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Funcionários da escola servente, auxiliar e motorista

No documento Cultura surda e educação escolar kaingang (páginas 124-127)

6 ENUNCIAÇÃO DA DIFERENÇA OU O “OLHAR” NA CULTURA

6.2 A REPRESENTAÇÃO DOS SURDOS NOS DIFERENTES AGENTES DA ESCOLA

6.2.2 Funcionários da escola servente, auxiliar e motorista

A escola é um espaço de muitas relações. Os estudantes surdos mantêm contato com os professores, os colegas e também com os motoristas do transporte escolar, que se encontram

diariamente com o estudante surdo antes mesmo dos professores. Um registro de experiência mostra este contato:

• Observava sempre como eles se dirigiam até o ônibus na saída para casa, como desciam quando vinham à escola, com quem estavam sentados. Um dia, presenciei uma cena que me entristeceu. Era o horário do meio-dia e eu precisava falar com a mãe de um estudante surdo que não havia comparecido na reunião. Tomei o ônibus e fui junto com os estudantes até a comunidade em que eles moravam. No retorno, o mesmo ônibus que levava os estudantes do turno matutino já trazia os do vespertino. O ônibus vinha fazendo paradas para apanhar os estudantes; em dado momento, embarcou um menino surdo e todos se afastaram, deixando-o sozinho no banco. Tentei intervir, convidando alguém para sentar, mas, como ninguém aceitou, sentei eu. O menino repudiou, mas continuei sentada, sem manter contato, tentando conversar em LSB com os ouvintes e ao mesmo tempo verbalizando para que entendessem o que conversava, e assim fomos até a escola. Quando todos desceram, perguntei ao motorista se o menino surdo sempre ficava sozinho e por que os colegas não sentavam com ele. O motorista me disse que já foi pior, pois o estudante não queria mesmo ninguém, gritava muito e era rebelde.

Nas observações feitas em agosto de 2007, percebeu-se que esse mesmo menino agora vem brincando com todos e sentam juntos, até em três no banco; ele brinca com o motorista na entrada e saída.

Em 2006/2007, a observadora/pesquisadora investigou, também com os motoristas, o que pensavam sobre o ser surdo Kaingang.

Um motorista da 1ª Linha fez os seguintes comentários:

Sentia eles desorientados, afastados, atitudes rebeldes, eram tratados diferentes. Hoje vejo que não! Eles mudaram. Estou nessa linha há 03 anos e então os vi desde o começo. Agora são educados, comportados, entendem mais. Não sei a LSB. Só algum sinal, cumprimentos. Gostaria de aprender os Sinais. Se eu tivesse um filho surdo eu aceitaria a LSB. Faria de tudo para aprender e dar o melhor para o filho surdo na comunicação através do sinal (MOTORISTA, 2007).

Tempos depois, era significativa a mudança nas entradas e saídas destes estudantes no ônibus. Quando o motorista relata que eram desorientados, é porque também na sala de aula e em outros espaços eles se comportavam da mesma forma.

Para um motorista da 2ª linha, este é o primeiro ano de trabalho com a população indígena e com surdos no ônibus, mas ele já teve contato com surdos antes: tem um irmão adulto surdo, que não é Kaingang; a família é de italianos e não reside na aldeia.

Em seu depoimento, diz que os surdos sofrem muito sem entender e sem ouvir a voz do outro, porque estão juntos, mas há comunicação. Só na escola eles são felizes, porque contam com as professoras que os entendem. Diz que é preciso alguma atividade diferente para eles nos recreios, já que eles sofrem muito. A opinião desse motorista fez pensar e rever os recreios, a fim de observar sob outro olhar o que os surdos faziam nestes intervalos.

Os serviços gerais da escola são realizados por cinco auxiliares. O único auxiliar homem explica que tem pouco contato com surdos, mas que não vê diferenças entre eles na escola. As mulheres auxiliares apresentam diferentes opiniões: Três delas dizem que sentem muita pena deles, porque não falam. Duas consideram que os pais não podem com a vida deles, pois são sem limites e até poderão bater nos pais. Todas concordam que estas crianças eram piores e que estão bem nas aulas se comparado ao que eram no começo.

Bhabha (2005) propõe uma outra dimensão do “habitar”(p. 36) no mundo social, definindo uma fronteira que está ao mesmo tempo dentro e fora, o estar de fora de alguém que, na verdade, está dentro.

Segundo o olhar dos funcionários da escola, os surdos não fazem parte deste espaço, não estão presentes como estudantes, mas estão presentes como representação, já que são vistos como crianças especiais. Afirmam que as crianças da professora Sonimara não são da escola, e sim da professora. Nesse caso, “é difícil ensinar e lidar com eles”. Por outro lado, “eles aprendem e muitos aprendem até mais que os outros, que não são crianças especiais”.

6.2.3 Na aldeia

No dia em que aconteceu a entrevista com os motoristas, havia, nos ônibus, algumas mães de estudantes ouvintes. Quando se perguntou se tinham filhos surdos, parentes

surdos e se conheciam algum surdo na aldeia, as cinco mães que estavam aguardando o horário para ir para casa disseram que não conheciam, não tinham parente e nem filho surdo. Novamente a pergunta: as senhoras não conhecem? Nunca viram os surdos aqui na aldeia? Aqui na escola? No ônibus? “Não”, elas responderam. Correto, essas mães não moravam na sede, mas em comunidades próximas pertencentes à aldeia e vinham poucas vezes à escola. Para Bhabha (2005), colonizado e colonizador fazem uso de uma tática chamada mímica, a partir da qual se constrói uma imagem persuasiva de sujeito, com o objetivo de “apropriar-se e apoderar-se do Outro”(p. 121).

Da mesma forma como foram entrevistados os motoristas, fez-se a enquete na aldeia. Aleatoriamente foram ouvidas pessoas nas ruas e famílias, totalizando cinqüenta opiniões.

Nestas 50 entrevistas, 26 pessoas relataram que conhecem alguns surdos e sabem que eles estudam na escola da Sede, que usam as mãos para falar e que alguns surdos também falam. Outras 20 pessoas disseram não conhecer, não viram e não sabem de nada; 04 disseram que sabem: eles estão por aí na Sede, antigamente também havia surdos, eles eram mudos e viviam nas matas, sozinhos e abandonados depois de adultos. Viviam sozinhos porque queriam, não era a família que mandava embora. Eles gostavam de sumir assim. Afirmaram muitas vezes que antigamente os surdos eram mudos, mas agora não, eles são inteligentes e aprendem.

No documento Cultura surda e educação escolar kaingang (páginas 124-127)