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3.1. Pressupostos teóricos

Tendo em vista os resultados de diversos trabalhos e o debate acerca do tema da colocação pronominal, apresentados no capítulo 2, esta pesquisa tem por objetivo contribuir para a descrição da norma empregada por brasileiros em fase escolar. Essa opção justifica-se pelos motivos a seguir elencados:

a)a distância entre o que propõem as gramáticas normativas e os diversos estudos que trataram a cliticização pronominal reflete-se no contexto escolar;

b)o tema enseja, ainda hoje, instigantes debates acerca da necessidade de rever normas, de modo a torná-las compatíveis com a realidade lingüística brasileira. A produção escolar nos diversos níveis apresentaria o processo de aprendizagem formal em direção a uma norma que não seria a prescrita nos livros (“nem a dominada pelo próprio professor”), nem a que efetivamente se usa na modalidade oral.

Para cumprir o propósito estabelecido e vincular a questão satisfatoriamente ao debate sobre a norma, desenvolveu-se a pesquisa com base nos pressupostos teórico- metodológicos da Sociolingüística Quantitativa, de inspiração laboviana.

A sociolingüística é um campo interdisciplinar entre a lingüística e a sociologia. É o estudo do efeito de todos e de cada um dos aspectos sociais e lingüísticos sobre a maneira como se usa a linguagem, incluindo suas normas culturais e os contextos de uso dos falantes.

Os estudos sociolingüísticos consideram a diferença entre os usos lingüísticos adotados por grupos segmentados consoante determinadas variáveis sociais, como o gênero, a faixa etária, o nível de escolaridade, o status sócio-econômico. Além disso, levam em conta o fato de que um mesmo indivíduo pode utilizar diferentes variedades da língua de acordo com a situação sócio-cultural e o contexto de produção.

William Labov é considerado o pai da vertente sociolingüística norteadora desta pesquisa. Essa vertente surgiu durante a década de 1960, a partir de seus estudos sobre mudanças em progresso, sob a orientação de Uriel Weinreich. Tais estudos, que discordavam do modelo estruturalista em vigor até aquela época, tinham o objetivo de superar a idéia de que a variação era livre.

O objetivo era determinar a sistematicidade da variação e, para tanto, era necessário que se considerassem os fatores “externos” – sociais – e os lingüísticos. A evolução dos estudos fez com que, em 1968, a sociolingüística chegasse a seus “fundamentos empíricos,” constituindo uma nova teoria da mudança – em “Empirical

Foundations for a Theory of Language Change” –, proposta por Uriel Weinreich,

William Labov e Marvin Herzog.

De modo geral, a Sociolingüística refuta dois importantes princípios teóricos: a visão de que “a comunidade de fala é normalmente homogênea” e a “definição do idioleto como o objeto próprio da descrição lingüística”. Desta forma, a gramática da comunidade de fala passa a substituir a da língua, que era o objeto da análise estruturalista. Passa-se a priorizar, então, a noção de heterogeneidade que, no entanto, não se associa à variação livre, na medida em que os fatos variáveis podem ser correlacionados com fatores externos e internos da língua. Toda análise sociolingüística

passa, então, a se orientar pela noção de variação sistemática, baseada numa heterogeneidade estruturada, uma vez que se parte da premissa de que a variação é inerente à língua e não ocorre aleatoriamente. Tal modelo leva em conta, na relação entre língua e sociedade, a heterogeneidade e a diversidade em situações reais de comunicação, podendo ser a variação sistematizada através do estabelecimento de regras que determinem a escolha do falante por uma ou outra variante. Nos estudos sociolingüísticos, essa opção do falante, que ora se aplica, ora não, é denominada regra variável.

A investigação da regra variável pressupõe que as variantes se encontrem em um mesmo contexto e com o mesmo valor de verdade. Para a depreensão e o entendimento de uma determinada regra variável, o estudo leva em consideração os diversos fatores que possam influenciar a escolha dos falantes por uma das variantes.

No caso deste estudo em particular, postulou-se como hipótese a preferência dos estudantes pela próclise, apesar da intensa “pressão normativa” (exercida pela escola) em favor do uso da ênclise em determinados contextos. Uma vez que tanto a posição pré-verbal quanto a pós-verbal constituem construções possíveis em relação à ordem dos clíticos5 no mesmo contexto sintático, podem-se considerar ambas como legítimas variantes lingüísticas.

Tendo em vista a suposição de que a variante pós-verbal seja a menos produtiva, optou-se por determinar os fatores que a favorecem; em outras palavras, a ênclise é o valor de aplicação. A determinação desses fatores, em consonância com o método

5 Na realidade, também há, no fenômeno estudado, a mesóclise como variante possível. Como tal variante

fica circunscrita à modalidade escrita e de forma pouquíssimo produtiva, o comentário centrou-se apenas nas variantes pré e pós-verbal.

sociolingüístico, parte da análise de variáveis de natureza estrutural e extralingüística, que serão descritasno capítulo 4.

Para o tratamento quantitativo dos dados, utiliza-se o Pacote de Programas GOLDVARB para computadores. Esse pacote torna possível (i) a observação da distribuição dos dados pelas variantes da regra variável, (ii) a análise percentual das ocorrências quanto às variantes estabelecidas em cada grupo de fatores, (iii) o estabelecimento das variáveis relevantes ao condicionamento da regra, de acordo com a projeção que se dá por meio dos índices relativos, e (iv) o cruzamento de grupos de fatores.

3.2. Pressupostos metodológicos

A escolha de redações condiz com o objetivo de investigar a interferência direta da escola na questão da colocação pronominal, fenômeno mais abordado, no caso da sincronia contemporânea, em textos literários (SCHEI, 2002), em textos jornalísticos (VIEIRA, 2002) e em documentos e inquéritos (LOBO, 1992).

Foram aplicados e coletados, ou simplesmente coletados, textos narrativos e dissertativos em escolas públicas e privadas. Constituiu-se um corpus de 590 ocorrências de clíticos junto a lexias verbais simples, selecionadas de 360 redações de alunos da quarta e oitava séries do Ensino Fundamental e da terceira série do Ensino Médio, sendo 180 de escolas públicas e 180 de escolas privadas (15 meninos e 15 meninas em cada série de cada escola).

Para a constituição do “corpus”, não se levaram em conta aspectos relacionados à localização geográfica das escolas nem à classe social nelas predominante. A escolha

das instituições de ensino – que se situam em Oswaldo Cruz, Vila da Penha, Ilha do Governador (Jardim Guanabara) e Campo Grande – teve como principais critérios norteadores (a) o conceito de que gozam na sociedade, que deveria ser mediano e (b) o fato de terem como alunos indivíduos das classes baixa e média, por se acreditar que estes constituem o maior contingente da população em idade escolar (não se trabalhou, portanto, nem com estudantes muito carentes, nem com os pertencentes à classe alta). Buscou-se, de certa forma, priorizar sua orientação metodológica, o que se deu por meio da variável tipo de escola – pública/privada –, partindo-se do princípio de que a escola pública estaria mais comprometida com os PCN e, portanto, mais aberta a propostas de ensino mais inovadoras.

Também não se tomou como ponto de partida a variável faixa etária dos alunos. Uma vez que já se opunham as séries escolhidas, foi possível delimitar que os alunos da quarta série do Ensino Fundamental teriam de 9 a 12 anos, os da oitava série, de 14 a 16 anos, e os da terceira série do Ensino Médio, de 17 a 19 anos.

A distribuição dos textos pelas variáveis extralingüísticas consideradas está sistematizada no quadro a seguir.

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