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CAPÍTULO 3 DA BASE DE CÁLCULO E MEDIDAS PROTETIVAS

3.3 O direito ao meio ambiente laboral digno e a problemática de sua efetivação

3.3.1 Das políticas econômicas e sociais

Neste subtópico, faz-se uma abordagem histórica de como se deu a evolução das políticas econômicas e sociais na história (contemporânea) da humanidade, notadamente discorrendo sobre a participação do Estado nas políticas públicas e quais os principais

101 ALMEIDA, Amador Paes de. CLT comentada. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 116-117.

obstáculos enfrentados (analisando-se a retórica da época) quando se almejava o bem estar social.

No entendimento do economista e sociólogo Albert O. Hirschman, existiram três ondas reacionárias103, as quais opuseram-se veementemente ao desenvolvimento da cidadania ocidental, notadamente na Europa e Estados Unidos. 104

Uma delas é a crítica desmedida ao Welfare State, mediante discursos que se repetiram ao longo da história, num claro embate entre os reacionários105 e progressistas.

Numa perspectiva econômica, o efeito perverso relaciona-se a um importante dogma, qual seja, o de que o mercado se autorregula.

Assim, no discurso da perversidade:

[...] não se afirma apenas que um movimento ou política não alcançará sua meta, ou ocasionará custos inesperados ou efeitos colaterais negativos: em vez disso, diz o argumento, a tentativa de empurrar a sociedade em determinada direção fará com que ela, sim, se mova, mas na direção contrária. 106

Sendo assim, qualquer política pública que almeje mudar os resultados do mercado, a exemplo dos preços e salários, é considerada nociva ao suposto equilíbrio desse mesmo mercado.

Destarte, existia um mito dos reacionários de que se o salário mínimo fosse estabelecido ou aumentado, a probabilidade do nível de emprego cair seria bastante grande, culminando numa renda agregada do trabalhador menor, ao invés de aumentar.

103 Essas três reações consistem na oposição à questão da igualdade perante a lei e aos direitos civis, embate ao

sufrágio universal e, por último, a crítica ao Welfare State. O embate dos reacionários às mudanças condensou os argumentos em três tipos retóricos, a saber: perversos, ameaçadores e fúteis.

104 HIRSCHMAN, Albert O. A retórica da intransigência: perversidade, futilidade, ameaça. Tradução de

Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 13.

105 Há uma evidente implicação negativa do termo “reacionário”, referindo-se à “reação”, sendo esta uma

indicação importante da característica do pensamento reacionário, pois “a toda ação opõe-se sempre uma reação igual”, nos moldes da terceira lei de Newton.

Nesse mesmo diapasão, encontra-se a retórica de Milton Frieman, em sua obra “Capitalism and freedom”, argumentando que “[...] as leis do salário mínimo são talvez o caso mais claro que se pode encontrar de uma medida cujos efeitos são precisamente o oposto dos pretendidos pelos homens de boa vontade que a apóiam.” 107

Da mesma forma, os problemas, envolvendo a assistência social aos pobres, são considerados uma grave interferência nos resultados do mercado.

Destacam-se como críticos das Poor Laws inglesas: Defoe, Burke, Malthus e Toqueville, argumentando, em síntese, que a disponibilidade da assistência atua como um enorme incentivo à preguiça e depravação, produzindo mais pobreza, ao invés de diminuí-la. 108

Porém, ao contrário do previsto, Karl Polanyi comentou, em 1944, que as poor laws inglesas, após reforçadas pelo ato Speenhamland de 1795, ajudaram a garantir a paz social e a mantença da produção interna de alimentos durante o período das Guerras Napoleônicas, assim que suplementou os salários baixos. 109

Porém, passado o perigo, as desvantagens acumuladas pelo sistema de combinação de assistência e salário sofreram forte ataque.

Dessa forma, em 1834, houve o ato de Emenda às Poor Laws (New Poor Laws), na tentativa de transformar o asilo de pobres no único instrumento de assistência social, como forma de resposta às críticas anteriores. Assim, os necessitados tinham de ficar alijados da sociedade e de suas famílias, aprisionados em asilos assistenciais. Certamente, tais medidas não foram implementadas, pois houve um crescente movimento defendendo que a pobreza não é crime (a merecer uma verdadeira prisão).

107 apud HIRSCHMAN, Albert O. A retórica da intransigência: perversidade, futilidade, ameaça. Tradução de

Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 30.

108 apud HIRSCHMAN, op. cit., p. 31. 109 apud HIRSCHMAN, op. cit., p. 32.

Os adeptos da retórica reacionária sempre preveem os efeitos nefastos das conseqüências involuntárias e dos efeitos colaterais, porém o autor frisa que não são sinônimos de efeitos perversos.

Exemplo disso são os efeitos positivos do serviço militar universal sobre a alfabetização. Da mesma forma, a instituição da instrução obrigatória possibilitou a muitas mulheres a obtenção de um emprego, certamente, uma conseqüência imprevista e muito positiva.

Com relação à assistência social, é improvável que as pessoas arranquem seus olhos visando o pagamento da seguridade social. Igualmente, é muito pouco provável um trabalhador auto mutilar-se para receber o seguro de acidente de trabalho.

Sendo assim, se houve constatações dessa estranheza, certamente ocorreram de forma isolada, para não dizer raramente, sendo difícil querer utilizar alguns poucos casos que pudessem ter ocorrido, num verdadeiro raciocínio generalista e com um argumento viciado, em que a exceção servisse de regra.

Voltando ao raciocínio do efeito perverso, para a ocorrência disso em relação à interferência no mercado e assistência aos pobres, é preciso que o Welfare State conte com que esses pagamentos cheguem efetivamente aos necessitados. A partir de então é que as consequências poderão advir, gerando a apregoada preguiça e dependência.

Entretanto, questiona-se: e se as transferências desses pagamentos não chegarem aos seus destinatários e forem desviadas para outros grupos?

Pode ocorrer de a classe média manipular esses benefícios, a tal ponto de serem os mesmos mais favorecidos em detrimento dos pobres.

A tese da futilidade utilizada na forma do desvio foi inúmeras vezes explicitada como crítica geral do Welfare State.

O economista e ganhador do prêmio Nobel George Stigler110 escreveu um artigo em 1970, intitulado “Lei de Director da redistribuição da renda pública”, fazendo menção a Director 111, outro economista de Chicago, a quem Stigler atribuiu a enunciação de uma verdadeira “lei”, segundo a qual os gastos públicos tem como beneficiários diretos a classe média, com impostos pagos em parte pelos pobres e ricos. 112

Isso só ocorre, na visão do mesmo, pela manipulação das eleições, diminuindo o comparecimento dos pobres, por conta da exigência de alfabetização e registro.

Desta forma, de nada adianta o Estado querer intervir nesta seara, pois o sistema é fechado, autorregula-se e equilibra-se.

Cotejando as teses do efeito perverso e da futilidade, denota-se evidente diferença entre ambas; eis que a tese da perversidade vê o mundo altamente volátil, onde cada investida humana leva a um efeito contrário, desencadeando uma série de efeitos colaterais negativos.

Já na tese da futilidade, as ações e intenções humanas são frustradas ao pretender mudar o que não pode ser mudado, haja vista a existência de “leis” imanentes, ficando o homem impotente para dar efetividade a qualquer alteração na ordem natural das coisas.

Alegava-se que o Welfare State iria colocar as liberdades individuais e o governo democrático em flagrante perigo.

Friedrich Hayek, em sua obra “The Road of Serfdom”, publicada em 1944, alertou que a interferência governamental no mercado seria o fim da liberdade. 113

110 George Stigler ficou em evidência ao ganhar o prêmio Nobel de economia no ano de 1982, diante dos seus

estudos acerca das estruturas industriais, o funcionamento dos mercados e a regulação pública.

111 Aaron Director (1901-2004), professor emérito na University of Chicago Law School em Chicago-EUA, ficou

conhecido como o defensor dos mercados livres, e, como analista econômico, abriu caminhos para novos questionamentos acerca do direito e questões políticas.

112 apud HIRSCHMAN, Albert O. A retórica da intransigência: perversidade, futilidade, ameaça. Tradução de

Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 58.

Assim, qualquer função adicional e além da “competência” do Estado, estaria fadado a ameaçar a liberdade, pois o Estado só poderia fazê-lo por meio da coação, destruindo tanto a liberdade quanto a democracia.

A opinião dominante da época era que o governo democrático, a administração macroeconômica keynesiana (garantidora da estabilidade e crescimento econômico), conjuntamente com o Welfare State, reforçavam um ao outro.

Esse paradigma mudou radicalmente após a eclosão das revoltas estudantis, a guerra do Vietnã, os choques do petróleo e a estagflação do final dos anos 60 e início dos 70, dando margem ao ressurgimento dos defensores da tese da ameaça.

Argumentava-se, agora, que o Welfare State estava em evidente conflito com o crescimento econômico, ameaçando os sucessos econômicos do pós-guerra, a exemplo do baixo emprego e ciclos econômicos “amortecidos”.

Para James O´Connor, em seu artigo intitulado “A crise fiscal do Estado”, escrito no início dos anos 70, “[...] a acumulação de capital social e os gastos sociais (para saúde, educação e assistência social) são um processo altamente irracional do ponto de vista da coerência administrativa [...].” 114

Segundo Samuel Huntigton, quando escreveu, em 1975, acerca de “a crise da democracia” nos Estados Unidos, taxou de “crise de governabilidade” a expansão das despesas de assistência social naquele país, diante da sobrecarga da atividade governamental na seara assistencialista dos anos 60. 115

Por fim, os adeptos da tese da ameaça afirmam que “isto matará aquilo”, decorrente da “mentalidade de soma zero”, ou seja, no jogo de soma zero, os ganhos do vencedor são matematicamente iguais às perdas do derrotado, contudo, o desfecho é sempre negativo, na medida em que o que se perde é considerado mais precioso que o que se ganha. 116

114 apud HIRSCHMAN, Albert O. A retórica da intransigência: perversidade, futilidade, ameaça. Tradução de

Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 98.

115 apud HIRSCHMAN, op. cit., p. 98. 116 HIRSCHMAN, op. cit., p. 103.

Essa retórica reacionária, bastante utilizada no passado como forma de pressão a não mudança dos paradigmas econômicos, políticos e sociais da época, torna-se bastante atual, porquanto os argumentos repetem-se ao longo da história, numa clara mostra das falácias perpetradas pelos conservadores e neoconservadores.

Sendo assim, deve-se ter a perspicácia de saber interpretar esses imperativos de argumentação, pois o conflito sempre existirá na dicotomia dos ranços e avanços, notadamente na seara trabalhista.