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FRUTOS: A autoconstrução como obra aberta

3.1 Diagramas da condição 258

3.1.1 Diagrama forças econômicas 258

3.1.2 Diagrama forças solo 263

3.1.3 Diagrama forças saberes 268

3.1.3.1 Os saberes autoconstruídos pela escada astuciosa 272

3.2 Diagramas da autoconstrução 281 3.2.1 Diagrama Paciência 281 3.2.2 Diagrama Frida 284 3.2.3 Diagrama Sonho 290 CONSIDERAÇÕES E DEVIRES 299 REFERÊNCIAS 327 ANEXOS 335

Anexo 01. Fala de um Mestre de Obras

APÊNDICES 359

INTRODUÇÃO

A tese “O céu é o limite...” - A autoconstrução como obra aberta tem como objetivo geral valorar a autoconstrução e, por corolário, os saberes das pessoas que autoconstroem. Meu olhar advém de experiências que vivi em relação à autoconstrução tanto em processos de assistência técnica quanto na docência. Trata-se de uma experiência empírica no universo molar (macro) do mundo da representação, no âmbito da macropolítica da objetivação. Dentro da macropolítica a autoconstrução é um fato nas cidades brasileiras, um fato de dimensões oceânicas. Isso significa a não participação direta do saberes de arquitetos em construções. Isso é confirmado pela pesquisa realizada pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo Nacional (CAU/BR) e o Instituto DATAFOLHA, em 20151 que

constatou que a prática da autoconstrução, no sentido da produção de moradias sem a atuação de arquitetos e/ou engenheiros, é exercida por 85% da população brasileira que já construiu ou reformou. A pesquisa mostra que dos entrevistados, 54% já fizeram reformas ou construções. Destes, menos de 15% utilizaram os

serviços de um arquiteto2 ou engenheiro na obra. Uma confirmação importante da pesquisa é que “a questão econômica é o principal

motivo pela preferência por mestres de obras e pedreiros. Outros motivos citados foram o fácil acesso a esses profissionais (por meio

1 A pesquisa CAU BR/ DATAFOLHA (2015) buscou saber: “Qual a imagem dos

arquitetos e urbanistas junto à sociedade brasileira? Quais as principais preocupações e problemas dos brasileiros na hora de construir ou reformar? Como eles enxergam o planejamento e a organização das cidades? Qual a importância da Arquitetura e do Urbanismo na vida das pessoas?”. Teve como objetivo “traçar um plano de longo prazo para a valorização profissional e a promoção da Arquitetura e Urbanismo para todos (...) realizaram o maior diagnóstico do setor já feito no Brasil, com pesquisas quantitativa e qualitativa, de forma a traçar um panorama abrangente sobre o que a população brasileira pensa sobre o tema”. Foram realizadas mais de 2.400 entrevistas em 177 municípios, aprofundadas em grupos de discussão realizados nas cinco regiões do país.

2 Isso já havia sido afirmado por Maria Teresa Espírito Santo (1998) e Angela

de indicações) e desconhecimento de outras alternativas”. Essa relação econômica reflete em índices maiores como o de 92,9% na região Nordeste e a 90 % na região Norte do Brasil. Além da relação econômica esses percentuais trazem outras camadas como a questão racial3, que não foi objeto de abordagem desta tese, mas é fato no

Brasil.

Uma população que na maioria vive na condição de escassez econômica, denominados de “pobres”, e os “de baixa-renda”, tem a classificação realizada pelo o IBGE4, onde majoritariamente encontra-

se a produção da autoconstrução, mas não é exclusividade dessas, pois se cruzarmos com a pesquisa do CAU-BR (2015) a autoconstrução não é uma prática exclusiva da pobreza – classes D e E.

Sabe-se que os estudos pioneiros de John Turner (1977) na América Latina no final da década de 1960, e de tantos outros estudos no Brasil sobre os territórios autoconstruídos e sobre a autoconstrução já foram realizados, mas parece que a valoração dos saberes de quem autoconstroem e as ações dos arquitetos nesses territórios avançam a passos lentos. Pode-se perguntar por quê? Parece-me que a questão está na incompreensão sobre os saberes de quem

3A proporção de brasileiros que se declaram pretos --grupo que, com os pardos,

forma a população negra, de acordo com os critérios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)-- foi a única que cresceu em todas as regiões do país entre 2015 e 2018, segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Em pontos percentuais, o maior avanço ocorreu no Centro-Oeste, indo de 6,4% da população em 2015 para 9,2% em 2018 (2,8 pontos percentuais). No Nordeste, que tem a maior proporção de pretos no país, a população deste grupo foi de 9,2% para 11,3%” Sabe-se que em Salvador a relação econômica está diretamente ligada a racial, onde 89% se autodeclara preta ou parda”.

4 IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, utilizado no censo

populacional. Classe A (acima de 20 SM) B (10 a 20 SM) C (4 a 10 SM) D (2 a 4 SM) E (até 2 SM) . Existe outra classificação a partir da posse de bens e escolaridade da ABEP - Associação Brasileiras de Empresas de Pesquisa - mais conhecida como Critério Brasil: “Segundo a ABEP, o Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB) é um instrumento de segmentação econômica que utiliza o levantamento de características domiciliares (presença e quantidade de alguns itens domiciliares de conforto e grau escolaridade do chefe de família) para diferenciar a população”. Ver Paulo Meireles “Um pais chamado favela”. Ver FJP / IDH.

autoconstroem que dificulta que os saberes dos arquitetos urbanistas se estabeleçam com maior êxito nesses territórios, tanto pela assistência técnica, também denominada de Assistência Técnica de

Habitação de Interesse Social (ATHIS) via ação do Estado, quanto pela

atuação autônoma de arquitetos urbanistas. E se não há compreensão se julga equivocadamente esses saberes. Cria-se uma tensão entre os saberes, pelo menos nos processos de assistência técnica que tive oportunidade de vivenciar, devido aos “limites” dos arquitetos em aceitar como significativos, como importantes e

próprios para o planejamento da arquitetura. O que não se conhece

não se aceita. Há o famoso preconceito. E o “limite” dos saberes das pessoas que autoconstroem talvez esteja no desconhecimento de alguns elementos essenciais da arquitetura para a melhoria da habitabilidade. Há a necessidade de se buscar uma sintonia desses saberes. Para tanto, a autoconstrução é entendida aqui como uma das opções para a conquista do direito à moradia digna. E o processo de autoconstruir passa a ser realização de um dos direitos básicos: o direito à habitação para milhares de brasileiros e brasileiras. E por sua longa jornada de luta torna-se um sonho – o sonho da casa própria.

Então, se a autoconstrução é tão produzida em nossas cidades por necessidade, mas também por sonho, pensei, por que não investigar, adentrar-me nesse oceano, e quem sabe, desviar-me do consenso. Dizem que desviar-se de regras e normas nem sempre é fácil e muito menos aceito, mas penso que em certo momento, deve-se questionar de onde vieram esses consensos, essas normas. É o que Marina Waisman (2013) afirma:

(...) nas últimas décadas, uma série de povos marginalizados tomou consciência de si e de sua posição no mundo. E a partir de uma tomada de consciência política produziu-se uma tomada de consciência histórica e cultural. Dessa forma, começou-se a desconfiar do mito do progresso representado pela imitação dos grandes países desenvolvidos, e a apreciar os valores culturais seculares dos países menos favorecidos

econômica e tecnicamente. O processo de descolonização do mundo contribui para essa tomada de consciência (...). Criou- se portanto, uma necessidade de afirmação de valores próprios, geralmente obscurecidos pela dependência cultural, afirmação que exige um trabalho de esclarecimento e descobrimento. No caso da arquitetura, é necessário confrontar permanentemente a problemática real de cada lugar com os conceitos e valores próprios e revisar juízos que haviam sido formulados com base naquelas pautas. Por exemplo, durante muito tempo, considerou-se toda a arquitetura da América Latina como uma espécie de “cidadão de segunda classe” na história universal da arte, como consequência de ter sido analisada com a escala de categorização eurocêntricas, estabelecida a partir dos desenvolvimentos arquitetônicos de alguns países centrais”. (WAISMAN, 2013, p.44)

Esta fala de Waisman, atualizando a historiografia da arquitetura latino-americana, estabelece uma linha de conexão com o que Ermínia Maricato (2011b,) vai dizer em seu texto “As ideias fora do lugar” e também no texto “Autoconstrução, a arquitetura possível” (MARICATO, 1982). O conceito de autoconstrução proposto por Maricato designa como sendo o “processo de construção da casa (própria ou não) por seus moradores que podem ser auxiliados por parentes, amigos, vizinhos ou por profissional remunerado” (MARICATO, 1982, p. 74). Este processo se verificaria também na construção de igrejas, escolas primárias, creches e centros comunitários, estendendo-se ainda para o espaço urbano na forma de melhoria de ruas, calçadas, pontes, etc. Esta forma de produção habitacional ocorreria por falta de alternativa, correspondendo a “trabalho não pago” ou “supertrabalho” e favorecendo a expansão capitalista. Segundo a autora a cidade que ela denomina de “periférica”, “ilegal”, e aqui denomino de territórios autoconstruídos, ainda é pouco estudada e as ideias que existem impõem um padrão idealizado, vindos e construídos a partir de vários estudos, lugares e poderes que não conseguem lidar com o lugar com que está se abordando, são “ideias fora do lugar”, confirmando o que diz Waisman. Então, a pergunta que deve ser feita é: Que lugar é esse onde se produz a autoconstrução? Que condição é essa que advém a

autoconstrução? Quais são as ideias que circulam entre as pessoas que autoconstroem?

Para buscar responder a tese tem como argumento que os processos de autoconstrução realizam-se partindo de “premissas e necessidades” que advém de uma condição de vida diferente das consideradas pelos saberes dos arquitetos, e que por ser diferente produz modos de fazer próprios. Para entender esses processos considero que a autoconstrução é uma obra aberta. Aberta a que? Aberta a múltiplos diagramas que, sendo uma “exposição de relação de forças”, possibilita delinear caminhos para a compreensão tanto da condição de que partem as pessoas que autoconstroem quanto compreender os processos e as autoconstruções que deles resultam.