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Trajetória 2014 De volta ao costa azul

Campo: trajetórias e autoconstruções O objetivo deste item é apresentar de forma resumida as trajetórias

2.1 Aprendendo em campo

2.1.2. Trajetória 2014 De volta ao costa azul

Depois de meu reingresso em 2014 ao Programa com um novo projeto de pesquisa de assistência técnica voltei no que seria o meu “campo”. Percebi que com o material que tinha da pesquisa-ação poderia comparar duas temporalidades, dois momentos da mesma moradia autoconstruída: um em 2006, em que havia acontecido o processo de assistência técnica, e outro naquele momento que me encontrava, em 2014. O objetivo era atualizar todas as moradias, investigar como estavam aquelas casas, passados oito anos. Voltei ao Costa Azul com os nomes dos 27 moradores e famílias atendidos no estudo-piloto da pesquisa-ação em 2006 O retorno aconteceu em dois momentos, um em setembro de 2014 e outro em novembro de 2015, o que não estava previsto.

Na primeira incursão consegui encontrar apenas três moradores em suas casas, e delas já surgiram questões que me levaram a buscar Figura 18: Grupo 4 de Recanto Feliz (maquetes da situação existente e da proposta).

leituras e referências teóricas para entender o que estava encontrando. Falei da pesquisa e conversei com as moradoras a partir de algumas perguntas e fiz algumas anotações, tirei algumas fotos. Nesse momento ainda não havia elaborado como seria a entrevista, e nem mesmo gravei os diálogos, o que só aconteceria em 2015. É devido a essa diferença de momentos, que o material das conversas tem densidades diferentes, pois às vezes não deslanchavam como era esperado, pois algumas pessoas não lembravam-se do processo anterior, acontecido 10, 15 anos atrás. O retorno ao Costa Azul aconteceu numa tarde ensolarada, era dia quatro de setembro de 2014. Cheguei caminhando pela rua principal do bairro, vindo da orla do Costa Azul. Lembrava-me do lugar ainda da última vez que estive lá, acho que fevereiro ou março de 2007. Levo em mãos os mapas dos grupos trabalhados no estudo-piloto em 2006, como já descrevi: eram 27 casas possíveis de atualizar. Paro, então, em uma pequena vendinha, uma porta somente, e um senhor me cumprimenta e eu me apresento: arquiteta e professora da UFBA. Digo do trabalho de 2006 no Epae Unifacs e da minha intenção de conversar com alguns moradores para saber o que havia acontecido em suas casas. Para minha sorte, ele se diz uma das pessoas atendidas pelo nosso projeto. Não me diz muita coisa, parecia não querer perder tempo com conversa sobre o tema, mas sugere eu procurar sua esposa que estava em casa naquele momento e poderia me receber. Fico felicíssima de numa primeira visita, encontrar alguém que eu pudesse conversar e me ajudar na pesquisa. Ele me indica adentrar num beco logo ao lado da vendinha, e diz: “É a última casa do lado direito”.

Agradeço e sigo o caminho indicado. Resolvo verificar na planta quais as casas que faziam parte daquele grupo: era o Grupo 1 com 13 casas em Paraíso Azul 1. Quando passo por uma dessas casas tem uma senhora com a porta e janelas abertas, paro pra conversar. Era a Casa B2 do cadastro. Ao continuar o percurso depois da conversa com

Dona Paciência, vejo um gradil aberto com duas pessoas sentadas num pequeno hall, um inesperado “salão de beleza”. Estou na Casa B4 do cadastro de 2006, Frida faz as unhas de uma moça. Apresento- me e começo a conversar, pois ela se mostra disposta. Ao terminar a conversa com Frida, finalmente chego a Casa B5, referente a casa do senhor que conversei logo na chegada. A esposa está em casa, me apresento e entro em sua casa. A conversa começa na sala, quando percebo a melhoria da casa, ela me convida a subir, já que seu filho assisti TV sentado no sofá. Naquele dia tive a sensação que já poderia provar uma das minhas ideias iniciais: as casas são melhoradas sem a nossa participação!

Depois de passado um tempo de leituras e atualizações dessas três autoconstruções voltei ao Costa azul em outubro de 2015 para continuar minhas atualizações. Agora com as perguntas elaboradas, e com um gravador. O objetivo foi uma conversa a partir de três questões abertas: Fale sobre o seu bairro; Fale sobre sua rua; Fale sobre sua casa. A duas primeiras eram somente para contextualizar aquela casa autoconstruída e como as pessoas se sentiam ali, já a terceira, abria o tema da casa autoconstruída. Primeiramente deixava a pessoa falar o que ela lembrava, e eu ia indicando alguns caminhos, como: Quando chegou? Como construiu? Quem construiu? Os momentos de construção? Esta pergunta vinha a partir da fruição do espaço, e do cadastro de 2006 que tinha registrado. Perguntava e dependendo das lembranças, da memória e da disposição vinham à tona a história da casa.

Não estou identificando aqui as pessoas com quem conversei como também a localização de suas casas. Para tanto utilizo de pseudônimos para cada casa visitada e atualizada, que de certa forma foram inspirados tanto nas falas e nos processos de

materialidade das casas, quanto na empatia e afetos que

Assim, a primeira é a Casa Paciência, que veio da forma tranquila e paciente com que a moradora vai falar sobre o processo que se deu nesses últimos anos, e de sua eterna espera por um apartamento pelo programa do Estado: haja paciência!

A segunda é a Casa Frida, pela forma apaixonada da fala de sua moradora e também pela cor rosa choque nas paredes que envolviam a escada. Ao rever a fotografia me veio a lembrança da casa da artista mexicana Frida Kallo.

A terceira a Casa Sonho veio da fala da moradora ao dizer de seu desejo de fazer uma segunda laje onde poderia fazer sua tão esperada área de serviço. Isso pareceu um sonho a ser realizado. A Casa Menina é a quarta, que vem de um momento da visita registrado em fotografia: a menina, sobrinha da dona da casa, está ao pé da escada e ao olhar para cima, parece expressar um quê de esperança.

A quinta é a Casa Anjo, que além de ser inspirado no nome da moradora, veio também da leveza com que ela parecia vivenciar a precariedade de sua casa. Um anjo que sobrevoa um turbilhão de problemas.

A Casa Ampla vem do desejo da moradora em ampliar sua casa e afirmar isso constantemente na conversa, e por motivos reais, sua casa incialmente tinha apenas 9,56 metros quadrados. E constato que de certa forma ela conquista, pelo menos, uma cozinha ampla.

A Casa Filhos é a sétima, e vai ser denominada assim não só pelo

arranjo familiar: um casal e seus seis filhos, mas também pela fala do pai que de certa forma justifica poucas mudanças na casa: “Eles todos estudam!”. De certa forma, parece que tiveram que escolher entre edificar a casa e edificar os sonhos de seus seis filhos!

A Casa Dona Flor, a oitava, vem inspirada na forma com que a moradora fala de como seus afetos em certos momentos, colaboraram para a melhoria de sua casa. Uma mulher independente!

Das oito conversas, seis são conversas somente com mulheres, e em três delas há a participação de homens. Ficou em aberto também quem seriam as pessoas a responderem as questões colocadas, poderia ser os chefes de família ou quem estivesse disponível a conversar. Assim, não restringi a quantidade de falas, ficando em aberto a disponibilidade e interesse de quem quisesse compartilhar as memórias do processo de construção e melhorias das casas. Diante dessa proposta, aconteceu que em algumas casas conversei com mais de uma pessoa: na Casa Frida foram Frida e seu marido; na Casa Filhos o casal e na Casa Dona Flor, ela, sua filha e genro, nas demais somente uma pessoa. Consequentemente, as falas das casas têm diferentes densidades, além de mais de um “lugar de fala” da mesma casa e com mais detalhes de informações dos processos, outras menos, devido a essa abertura e disponibilidade nas conversas.

2.2 Atualizando oito casas