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Capítulo 4 – Representações de professores cabo-verdianos de língua portuguesa sobre

4.2. Análise e interpretação dos resultados

4.2.2.2. Funções da LM na aula de LP

Como já tínhamos visto no capítulo 2, a LM tem um papel muito importante a desempenhar no processo de ensino e aprendizagem da LP. Assim, procurámos, na nossa entrevista, verificar o papel que lhe atribuem os inquiridos nas suas práticas pedagógicas, isto é, que funções lhe reconhecem.

Verificámos que os professores lhe atribuem diversas funções, que passamos a ilustrar com as suas próprias palavras:

Para esclarecer conteúdos

A professora A disse que recorre à LM /... muitas vezes para ajudar os alunos a compreenderem/ não é/ alguma matéria/ não é/ eh em que encontram alguma dificuldade etc. etc./ em determinados momentos/... Mas há muitas vezes que mesmo a LP/ na aula de LP devemos recorrer / ao crioulo// acho que devemos recorrer ao crioulo em determinadas situações...[…] Acho que é…/Principalmente na nossa realidade// tendo em conta que o crioulo é nossa LM / eu acho que se pode//

A professora recorre pois à LCV e alega que o faz devido à realidade linguística nacional. Isto significa que a metodologia que escolhe depende do contexto de ensino.

Para explicar conceitos

A professora A utiliza igualmente a LM dos alunos para explicar conceitos ou fazer com que os alunos compreendam conceitos: faço referencia à utilização do crioulo para explicar/ para fazer os alunos entender algum conteúdo não é/. E salienta que tal recurso depende do grau de competência do aluno: Isto tem a ver com a nossa realidade não é/ …então transmitimos os conteúdos em LP mas os alunos não entendem/ não compreendem/ da melhor forma/ então recorremos/ isso tem a ver também com o tipo de alunos que temos// posso ter uma turma em que os alunos podem muito bem entender a LP/ mas pode haver uma turma totalmente diferente// é neste sentido que eu fiz essa referência// é neste sentido que…/

Para traduzir

Os professores recorrem igualmente à LCV para efeitos de tradução: Isto é na situação em que o aluno não entende mesmo aquilo que se está a explicar […] Não dizer a frase inteira// Pegando na expressão na palavra olha/ na língua cabo-verdiana esta palavra diz-se assim//Mas em português diz-se dês/ diz-se desta maneira// (Professora F)

.../ porque há situações em que o professor pode dar uma explicação/ utilizar uma expressão/ que os alunos não entendem/ esforça para explicar os alunos em português/ então/ eu já costumo recorrer-me á língua cabo-verdiana só para dizendo a expressão// olha/ isso e…na língua cabo-verdiana diz-se assim/ para fazer o aluno compreender/ retomo a língua portuguesa e exijo aos alunos que utilizem isto apenas em português// (Professora F).

Repara-se aqui de novo um contraste nos discursos da professora F, já que inicialmente disse que o recurso à LM põe em causa a aprendizagem da LP mas logo se seguida afirma que a utiliza como recurso.

Cabe notar que é nossa convicção de que o recurso à LM, com esta função, é uma actividade importante para o desenvolvimento da competência comunicativa dos alunos pois, como já tínhamos referido, a negociação do significado pode levar à aquisição do vocabulário; de igual modo, a reformulação, pelos próprios alunos, dos enunciados por eles produzidos pode conduzir, a longo prazo, a uma maior correcção.

Para fazer análise contrastiva/comparação entre as duas línguas

A professora A, embora não tenha informações suficientes (conforme indica a sua resposta à questão nº 29 do questionário), aplica a análise contrastiva na sua sala de aula, actividade que afirma ser exigida pelo contexto linguístico: …nas aulas de português temos a tendência em explicar a LP a partir da/ tanto tendo em conta a estrutura dessa língua/ eu acho que deveríamos recorrer ao crioulo/ à estrutura do crioulo para que os alunos compreendessem melhor esse conteúdo/ não é/ Tanto há vários conteúdos… Acontece o mesmo com o coordenador da disciplina de português. A este respeito, ele fez a seguinte afirmação: …devemos fazer uma pequena comparação às vezes (...)

Ainda enquadrado nesta mesma actividade de comparação de ambos os sistemas linguísticos em presença, a mesma professora recorre à LM para diferenciar as duas línguas...Tanto para impedir essa mistura é preciso destacar o limite ou as características de cada uma das línguas/ diferenciar que são duas línguas/ isso é fundamental// Para que os alunos possam entender que na realidade são duas línguas diferentes// Eu acho que não tem nada a ver com método/ / (Professora A).

Para facilitar a compreensão

O coordenador da disciplina enumerou mais funções do recurso à LM do que as professoras entrevistadas. Isto é óbvio porque, como coordenador, se pressupõe que tem mais informações. Daí que ele apresenta ainda como um papel importante da LM na aula de LP a facilitação da compreensão: porque talvez ajuda mesmo os alunos na compreensão dos conteúdos/ dos conteúdos (...) os alunos ao ouvirem do professor algumas expressões e…da língua materna/ eles podem compreender melhor…tanto o conteúdo […] simplificar de forma mais fácil para poder compreender e…os conteúdos planificados// (...)…em língua portuguesa há expressões que são bastante difíceis, o que leva os alunos muitas vezes a não compreensão das aulas. Principalmente quando se trata de uma aula como no 3º ciclo que/ nós visamos muito a área da hum…da literatura//

Para motivar os alunos

Para além disso, o coordenador refere o papel da LM na motivação dos alunos, afirmando que: …também serve como uma forma mesmo do próprio professor motivar. Embora não esteja explicitado, a LCV pode servir como um recurso para a motivação quer no âmbito da abordagem da cultura do país, quer de actividade específica de motivação (como o uso de provérbios, anedotas, dramatização e outras estratégias).

Para complementar ideias

Uma outra função introduzida pelo coordenador foi a de complementação do dito, ou seja, a de permitir que o sujeito aluno se diga de um modo mais completo e profundo, vá mais além na sua possibilidade de verbalização: é mais como forma de talvez complementar algumas ideias que poderemos e…chamar ideias e…complexas que o aluno

possa (...) ...mesmo utilizar/ a língua cabo-verdiana como forma de complementar as ideias/ ou seja/ o significado das próprias palavras que utilizamos em língua portuguesa//

Para o ensino da gramática

Finalmente, o coordenador releva o papel da LCV no acesso à gramática:

…leccionar um conteúdo que tem a ver com a questão da gramática … questão do funcionamento da língua em si/ devemos as vezes utilizar.

Reforçamos a ideia que tínhamos referido anteriormente de que estas funções atribuídas à LCV estão relacionadas com as representações que os professores têm da mesma, em particular, dos seus estatutos e funções na aula de LP e no quotidiano dos alunos. Note-se ainda que os professores que acham que a LCV não põe em causa aprendizagem da língua portuguesa, dão-lhe mais importância no processo de ensino, recorrendo a ela com finalidades mais diversificadas. A professora que considera que a LCV põe em causa o processo de ensino e aprendizagem usa-a raramente e apenas para traduzir.