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Fundamentos da BNCC

No documento O JOGO DAS POSIÇÕES SOCIAIS: (páginas 188-194)

Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron

4.1 DESMONTAGEM DA BNCC: CONTEXTO E ESTRUTURA

4.1.3 Fundamentos da BNCC

Sobre os fundamentos pedagógicos da BNCC, a ideia de competência ocupa um lugar central. Conforme consta no documento assinalado, competência é defendida como “a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho” (BRASIL, 2017d, p. 8). Tanto as competências gerais quanto as específicas de cada componente curricular consubstanciam os chamados direitos de aprendizagem e desenvolvimento, um conjunto de prerrogativas não ratificadas em lei, mas que remetem ao âmbito pedagógico.

A previsão para o estabelecimento de competências para a Educação Básica está expressa no Artigo 9º, inciso IV da LDB. Nesse trecho de lei consta que cabe à União estabelecer competências e diretrizes para todas as etapas do referido nível educacional em regime de colaboração com os demais entes federativos (Estados, Municípios e Distrito Federal) para construção, a posteriori, dos “currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum” (BRASIL, 1996). Ainda sobre o artigo supracitado, na BNCC ficou declarado que

a LDB deixa claros dois conceitos decisivos para todo o desenvolvimento da questão curricular no Brasil. O primeiro, já antecipado pela Constituição, estabelece a relação entre o que é básico-comum e o que é diverso em matéria curricular: as competências e diretrizes são comuns, os currículos são diversos. O segundo se refere ao foco do currículo. Ao dizer que os conteúdos curriculares estão a serviço do desenvolvimento de competências, a LDB orienta a definição das aprendizagens essenciais, e não apenas dos conteúdos mínimos a ser ensinados. Essas são duas noções fundantes da BNCC (BRASIL, 2017d, p. 11, grifo nosso).

Um dos teóricos cujas ideias são amplamente conhecidas no que diz respeito às competências é o sociólogo suíço Philippe Perrenoud. O próprio autor consentiu que a noção de competência foi construída para atender demandas mercadológicas

e que fora incorporada para o campo educacional assim como aconteceu com outras tantas (PERRENOUD, 1999).

Ainda conforme o autor, as competências precisam se direcionar à análise de situações concretas e delas emergir o conhecimento, como uma forma de confrontamento com o cotidiano de pessoas como os jovens da periferia, dos deficientes e das mães solo (PERRENOUD, 2000). Essa questão do confrontamento está mais próxima do contentamento do que da ideia do enfrentamento, do embate ou das lutas sociais nas quais os sujeitos se recusam energicamente a aceitar uma dada realidade como imutável. A noção de ajustamento das atividades pedagógicas às caixas da realidade concreta fica ainda mais evidente quando Perrenoud (2000, apud DUARTE, 2001, grifos nossos)32 afirma que

para desenvolver competências é preciso, antes de tudo, trabalhar por problemas e projetos, propor tarefas complexas e desafios que incitem os alunos a mobilizar seus conhecimentos e, em certa medida, completá-los.

Isso pressupõe uma pedagogia ativa, cooperativa, aberta para a cidade ou para o bairro, seja na zona urbana ou rural. Os professores devem parar de pensar que dar aulas é o cerne da profissão. Ensinar, hoje, deveria consistir em conceber, encaixar e regular situações de aprendizagem seguindo os princípios pedagógicos ativos e construtivistas. Para os professores adeptos de uma visão construtivista e interacionista de aprendizagem trabalhar no desenvolvimento de competências não é uma ruptura.

Conforme Duarte (2001), a noção de competências conserva forte vínculo com a perspectiva pedagógica de John Dewey do learning by doing (aprender fazendo), que é o cerne das metodologias ativas33, processos nos quais o educando assume centralidade. Outras terminologias que remetem a essa perspectiva, como no caso da proatividade, criatividade, aluno participativo, resolução de problemas e aprender a aprender também foram citadas ao longo da BNCC. O recorte textual a seguir ilustra o exposto:

no novo cenário mundial, reconhecer-se em seu contexto histórico e cultural, comunicar-se, ser criativo, analítico-crítico, participativo, aberto ao novo, colaborativo, resiliente, produtivo e responsável requer muito mais do

32 Transcrição de resposta presente em uma entrevista concedida à Revista Nova Escola. As tentativas de acesso direto ao conteúdo da revista não tiveram êxito, inclusive no site da revista.

33 Concepção que deriva da Teoria da Atividade cujos pensadores mais notáveis são Lev Vygotsky, Alexis Nikolaevich Leontiev, Alexander Romanovich Luria e Vasili Davydov. Todos eles se dedicaram ao estudo sob o viés da atividade psicológica, ao contrário do caráter mais pragmático assumido pelas metodologias ativas.

que o acúmulo de informações. Requer o desenvolvimento de competências para aprender a aprender, saber lidar com a informação cada vez mais disponível, atuar com discernimento e responsabilidade nos contextos das culturas digitais, aplicar conhecimentos para resolver problemas, ter autonomia para tomar decisões, ser proativo para identificar os dados de uma situação e buscar soluções, conviver e aprender com as diferenças e as diversidades (BRASIL, 2017d, p. 14).

Evidentemente que não há contraindicações em tomar a realidade como ponto de partida para as atividades de ensino e aprendizagem, desde que essa mesma realidade não seja vista como um contexto inerte para o qual os indivíduos precisam aprender a lidar criativamente. A propósito, a formação de indivíduos criativos tende a ser confundida com a formação de sujeitos hábeis para a transformação social. Neste sentido, cabe o alerta de que

quando educadores e psicólogos apresentam o “aprender a aprender”

como síntese de uma educação destinada a formar indivíduos criativos, é importante atentar para um detalhe fundamental: essa criatividade não deve ser confundida com busca de transformações radicais na realidade social, busca de superação radical da sociedade capitalista, mas sim criatividade em termos de capacidade de encontrar novas formas de ação que permitam melhor adaptação aos ditames da sociedade capitalista (DUARTE, 2001, p. 38).

Cabe ressaltar que a BNCC não foi o primeiro documento oficial que se fundamentou na ideia de competências. Ela também esteve presente em publicações como: Parâmetros Curriculares Nacionais (1997); Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico (2000); Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena (2001). Referenciais para a formação de Professores (2002); Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (2013).

Nos Quadros 10 e 11 constam as competências gerais da Educação Básica e as competências específicas relativas ao componente curricular de Ciências da Natureza para o Ensino Fundamental, ambas transcritas da versão final da BNCC disponível em site próprio.

Quadro 11

Competências Gerais da Educação Básica conforme a BNCC

ORDEM COMPETÊNCIA DESCRIÇÃO DA COMPETÊNCIA

1 Conhecimento

Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.

2

Pensamento Científico, Crítico

e Criativo

Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas.

3 Repertório

Cultural

Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural.

4 Comunicação

Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo.

5 Cultura Digital

Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.

6 Trabalho e Projeto de Vida

Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.

7 Argumentação

Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.

8 Autoconhecimento e Autocuidado

Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas.

9 Empatia e

Cooperação

Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza.

10 Responsabilidade e Cidadania

Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.

Fonte: Brasil (2017d)

Quadro 12

Competências Específicas de Ciências da Natureza conforme a BNCC

ORDEM DESCRIÇÃO DA COMPETÊNCIA

1 Compreender as Ciências da Natureza como empreendimento humano, e o conhecimento científico como provisório, cultural e histórico.

2 Compreender conceitos fundamentais e estruturas explicativas das Ciências da Natureza, bem como dominar processos, práticas e procedimentos da investigação científica, de modo a sentir segurança no debate de questões científicas, tecnológicas, socioambientais e do mundo do trabalho, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.

3 Analisar, compreender e explicar características, fenômenos e processos relativos ao mundo natural, social e tecnológico (incluindo o digital), como também as relações que se estabelecem entre eles, exercitando a curiosidade para fazer perguntas, buscar respostas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das Ciências da Natureza.

4 Avaliar aplicações e implicações políticas, socioambientais e culturais da ciência e de suas tecnologias para propor alternativas aos desafios do mundo contemporâneo, incluindo aqueles relativos ao mundo do trabalho.

5 Construir argumentos com base em dados, evidências e informações confiáveis e negociar e defender ideias e pontos de vista que promovam a consciência socioambiental e o respeito a si próprio e ao outro, acolhendo e valorizando a diversidade de indivíduos e de grupos sociais, sem preconceitos de qualquer natureza.

6 Utilizar diferentes linguagens e tecnologias digitais de informação e comunicação para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos e resolver problemas das Ciências da Natureza de forma crítica, significativa, reflexiva e ética.

7 Conhecer, apreciar e cuidar de si, do seu corpo e bem-estar, compreendendo-se na diversidade humana, fazendo-se respeitar e respeitando o outro, recorrendo aos conhecimentos das Ciências da Natureza e às suas tecnologias 8 Agir pessoal e coletivamente com respeito, autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação,

recorrendo aos conhecimentos das Ciências da Natureza para tomar decisões frente a questões científico-tecnológicas e socioambientais e a respeito da saúde individual e coletiva, com base em princípios éticos, democráticos, sustentáveis e solidários.

Fonte: Brasil (2017d)

No documento O JOGO DAS POSIÇÕES SOCIAIS: (páginas 188-194)