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Fundamento constitucional do adicional de insalubridade

CAPÍTULO 2 ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO VIGENTE E IMPLICAÇÕES

2.1 Fundamento constitucional do adicional de insalubridade

Torna-se bastante difícil estabelecer uma ideia unificada acerca dos direitos fundamentais, em razão de uma certa correspondência destes com os direitos humanos.

Assim, em linhas gerais, importa dizer que os direitos humanos revestem-se de um “caráter universal e intemporal”, ao passo que os direitos fundamentais dependem da positivação constitucional nos diversos ordenamentos jurídicos, em cada país, obedecendo às “limitações de tempo e espaço”.1

Sem embargo, a principal diferença entre direitos humanos e fundamentais consiste no fato de que os primeiros estão intimamente ligados aos “documentos de direito internacional”, e os segundos “[...] aqueles direitos da pessoa reconhecidos na esfera de direito constitucional de um certo Estado.” 2

Luis Roberto Barroso, fala em “virada kantiana”, pois, mediante a positivação dos direitos fundamentais, permitiu-se a aproximação entre a ética e o direito. 3

Os direitos fundamentais, conforme manifestação doutrinária, dividem-se em “gerações” ou “dimensões”.

Os direitos fundamentais de primeira geração são os direitos e garantias individuais e políticas, também chamados de liberdades públicas.

Os de segunda geração são os direitos sociais (ou de igualdade), econômicos e culturais, e o de terceira geração são os direitos de solidariedade e fraternidade, a exemplo do meio ambiente equilibrado e qualidade de vida.

Por fim, os direitos de quarta geração são aqueles ligados à biogenética e ao acesso da minoria a plenitude de direitos.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho, complementa: “[...] a primeira geração seria a dos direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade, a terceira, assim, complementaria o lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade.” 4

1 LINHARES, Paulo Afonso. Direitos fundamentais e qualidade de vida. São Paulo: Iglu, 2002. p. 56.

2 MARTINS, Fernando Rodrigues. Controle do patrimônio público: comentários à lei de improbidade

administrativa. 3. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009. p. 50.

3 apud MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º ao 5º da

Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 7. Ed. São Paulo: Atlas, 2006a. p. 49.

Essa classificação doutrinária dos direitos não é estanque, pois os direitos humanos sempre tenderão a crescer, fomentados pelo fenômeno da globalização.

Isso ocorre por diversos motivos alicerçados na estrutura mundial globalizante, a saber:

[...] ampliação geográfica e crescente do comércio internacional, conectando os mercados financeiros; a evolução dos meios tecnológicos, especialmente das áreas de informação e comunicação; a exigência universal de imposição dos direitos humanos através da democratização do discurso; o culturalismo global; a política pós-internacional composta por atores transnacionais, destacando-se organizações não-governamentais e uniões nacionais; a pobreza mundial; a destruição do meio ambiente; e os conflitos religiosos e culturais disseminados.5

Contudo, os “direitos humanos fundamentais”

[...] não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.6

Assim, é possível concluir que os direitos fundamentais não são “ilimitados”, pois encontram limite nos demais direitos garantidos pela CR, de forma que, havendo conflito entre dois ou mais direitos fundamentais, deverá ser utilizado o “[...] princípio da concordância prática ou da harmonização” 7, sempre buscando a harmonização das normas constitucionais.

O direito à vida está consagrado na CR como “[...] o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos.” 8

O direito à vida possui duas acepções: a primeira está relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de ter uma vida digna com relação à subsistência.

5 MARTINS, Fernando Rodrigues. Controle do patrimônio público: comentários à lei de improbidade

administrativa. 3. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009. p. 48.

6 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º ao 5º da

Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 7. Ed. São Paulo: Atlas, 2006a. p. 27.

7 Ibid., p. 28. 8 Ibid., p. 30.

As questões que envolvem a saúde/vida do trabalhador pressupõem a efetividade de uma série de direitos os quais se vinculam intimamente às questões da liberdade e dignidade humana.

Tais direitos, ditos universais, foram primeiramente enunciados na Declaração dos Direitos do Homem, de 1789, como direitos sagrados.

No entendimento de Paulo Afonso Linhares:

[...] os direitos fundamentais da terceira geração já identificados – direito ao desenvolvimento, direito ao meio ambiente, direito à comunicação, direito à propriedade do patrimônio comum da humanidade e o direito à paz e à segurança - trazem a marca indelével da qualidade de vida, faculdade que tem as pessoas escolhas, do que resulta um conjunto de capacidades que, nos planos individual e coletivo, são realizadas por cada uma dessas pessoas segundo aquilo que entende ser a melhor forma do viver, isto é, o que se refere à aspiração de bem-estar, de paz e segurança, de expectativa de vida, enfim, de desfrute daquelas condições essenciais que cada pessoa deve ter à sua disposição. 9

Não se pode olvidar que há, em nossa Constituição Federal, como vetor preponderante dos direitos fundamentais, a dignidade da pessoa humana, elencada no artigo 1º, inciso III, dispositivo considerado a fonte primeva do ordenamento jurídico, de onde se desdobra alcançar os objetivos presentes na CR (foz), consubstanciado no artigo 3º, que é, dentre outros, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

O adicional de insalubridade, sendo um direito social, e, portanto, de segunda dimensão, encontra guarida no inciso XXIII do artigo 7º da CR10, segundo o qual são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, dentre outros, a percepção do “[...] adicional de remuneração para as atividades penosas11, insalubres ou perigosas, na forma da lei.”

9 LINHARES, Paulo Afonso. Direitos fundamentais e qualidade de vida. São Paulo: Iglu, 2002. p. 228. 10 Essa é a íntegra do art. 7º caput e seu inciso:“São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros

que visem à melhoria de sua condição social:

XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei”

11 Atividade penosa é aquela que demanda um grande esforço físico, extremamente desgastante. Ainda não há

regulamentação legal. Pelo projeto de Lei n. 1.808/89, em seu artigo 1º: “atividade penosa é aquela que, em razão de sua natureza ou intensidade com que é exercida, exige do empregado esforço fatigante, capaz de diminuir-lhe significativamente a resistência física ou a produção intelectual.” Este projeto de lei teve sua apresentação em 30/03/1989 pelo Deputado Paes Landim do PFL/PI, tendo como ementa: “dispõe sobre adicional de remuneração para as atividades penosas”, prevendo o pagamento do adicional de 10% e podendo cumular com os adicionais insalubre e perigoso, porém encontra-se arquivado. Já o Projeto de Lei n. 2168/89 que também se encontra arquivado na Câmara dos Deputados, atividades penosas são aquelas “quando demandem esforço físico estafante ou superior ao normal, exijam uma atenção contínua e permanente ou resultem em desgaste mental ou stress.” Este PL foi apresentado à Câmara em 26/04/1989, tendo como ementa: “dispõe sobre o pagamento do adicional de remuneração, na forma do artigo sétimo, inciso XXIII, da Constituição”, prevendo o adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres e perigosas aos trabalhadores urbanos e rurais.

No mesmo texto constitucional, mais especificamente em seu artigo 225, há a seguinte previsão: “[...] todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

Destarte, temos como descabida, em uma interpretação sistemática e harmônica dos preceitos constitucionais, a leitura isolada do inciso XXIII do artigo 7º, denotando o entendimento, evidentemente equivocado, de haver uma autorização irrestrita para o trabalho em condições insalubres, bastando, para tanto, proceder-se ao pagamento do adicional insalubre (art. 192 da CLT12).

Sendo assim, numa interpretação sistemática13 dos dispositivos constitucionais, há de ser considerado o artigo 1º, III (dignidade humana), fundamento da República Federativa do Brasil, que somente se consolida quando forem respeitados os direitos fundamentais do trabalhador, pois, no próprio inciso XXII do artigo 7º da CR, está disposto que pode haver a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.