso, o Jogo Quarto50) e socializar para

50 Lembramos que no Apêndice B encontram-se quadros com a descrição dos jogos e atividades e no Apêndice

o grupo a questão. Diante disso, eles reconsideram o que haviam dito e modificam sua atitude envolvendo-se com a proposta.

- Excerto 24:

Chegaram parecendo interessados, perguntando o que faríamos no dia.

Carlos disse que não vinha e depois riu, dizendo que era brincadeira, que não era verdade. Ele perguntou, reclamando, se jogariam de novo o Jogo Quarto, e Fernando fez coro, em tom de desagrado.

P1 chama o grupo para a roda e retoma com eles o sentido do trabalho, que inclui explorar mais os jogos. Perguntou se eles realmente achavam que já dominavam suficientemente o jogo. Disseram que não. Ela continua explicando que seriam explorados registros e formas variadas de jogar - individual, em duplas e jogos coletivos, por exemplo - e que haveria desafios escritos. Na sequência da oficina, todos se envolveram com a proposta, fazendo perguntas e comentários sobre o jogo. (RO.2)

No trecho abaixo, Lia, seguida por outros colegas, expressa desconforto diante de parte final da proposta do Jogo de Associações: a partilha coletiva das palavras escritas por cada um, parte esta que não era obrigatória. Nesse caso, a intervenção da pesquisadora visou acolher e observar, sem contra-argumentar, a postura dos adolescentes, para não interferir na realização da primeira parte da atividade, que era a principal. Ao que parece, a intervenção receptiva parece ter favorecido a mudança de atitude dos sujeitos que, ao final, foram progressivamente expressando suas associações, alguns com bastante entusiasmo.

- Excerto 25:

Após P1 terminar de explicar como seria a atividade do “Jogo de Associações”,

Lia pergunta, reticente: "Vai ter que falar depois o que escreveu? Eu não quero […] P1 responde que não é obrigatório e os que quiserem poderão falar. Ocorrem comentários dispersos de vários dos adolescentes dizendo que também não falariam e que não gostavam de falar.

ela propõe que, os que quiserem, comentem algumas das associações que haviam escrito. Fala novamente cada palavra e, aos poucos, quase todos dizem o que haviam escrito. Júlio, Wesley e Carlos foram os que mais participaram.

Lia participou, mas falou menos, assim como Fernando e Amanda. (RO.2)

No próximo exemplo, evidencia-se uma reação de recusa e rejeição dos adolescentes relacionada ao conteúdo da proposta, o Sudoku. Como em sua estrutura esse passatempo utiliza números de 1 a 9, ocorreram as associações negativas com a Matemática, reforçadas, segundo seus comentários, pelo modo como fora utilizada em aulas dessa disciplina. Nesse caso, a resistência dos adolescentes dirigiu-se a um aspecto estrutural da proposta, demandando intervenções de outra ordem. Assim, elas envolveram duas perspectivas complementares: 1) insistir na proposta e incentivar o grupo a experimentá-la e 2) questionar o vínculo negativo com a disciplina curricular (expresso no comentário de Rafael) e diferenciar o aspecto contingencial dos elementos numéricos, que poderiam ser símbolos gráficos, letras, etc. Buscaram favorecer a descentração dos adolescentes em relação a uma experiência prévia, possibilitando, assim, uma nova experiência. Constata-se, que, em diferentes graus, ocorreram mudanças na postura dos adolescentes que aderiram e participaram da atividade, primeiro na lousa e, depois, nas resoluções individuais no papel.

- Excerto 26:

Assim que entraram na sala e viram uma grade de Sudoku na lousa, quase todos tiveram reações negativas.

Robson: "É chato!"

Júlio: "Eu não gosto! Eu não vou fazer de jeito nenhum!" Carlos: "Ah, eu já sei! Não gosto".

Rafael: "Não gosto! Tudo que tem números, tudo que é Matemática eu não gosto". Mostravam-se fechados para a proposta, insistentes quanto à não realização da tarefa.

P1 manteve-se firme na proposta e disse para eles experimentarem a atividade, pois eles nem sabiam como ela ia ser dada, qual a proposta.

Vítor e Roberto disseram que queriam jogar outro jogo, não queriam fazer Sudoku: já haviam usado nas aulas com o professor de Matemática e tinha sido chato.

P1 retoma que estavam ali para jogar e também para aprender, para desenvolver habilidades que poderiam ajudá-los em outros contextos, e que o Sudoku poderia ser encarado como um jogo, um desafio.

Júlio fica provocando, ameaçando dizendo que iria embora e mesmo assim P1 começa a atividade na lousa. Aos poucos, vários deles foram se envolvendo e até disputando para ir à lousa.

Vítor foi o primeiro e queria fazer o exemplo da lousa. No final da resolução do exemplo P1 tenta envolver Rafael, comentando com ele que os números serviam como signos que poderiam ser substituídos por outros, letras, desenhos, etc. Ele se mostra surpreso com isso. A evolução da oficina mostrou como vários deles puderam ter outra relação com a atividade, diferente da primeira reação negativa. (Parece que foi importante insistir no que havíamos planejado para esse dia). (RO.7)

Para finalizar o grupo de intervenções visando promover uma atitude de descentração frente às propostas, apresentaremos três momentos sucessivos de uma mesma oficina no início do segundo semestre. Neles se podem acompanhar as intervenções da pesquisadora em uma situação de resistência imediata e superficial, através de uma postura de negativismo sem fundamento mais evidente. Inicialmente, Júlio se recusa a experimentar um jogo ao perceber que ele incluía um quebra-cabeça, atividade que ele diz não gostar. A intervenção da pesquisadora confronta a opinião pré-concebida de Júlio, apresentando vários argumentos possíveis e contrários a ela. Além disso, busca destacar a importância de uma atitude de receptividade para efetuar um julgamento que, mesmo que venha a ser negativo, seja feito com base em dados da experiência.

Excerto 27:

Júlio, Robson e Roberto chegam juntos. Logo se interessam pelo jogo novo, que está sobre a mesa, Código da Vinci. Assinam a lista de presença e, enquanto olham o material, exclamam: "Puxa, é demais, mano! Legal!"

desse tipo).

P1 fala: "Mas Júlio, você nem sabe como é o jogo e diz que não gosta? E se for legal? E se você gostar?"

Júlio ri e fala: "É, sei lá […] Mas não sei se vou gostar, não […]"

P1: "Tudo bem, você não saber se vai gostar é diferente de você já dizer que não gosta, que não quer, que é chato e nem experimentar". (RO. 13)

Júlio se dispõe a continuar participando da atividade e, num segundo momento, percebe-se a mudança da atitude de Júlio, que se abre e se torna positiva, seguida de uma breve intervenção de incentivo pela pesquisadora.

- Excerto 28:

Júlio continua lendo as instruções para o grupo, envolvido com essa tarefa, sem voltar a reclamar, e esclarece que os pontos feitos em cada jogada correspondem ao número de peças que o jogador deve pegar da cor do seu quebra-cabeça. Ganha aquele que formar o quebra- cabeça primeiro.

Robson também quer participar, pede as instruções e continua lendo. Júlio fica empolgado com o jogo e diz: "É da hora esse jogo!" P1: "É legal mesmo, né?" (RO. 13)

No final da oficina, a pesquisadora retoma e destaca as mudanças percebidas buscando implicar o adolescente e favorecer a tomada de consciência sobre sua própria evolução. Ao mesmo tempo, socializa o tema com o grupo, como uma oportunidade de reflexão e aprendizado para todos.

- Excerto 29:

Robson comenta que gostou da pontuação com os quebra-cabeças, e Júlio concorda, que achou legal montar com as peças que iam ganhando nas palavras.

P2 comenta: "Ah, Júlio, então você gostou do quebra-cabeça?" (aludindo ao começo, quando ele reclamou do jogo, antes de jogar, justamente por isso).

muito quebra-cabeça chato!"

Robson ri do comentário do colega e Roberto também, cobrindo o rosto com a mão.

P1 comenta: "Então vocês viram, né? Às vezes a gente tem uma idéia de algo, que é ruim, quando pode ser diferente, aí a gente experimentar vai poder saber […] (RO. 13)