• Nenhum resultado encontrado

O princípio da dignidade da pessoa humana no texto constitucional de 1988

CAPÍTULO 1 O ADICIONAL DE INSALUBRIDADE E A DIGNIDADE HUMANA:

1.3 A dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho

1.3.1 O princípio da dignidade da pessoa humana no texto constitucional de 1988

Da leitura do Título I (Dos Princípios Fundamentais) de nossa Constituição da República Federativa, em seu inciso III do artigo 1º 80, extrai-se a dignidade humana como um princípio norteador (norma-princípio), pois possui natureza axiológica e finalística.

Dessa forma, nossa “República Federativa do Brasil” elenca expressamente como fundamento do “Estado democrático de direito” o princípio da dignidade da pessoa humana, devendo ser entendido que a dignidade da pessoa humana não assume o viés principiológico somente porque está previsto expressamente na CR, mas sim pela sua carga valorativa.

O próprio preâmbulo de nossa Lei Maior de 1988, o qual explicitou os fundamentos da legitimidade de uma nova ordem constitucional, assegurou o “[...] exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos [...].”

78 GEDIEL, José A. P. et. al. A irrenunciabilidade a direitos da personalidade pelo trabalhador. In: SARLET,

Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 147.

79 O jurista Norberto Bobbio faz um importante paralelo na sua “Teoria Geral do Direito”, entre as chamadas

“proposições prescritivas” e as “proposições descritivas”, significando, em linhas gerais, que o ‘Direito’ prescreve, norteia um comando de conduta a ser seguida e prevê conseqüências ao descumprimento da norma, ao passo que a ‘Ciência’ se ocupa da descrição daquilo que é observável. BOBBIO, Norterto. Teoria geral do

direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 59-60.

80 Essa é a redação do art. 1º da CF e seu inciso III: “A República Federativa do Brasil, formada pela união

indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

O artigo 170 caput da CR, a seu turno, prevê como fundamento da ordem econômica “[...] a valorização do trabalho humano’ e ‘a livre iniciativa’, almejando-se ‘assegurar a todos existência digna [...].” (grifo nosso)

Já o artigo 226, parágrafo 7º 81 do mesmo texto legal, quando menciona a família, base da sociedade e o papel do Estado, preceitua que o planejamento familiar está: “[...] fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável [...].”

Destarte, nossa Constituição da República adotou o princípio da dignidade humana como fundamental da República Federativa do Brasil, dando claras mostras da consagração da supremacia dos valores do ser humano.

A República Federativa do Brasil, promotora do Estado Democrático de Direito, elenca, no ápice de seu ordenamento (em sua Constituição), a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do sistema constitucional, servindo de amparo para os direitos em geral, sejam individuais ou coletivos, além de revelar-se em um princípio maior e necessário para a interpretação dos demais direitos e garantias conferidos aos cidadãos do país.

Dessa forma, toda e qualquer ação do ente estatal deve ser analisada, sob pena de ser considerada inconstitucional em seu nascedouro por ofender a dignidade da pessoa humana, servindo de paradigma avaliativo de cada ação do Poder Público.

Pode-se dizer que o referido princípio da dignidade humana é a fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais. É este valor que atrai, por conseguinte, a realização dos direitos fundamentais, tornando-se elemento importante do sistema positivo de direito de uma sociedade que elege a pessoa humana como fundamento máximo.

Elevar a dignidade da pessoa humana como um dos princípios gerais do Direito denota suma importância, uma vez que tais princípios são normas de valor genérico que direcionam a compreensão do ordenamento jurídico em sua plenitude, desenvolvendo e especificando

81 Essa é a íntegra do art. 226 caput e parágrafo 7º: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial

proteção do Estado.

§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.”

preceitos em direções mais particulares. Na realidade os princípios constitucionais “enformam” o sistema jurídico (dão forma) e não simplesmente “informam” o sistema 82.

Embora haja a previsão, em termos constitucionais, a respeito da dignidade humana na Lei Maior de 1988, não podemos deixar de constatar que há uma lacuna quando tratamos de delimitar o que seria tal dignidade e, ainda, quanto à eficácia de tal preceito.

A lição sobre o tema é com clareza palmar lecionada por Sarlet:

O constituinte de 1988 preferiu não incluir a dignidade da pessoa humana no rol dos direitos e garantias fundamentais, guindando-a, pela primeira vez, à condição de princípio jurídico-constitucional fundamental e, por sua vez, a que melhor afina com a tradição dominante no pensamento jurídico- constitucional luso-brasileiro e espanhol, apenas para mencionar os modelos mais recentes e que têm exercido – ao lado do paradigma germânico – significativa influência sobre a nossa ordem jurídica. 83

Para José Afonso da Silva, ao expor os Fundamentos do Estado brasileiro:

Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida ‘concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer ideia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido de dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir ‘teoria do núcleo da personalidade’ individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana’. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 250) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana. 84

Para Robles, “[...] os direitos fundamentais são fruto do consenso político, que é a base da constituição [...] os direitos humanos só se convertem em direitos fundamentais depois que

82 Tais ideias foram extraídas e frequentemente postas em evidência nas aulas da lavra do Prof. Dr. Fernando

Rodrigues Martins, ao ministrar, no primeiro semestre de 2010, a disciplina: “Teoria Geral do Direito Público”, na Universidade Federal de Uberlândia - UFU.

83 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2001. p. 42.

passam pelo filtro constitucional, mas eles também têm que superar previamente a prova do acordo político [...].” 85

Como frisam os pensadores Ingo Sarlet e José Afonso da Silva, a dignidade da pessoa recai sobre qualquer pessoa, portanto, não caberá depreciar um valor moral ou ético em relação a determinadas pessoas por serem consideradas, por assim dizer, indignas ou imorais. Como lembram os autores, em princípio, até mesmo os maiores criminosos são “[...] iguais em dignidade, no sentido de serem reconhecidos como pessoas.” 86

O destaque dado na esfera apresentada nos permite qualificar as ofensas contra à dignidade, pelo conceito de dignidade vigente tanto no ordenamento jurídico positivado quanto nos valores sociais vigentes.

Deste modo, impõe-se a garantia dos direitos ao meio ambiente, ao trabalho, à assistência social, à cultura, à educação, à existência, à informação, à integridade física, à integridade moral, à moradia, à alimentação, à previdência social, à privacidade, à saúde, à segurança, à seguridade social, ao lazer e à vida.

Convém ser lembrado que não é apenas em seu art. 1º que a Lei Fundamental direciona sua atenção à dignidade humana. Sarlet nos remete às outras previsões expressas na Constituição da República:

Registre-se que a dignidade da pessoa humana foi objeto de expressa previsão no texto constitucional vigente mesmo em outros capítulos de nossa lei fundamental, seja quando estabeleceu que a ordem econômica tem por finalidade assegurar a todos uma existência digna (art. 170, caput), seja quando, na esfera da ordem social, fundou o planejamento familiar nos princípios da dignidade pessoa humana e da paternidade responsável (art. 226,§ 6º), além de assegurar à criança e ao adolescente o direito à dignidade (art. 227, caput). 87

O significado da instrumentalização do conteúdo da dignidade humana, em nosso sistema positivo, reconhece que o Estado está submetido a ela e sua existência estatal é voltada para a pessoa humana.

85 ROBLES, Gregorio. Os direitos fundamentais e a ética na sociedade atual. Barueri: Manole, 2005. p. 45. 86 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2001. p. 42.

Portanto, o dispositivo constitucional referente à dignidade da pessoa humana é princípio norteador fundamental e também direito jurídico-subjetivo, tendo uma função dupla na esfera prestacionista e defensiva, ou seja, age na imposição de condutas positivas (promoção, proteção da dignidade) e negativas (não violação, infração à dignidade).

Importa frisar que a dignidade da pessoa humana não encontra sustentáculo apenas e tão somente na Constituição da República, mas também nos ordenamentos infra- constitucionais, a exemplo do próprio Direito Civil Brasileiro, tendo alcance tanto na relação vertical (Estado-indivíduo) quanto horizontal (indivíduo-indivíduo).

Ademais, não se pode olvidar a relação entre a Constituição, destacando-se os direitos fundamentais, e o Direito Privado, resultando num relacionamento dialético entre ambos, de influência recíproca.

Dessa forma, as normas de Direito Privado deverão ser interpretadas de acordo com os ditames da Constituição, conforme nos ensina Ingo Wolfgang Sarlet:

Sem que se vá enfrentar, de modo mais detido, a evolução histórica em termos de constitucionalização da ordem jurídica, é significativo que as relações entre a constituição (com destaque para os direitos fundamentais!) e o Direito Privado sempre se revelou como sendo pautada por um relacionamento dialético e dinâmico de influência recíproca. Também por isso a relação entre a Constituição e o Direito Privado pode ser descrita pelo menos a partir de duas perspectivas: a do Direito Privado na Constituição e a da Constituição no Direito Privado. Em primeiro lugar e ocupando um papel de destaque, situa-se a eficácia da Constituição na esfera do Direito Privado (a Constituição do Direito Privado), onde se cuida principalmente de uma interpretação conforme a Constituição das normas de direito Privado e da incidência da Constituição no âmbito das relações entre sujeitos privados, seja por meio da concretização da constituição pelos órgãos legislativos, seja pela interpretação e desenvolvimento jurisprudencial. 88

Com isso, as normas que disciplinam a relação trabalhista, seja a CLT, as normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego e outras pertencentes à seara laboral, merecem ser interpretadas à luz da constituição de 1988 e sua base principiológica, notadamente quando a matéria diz respeito à dignidade da pessoa humana.

88 SARLET, Ingo Wolfgang. Neoconstitucionalismo e influência dos direitos fundamentais no direito privado:

algumas notas sobre a evolução brasileira. In:_______(Org.) et al. Constituição, direitos fundamentais e