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Fundamentalidade formal e material dos direitos fundamentais

2.2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO PERÍODO PÓS CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE

2.2.1 Fundamentalidade formal e material dos direitos fundamentais

A principal característica dos direitos fundamentais, como a própria terminologia pressupõe, é a sua fundamentalidade, que, de acordo com J. J. Gomes Canotilho, “aponta para a especial dignidade da protecção dos direitos num sentido formal e num sentido material”.71

Nesse mesmo sentido, Robert Alexy leciona que “o significado das normas de direitos fundamentais para o sistema jurídico é o resultado de dois fatores: da sua fundamentalidade formal e da sua fundamentalidade substancial”.72

A fundamentalidade formal encontra-se relacionada à constitucionalização, ou seja, à positivação dos direitos fundamentais no corpo da Constituição, no sentido de um regime jurídico definido a partir dela própria, seja de forma expressa ou implícita, e composto, conforme Ingo Wolfgang Sarlet, especialmente dos seguintes aspectos:

(a) como parte integrante da Constituição escrita, os direitos fundamentais situam-se no ápice de todo o ordenamento jurídico, gozando da supremacia hierárquica das normas constitucionais73; (b) na

qualidade de normas constitucionais, encontram-se submetidos aos limites formais (procedimento agravado) e materiais (cláusulas pétreas) da reforma constitucional (art. 60 da CF), muito embora se possa controverter a respeito dos limites da proteção outorgada pelo Constituinte [...]; (c) além disso, as normas de direitos fundamentais são diretamente aplicáveis e vinculam de forma

71 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. 2003, p. 378.

72 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio

Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 520.

73 No mesmo sentido e também afirmando a vinculação direta dos Poderes

Legislativo, Executivo e Judiciário aos direitos fundamentais, cf. ALEXY, Robert. 2008, p. 520.

imediata as entidades públicas e, mediante as necessárias ressalvas e ajustes, também os atores privados (art. 5º, § 1º, da CF) [..]74

Em razão dessas características, os direitos fundamentais revelam- se como direitos subjetivos indisponíveis ao legislador ordinário, de modo que, no plano infraconstitucional, eles são imunes à abolição ou qualquer forma de ataque que vise a enfraquecê-los, ressalvadas as hipóteses de sua organização, limitação ou complementação por normas inferiores, mas desde que não os nulifiquem. Contudo, João dos Passos Martins Neto adverte que essa garantia de imunidade em face do legislador ordinário está ligada muito mais ao princípio da supremacia da Constituição do que à noção de fundamentalidade. Desse modo, a fundamentalidade estaria mais relacionada ao fato de que os direitos fundamentais constituem cláusula pétrea, uma vez que essa proteção pressupõe uma qualidade especial, que os torna distintos e mais importantes do que os demais direitos do ordenamento jurídico, inclusive em comparação a outras normas constitucionais.75

Mas quais seriam então os direitos fundamentais previstos na Constituição? Existe um rol taxativo de tais direitos? A resposta dessas indagações está intrinsecamente ligada à fundamentalidade material dos direitos fundamentais.

Para J. J. Gomes Canotilho, a ideia de “fundamentalidade material insinua que o conteúdo dos direitos fundamentais é decisivamente constitutivo das estruturas básicas do Estado e da sociedade”76, especialmente no que diz com a posição nestes ocupada pela pessoa humana.77 Essa ideia, segundo o doutrinador, oferece suporte para, entre outras possibilidades, permitir a abertura da Constituição a outros direitos fundamentais, mas ainda não constitucionalizados, assim como para novos direitos fundamentais, donde se extraem os conceitos de cláusula aberta e do princípio da não tipicidade dos direitos fundamentais.78

74SARLET, Ingo Wolfgang. Teoria geral dos direitos fundamentais. In:

SARLET, Ingo Wolfgang et al. Curso de direito constitucional. São Paulo: RT, 2012, p. 267. Nesse sentido, porém com os olhos voltados à Constituição portuguesa, cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. 2003, p. 379.

75 NETO, João dos Passos Martins. Direitos fundamentais: conceito, função e

tipos. São Paulo: RT, 2003, p.

76 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. 2003, p. 379. 77 SARLET, Ingo Wolfgang. 2012, p. 268.

Contudo, deve-se deixar claro que essa ampla abertura, por assim dizer, que implica inclusive na possibilidade de inserir direitos previstos na legislação infraconstitucional no catálogo de direitos fundamentais, é própria da Constituição portuguesa, uma vez que o seu art. 16/1, prevê que “Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional”.

A Constituição de 1988, por sua vez, também permite a abertura material do catálogo de direitos fundamentais, contudo, não de forma tão ampla. Isso porque, ao prever, em seu art. 5º, § 2º, que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, ela não inclui a expressão lei, ao contrário da Constituição portuguesa. Além disso, como adverte Ingo Wolfgang Sarlet, nunca foi da tradição do direito constitucional brasileiro incluir a legislação infraconstitucional como fonte de direitos materialmente fundamentais.79

Com efeito, a norma contida no art. 5º, § 2º da CF/88 reflete uma tradição das Constituições brasileiras desde 1891, sem exceções, ainda que com alguma variação de conteúdo e alcance ao longo do tempo. Trata-se de norma inspirada na IX Emenda da Constituição americana e que traduz o entendimento de que, para além do conceito formal de Constituição (e de direitos fundamentais), existe um conceito material, no sentido de existirem direitos que, por seu conteúdo e importância, pertencem ao corpo da Constituição, ainda que não previstos expressamente pelo Constituinte.80 Há, ainda, respeitável doutrina que defende a existência de uma terceira categoria, qual seja, a dos direitos apenas formalmente materiais. Tal categoria seria composta por aqueles direitos previstos expressamente no catálogo dos direitos fundamentais, mas que, por não terem relação direta com a dignidade da pessoa humana ou mesmo em razão de seu conteúdo e grau de importância para com os valores da sociedade brasileira, não se encaixariam no conceito material de direitos fundamentais.81

Como exemplos de direitos materialmente fundamentais, pode-se citar o princípio da anterioridade tributária e o direito ao meio ambiente

79 SARLET, Ingo Wolfgang. 2012, p. 273-274. 80 SARLET, Ingo Wolfgang. 2012, p. 270.

81 SARLET, Ingo Wolfgang. 2012, p. 271. Nesse sentido, cf. ANDRADE, José

Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 2001, p. 78 et seq. TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 73.

sadio. Aquele, constante da norma do art. 150, III, “b” da Constituição de 1988, foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal como garantia individual do contribuinte e, portanto, proibida de ser modificada por meio de emenda constitucional.82 Já o direito ao meio ambiente sadio, previsto no art. 225, é reconhecido pela Corte Suprema como um “típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo gênero humano”.83

Por fim, estando delineadas as definições da fundamentalidade formal e material, bem como a abertura do catálogo dos direitos materiais que esta proporciona, faz-se mister citar o conceito oferecido por Ingo Wolfgang Sarlet, extraído da lição de Robert Alexy, porém com as devidas adaptações ao direito constitucional pátrio:

Direitos fundamentais são, portanto, todas aquelas posições jurídicas concernentes Às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal (aqui considerada a abertura material do Catálogo).84

2.2.2 Perspectiva objetiva e subjetiva dos direitos