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Relações dos professores com as línguas

Capítulo 4 – Representações de professores cabo-verdianos de língua portuguesa sobre

4.2. Análise e interpretação dos resultados

4.2.1.1. Relações dos professores com as línguas

No que respeita à relação profissional dos professores com as duas línguas, nomeadamente no que se refere à formação específica no âmbito do recurso à LCV na aula de LP, pode-se observar no quadro 2 que mais de metade dos professores nunca tiveram formação neste âmbito; esta formação foi adquirida, pelos restantes, no curso que frequentaram no ISE (5 sujeitos). Um dos professores não especificou onde adquiriu a formação.

Quadro 2: Formação específica no âmbito do recurso à LCV (ou LM) em aula de LP (ou LE e L2) Sim/especificação

(19.1) 5

19. Formação específica no âmbito do recurso à LCV (ou LM) em aula de LP (ou LE e L2)

Nunca 6

Esta situação é preocupante, na medida em que, no nosso país, convivemos com duas línguas, fazendo com que estejam presentes também nos espaços educativos. A situação torna-se ainda mais séria, por se tratar de afirmações de professores formados. Afirmamos isto pelos seguintes motivos:

- A introdução da disciplina de LCV no ISEdeve-se alegadamente à sua pertinência a nível da didáctica de ensino de línguas, nomeadamente da portuguesa como L2 (Brito, 1994: 235), com vista a permitir aos formandos um melhor conhecimento da sua estrutura e a servir-se dela como recurso na distinção e na identificação das interferências e relações (op. cit. : 238);

- No ensino de qualquer língua, a LM está sempre omnipresente;

- A LM é sempre um recurso para melhor ensinar a LP e outras línguas (op. cit.:238); - O professor, um dos intervenientes no processo de ensinar e aprender, terá que dominar a LM dos alunos para que o processo de ensino e aprendizagem seja

realizado em condições psico-didácticas as mais desejáveis possíveis (cf. Brito, 1994: 239).

Se a introdução desta cadeira no ISE se deu neste âmbito, torna-se difícil perceber o que os professores inquiridos afirmaram no questionário. De qualquer modo, estas afirmações são importantes para repensar o papel desta disciplina na formação de professores de LP em Cabo verde, ou de que modo ela está (ou não está) a cumprir as suas finalidades expressas.

Quanto às orientações sobre a utilização da LCV (questão nº 23), e conforme se vê no quadro seguinte, apenas 5 professores afirmaram recebê-las, o que, conjugado com as respostas à questão anterior, vem reforçar a ideia de que a discussão sobre esta questão é muito reduzida nas situações de formação e de vida profissional.

Quadro 3: Orientações sobre a utilização da LCV

Deve ser evitada 0

Sim Pode ser usada, dependendo da

situação e finalidades

5 Orientações sobre a utilização da

LCV

Não 6

As orientações recebidas sobre esta matéria são, no dizer dos professores, coerentes e homogéneas e vão no sentido de se considerar que a LCV pode ser usada, dependendo da situação e finalidades. Parece pois que há um discurso consensual sobre esta questão, nas situações em que ocorre. É de referir que estas orientações foram recebidas ora em situações de formação inicial (cadeiras leccionadas no Instituto Superior de Educação, por indicação de quatro professores), ora em situações de formação contínua (através de leituras, referido por um professor), ora ainda por ocasião de encontros, seminários e outros casos semelhantes, como escreve o professor coordenador da disciplina de Português. Isto significa que os docentes que utilizam a LCV o fazem de modo consciente, na convicção de que não estão a infringir nenhuma regra.

Em relação ainda aos professores que receberam formação específica, os resultados deixam supor que não partilharam os conhecimentos com os colegas (cf. as respostas à questão 31 no anexo 4, quadros 39, 40 e 41). Aqui, nota-se a falta de acompanhamento e de diálogo em relação aos problemas da escola e aos problemas específicos da leccionação das disciplinas.

No que respeita à questão 23.3, as razões apresentadas para legitimar e fundamentar a utilização da LCV na aula de LP são de três tipos: cognitivas, linguísticas e politico- identitárias.

Quanto às razões de ordem cognitiva, a LCV é considerada importante “para o entendimento de alguns conceitos” (professor A), “como forma de melhor entender o português” e de “compreensão dos conteúdos na sala de aula” ( professor H).

Já do ponto de vista linguístico, a mobilização da LM dos alunos justifica-se porque “ às vezes surgem situações que parecem difíceis na óptica dos alunos” (professor F).

Quanto às razões de ordem politico-identitária, os sujeitos inquiridos receberam instruções que os levam a considerar que estas situações de recurso servem “ para valorizar LM tendo em conta que ela é a LM dos cabo-verdianos” (professor J).

Um dos professores não especificou as razões do recurso.

Assim, pode-se concluir que as razões que levam estes professores a utilizar a LCV nas suas aulas espelham as suas representações sobre o recurso à LM.

Debrucemo-nos agora sobre as relações destes professores com as duas línguas em causa, mas agora, do ponto de vista dos seus contextos de aquisição e uso.

O quadro seguinte mostra que a LP foi a 1ª língua apenas de uma professora que não nasceu em Cabo Verde.

Quadro 4: A 1ª língua aprendida pelos professores

LP 1

20. A 1ª língua

LCV 10

Esta situação é idêntica à da generalidade dos cabo-verdianos. Como já tínhamos referido, em Cabo Verde a vida decorre em LCV por ser a língua exclusiva de uma maioria esmagadora da população (Almada, 1998: 158). O bilinguismo, está presente apenas numa franja reduzida da sociedade – a elite letrada (Veiga, 2005: 90). Se na família onde estes professores nasceram se fala a LCV, é natural que seja a 1ª língua a ser aprendida. Observando o quadro 5, pode-se verificar que a maioria dos docentes aprendeu o português entre os seis e os sete anos, o que aponta de imediato para o facto desta aprendizagem se fazer no ensino formal e com o professor, já que esta é a idade de entrada na escola. Contudo, dois inquiridos afirmam começar a falar o português mais cedo: para uma foi a primeira língua e para uma outra foi aos quatro anos. O contacto com o português, para outro inquirido, apenas se realizou aos doze anos.

Quadro 5: Onde, quando e com quem a LP foi aprendida pelos professores

4 anos 2 6-7 anos 8 Quando 2-13 anos 1 casa 2 jardim 1 Onde escola 8 pais 2

21- Início da relação com a LP

Com quem

Como já tínhamos referido anteriormente, se na família a língua utilizada é a LCV, é lógico que o português só é aprendido em contextos formais de ensino e aprendizagem.

Quanto às situações de utilização da LCV e da LP (questão 22), apresenta-se de seguida um quadro sistematizador das respostas dos sujeitos às várias alíneas propostas no questionário (ver anexo 1).

Quadro 6: Situações de utilização da LCV e da LP

LCV LP Ambas Outras

Comunicar oralmente 71 31 16

Comunicar por escrito 5 59 6

Ler 12 30 10 2 (s/e)

Ouvir 21 22 16 Franc. - 4 e Ing . -3

Total 109 142 48 9

(s/e)- sem especificação

Verifica-se que, na comunicação oral, se utiliza mais a LCV. Na escrita, utiliza-se mais a LP. Esta situação deve-se ao facto desta última língua ser até há pouco tempo (ainda no seio de muitas pessoas escolarizadas) a única língua escrita. Já para ouvir, não há muita diferença entre as duas línguas, o que é lógico, porque ambas são usadas na comunicação social, variando conforme os programas e o público a que se destinam e também se os canais são portugueses ou cabo-verdianos.

Quanto à leitura, sabe-se que há pouca literatura em LCV. Como já vimos, isso deve-se não só à oficialização tardia do alfabeto cabo-verdiano, como também à reduzida motivação para a escrita nessa língua, devido ao reduzido número de escritores e leitores com competências nela.

Debrucemo-nos agora mais em pormenor sobre as situações efectivas de uso das línguas em análise em cada um dos domínios considerados, para melhor perceber os contextos

comunicativos dos sujeitos. Passamos assim à síntese das respostas à questão 22, abrangendo todas as alíneas apresentadas (ver quadro 29, anexo 4).

Nota-se que os professores utilizam sobretudo a LP em situações consideradas mais “nobres”, como nas escritas oficiais, materiais didácticos, planos de aula e na comunicação com os alunos. Nas situações de escrita, a LCV é utilizada em diários, bilhetes e em suportes electrónicos (ver quadro 17, anexo 4), portanto, em situações mais informais, ou ainda nas situações de afectividade.

Para os professores, a LCV é a língua da oralidade, das situações informais e de afectividade, enquanto que a LP é a da escrita e das situações formais, sendo utilizada oralmente quando se trata de casos de comunicação com os alunos e nas instituições públicas. Salienta-se que os inquiridos optam por uma ou outra língua em casos de escrita de bilhetes, em suportes electrónicos e nalgumas situações específicas, como nas associações, com os alunos, nas igrejas e em instituições.

Nota-se que os professores fazem algumas leituras da literatura em LCV. Utilizam-na ainda muitas vezes para abordar aspectos culturais e para motivar os alunos (por exemplo, com provérbios, anedotas e outros). Isto demonstra que nestas situações só a LCV pode exprimir fielmente o universo íntimo e a essência da cultura partilhada, aquela através da qual se exprime melhor a autenticidade e a vivência (cf. Almada, 1998:16). Confirma-se desta forma os estudos feitos pelos linguistas Veiga (2005) e Almada (1996), que dizem que a LCV é predominantemente usada na oralidade e a LP em situações de escrita. Conforme estes estudos, isto deve-se ao facto da LCV ser, até há muito recentemente, ágrafa, e não oficial.