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Capítulo 1 – O contexto sociolinguístico e educativo cabo-verdiano

1.2. Caracterização do contexto sociolinguístico e linguístico-educativo cabo-verdiano

1.2.1. A política linguística cabo-verdiana

O problema de utilização das línguas maternas em África é, pelas razões apontadas, muito debatido hoje em dia em todo o continente, a par das questões de natureza política, económico e social que o agitam. Esta questão constitui uma preocupação constante das elites africanas mais progressistas, do pós-independência, as quais consideram que se é certo que os países africanos devem conservar as línguas europeias da colonização e, até, alargar o seu conhecimento, também é verdade que urge restituir ao povo a palavra, repondo a sua língua no altar dos valores culturais de onde foi tirada (Duarte, 1998: 26).

Neste momento, existe uma vontade política determinada de transformar a sociedade cabo-verdiana numa comunidade bilingue de pleno direito, em que a LCV e o Português sejam ambas línguas oficiais e em que os falantes, tendo conhecimento das duas línguas, possam optar pelo uso de uma ou de outra, em todos os contextos, públicos e privados, de um modo funcional e adequado às situações de comunicação. No entanto, a decisão de oficializar a LCV está a ser objecto de polémica (nem sempre bem informada), pois não é fácil normalizar uma língua, isto é, adoptar uma variedade como norma, sem que haja oposição dos falantes das outras variedades.

A LCV já é dotada, desde 1998, com o Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro, de um alfabeto (Alfabeto Unificado Para a Escrita do Crioulo – ALUPEC), tem gramática e dicionários, condições essenciais para a sua inclusão no ensino, de forma generalizada. Pela resolução nº 48/2005, a LCV transforma-se de forma gradual em língua co-oficial,

” para que esteja presente no ensino (como matéria e como instrumento), na administração, nos diplomas legais, nas sessões parlamentares, nas comunicações ao País dos Órgãos de soberania, nos mass-média, na literatura, enfim, em todas as situações formais de comunicação, dentro do país como na diáspora” (Veiga, 2001).

Actualmente, linguistas, professores e estudiosos de outras áreas centram a atenção na discussão em torno da problemática da oficialização da LCV, apresentando posições e argumentações díspares. A este respeito, convém prestar a atenção à afirmação de Duarte (1998: 22), que ressalta que

“toda a nação que se forma só se sente realmente autêntica se tiver a sua própria língua. Com efeito, em relação à exclusão linguística, a luta da libertação do povo cabo-verdiano foi acompanhada da luta para afirmação da língua materna.”

É nesta linha de pensamento que a autora afirma que, ao discutir-se a problemática da utilização do crioulo, deve-se tomar em linha de conta “que uma língua não é apenas um meio de comunicação. Quando materna, ela encerra uma carga eminentemente cultural, afectiva, visto que exprime uma determinada visão do mundo, dando dele uma interpretação que se insere na pratica social de cada povo” (op. cit. 21-22). Acrescenta ainda que “a tomada de posição sobre essa política linguística deve partir da premissa de que a verdadeira libertação de um povo passa necessariamente pela libertação da sua cultura, de que a língua é uma componente essencial “ (op. cit.: 31).

Como já afirmaámos, há aqueles que resistem em aceitar a valorização da LCV. Estes apresentam argumentos de que ela não é escrita, de que necessita de um número elevado de vocábulos para poder ser utilizada em todas as funções sociais e que não é literária (op. cit.: 26-27).

Os que reivindicam a LCV reclamam-na desde a independência. Nessa altura,

“os alunos dos liceus recusavam-se a falar português e a receber aulas em português ignorando assim as implicações pedagógicas decorrentes de tal atitude, e exigiam que o

crioulo fosse guindado imediatamente ao estatuto de língua oficial e consideravam fascistas todos os professores que exigissem a utilização do português nas suas aulas (op. cit. : 95).”

Apesar de muita luta, a LCV ainda não é utilizada no ensino em Cabo Verde, pelo menos em termos práticos. Segundo Manuel Veiga (2001)7, não pode haver bilinguismo funcional em Cabo Verde sem a promoção do ensino da LCV, ao lado da LP.

Sempre com o objectivo de promover e valorizar a LCV, os documentos oficiais também a contemplam nas suas leis, como temos vindo a mencionar. Assim, afirma-se na Constituição da República de Cabo Verde, no artigo 9º alínea nº 3), que “Todos os cidadãos nacionais têm o dever de conhecer as línguas oficiais e o direito de usá-las”. Ora, se a Constituição fala de “línguas oficiais”, do “dever de conhecê-las e do direito de usá- las”, é porque reconhece a oficialização das línguas em referência.

Portanto, é de se concluir que a política linguística não visa apenas a promoção e a valorização da LCV, mas também a da língua portuguesa, ao pretender transformar a sociedade cabo-verdiana numa sociedade bilingue em termos funcionais. Aliás, Veiga (2004: 12) afirma que a defesa exclusivamente da LCV é castrante para um país aberto ao mundo que encontra no diálogo intercultural a alavanca e um dos melhores suportes do seu desenvolvimento. Assim, defende a complementaridade funcional e social entre o português e a LCV e a adequação e rentabilização das metodologia de ensino ao contexto linguístico (op. cit.: 11). Para este linguista, o português deve ser transformado em língua também do quotidiano informal, pelo que deve ser aprendido com rigor, para que na sociedade cabo-verdiana, pelo menos de uma forma expressiva e representativa, se possa estar preparado para codificar e descodificar a língua portuguesa, nos seus diversos domínios de emprego, nas diversas funções que exerce. Para isso, Veiga (op. cit.: 106) afirma que se deve apostar num ensino (do português) exigente e de qualidade.

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