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Foi no Renascimento italiano que assumiu particular relevância a concepção da sacristia, da sua estrutura arquitectónica e dos seus atributos. As realizações empreendidas distinguiram-na como espaço autónomo e coerente e um dos principais anexos das igrejas. Em algumas ocasiões, a sacristia foi mesmo lugar da pesquisa de novas soluções espaciais segundo o sistema clássico sobre o qual se vinha teorizando, impulsionada pelo mecenato particular e pela actividade dos grandes vultos da arquitectura italiana. Alguns destes espaços tornaram-se verdadeiros arquétipos e modelos cuja influência operou muito além da própria tipologia da sacristia.

Tal foi o caso da emblemática Sacristia Velha de San Lorenzo em Florença, integrada no projecto de reconstrução da basílica ideado por Filippo Brunelleschi. Patrocinado pelos Medici, a família de ricos banqueiros da cidade, o plano da sala considerou uma dupla função: capela funerária da família e sacristia. A combinação dos dois usos favorecia os intuitos de Giovanni e Cosimo de’ Medici, pois, ao subordinar a intenção privada ao papel maior de serviço de apoio ao culto, podia adoptar para a capela da família um espaço de maior monumentalidade que, de outra forma, não seria aceite pelas corporações da república florentina. Pela razão de, em Florença, o interior de uma igreja ser

considerado espaço «público» e como tal ser governado por regras estritas, umas legisladas outras tradicionais, todas codificadas pela prática social10.

Nem o arquitecto ou os encomendantes se conformaram com o tipo de sacristia tradicional, exemplificado nas basílicas de Santa Croce e de Santa Trinita (ambas integrando também capelas familiares, dos Rinuccini (1363-66) e dos Strozzi (1418-23), respectivamente), cuja espacialidade em termos arquitectónicos era essencialmente neutra. Neste sentido, a resposta de Brunelleschi foi totalmente inovadora, abrindo caminho a outras realizações.

A sacristia enforma uma sala cúbica, coberta por cúpula e estruturada por pilastras coríntias. O mobiliário foi disposto ao longo das paredes, libertando o espaço para a circulação, e, ao centro, foi colocada uma mesa, encobrindo o

1| Basílica de San Lorenzo, Florença. Sacristia Velha (F. Brunelleschi, 1421-29; patrocínio de Giovanni di Bicci de’ Medici)

2| Basílica de San Lorenzo, Florença. Lavabo da Sacristia Velha (Andrea del Verrocchio, 1421-29)

© Courtauld Institute of Art

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Sobre a sacristia velha de San Lorenzo, segui os estudos de Christoph Luitpold Frommel (2007, 16-18) e de Marvin Trachtenberg (1995).

túmulo de Giovanni de’ Medici. O lavabo, ele próprio uma peça de extraordinária concepção escultórica executada por Andrea del Verrocchio, foi colocado numa das divisões contíguas. O ponto dominante da sala, para o qual foi propositadamente orientada, é o alçado tripartido da capela, tratado à semelhança de uma fachada, com um arco triunfal ao centro, ladeado por dois panos de parede rematados pela cimalha geral. Este representa, na verdade, o conceito embrionário da tripartição da área do altar segundo o sistema clássico que iria, daí em diante, ser glosado em igrejas, capelas e sacristias.

Parafraseano Arnaldo Bruschi, «questo schema e questo programma si concretizzano in un organismo di estrema semplicità e chiarezza»11. E talvez por essa razão o conceito e o tema propostos tenham exercido tamanha influência na arquitectura renascentista, com inúmeras variantes e interpretações locais, algumas mesmo repetidas pelo próprio Brunelleschi noutros edifícios da sua autoria12. Mas, além das consequências da proposta formal, importa sublinhar a importância da sacristia de San Lorenzo enquanto obra-chave na configuração da identidade tipológica da sacristia, fixando um modelo de organização funcional claro e eficaz.

Pelo contrário, outras invenções renascentistas resultaram menos eficientes, apesar do notável alcance dos projectos ao nível do desenvolvimento do sistema clássico. Refiro-me às sacristias de Santa Maria presso San Satiro em Milão e de Santo Spirito em Florença, respectivamente delineadas por Donato Bramante e Giuliano da Sangallo. A arqueologia que então se fazia e a pesquisa dos modelos clássicos antigos inspiraram o recurso à planta octogonal, encontrada nos panteões e baptistérios da Antiguidade Tardia, para projectar as sacristias.

Ambas são, na realidade, exercícios de estilo mais orientados pela pesquisa formal em torno do clássico do que pela resposta às necessidades

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Bruschi 1994, 124

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Bruschi 1994, 139. Marvin Trachtenberg (1995, 33-34) lista 35 edifícios directamente influenciados pela Sagrestia Vecchia ao longo de cerca de um século.

práticas de uma sacristia. Tanto que a planta centralizada (circular ou octogonal) não veio a ter grande aplicação ao longo da Época Moderna. Deve referir-se, contudo, que a sacristia, apesar de ser uma divisão com tradição recuada na história da arquitectura eclesial, não dispunha de uma estrutura pré- determinada por razões do culto como sucedia com as próprias igrejas, e muito menos de um leque de referentes consagrados pelo uso. Por esta razão, prestava-se mais à experimentação.

3| Santa Maria presso San Satiro, Milão. Sacristia (Donato Bramante, 1476-82;

encomenda do duque Galleazo Maria Sforza).

4| Basílica de Santa Maria del Santo Spirito, Florença. Sacristia (Giuliano da Sangallo, 1489-96; encomenda de Lorenzo de’ Medici).

Os primeiros ensaios planimétricos e espaciais do Renascimento fizeram, assim, surgir novos tipos construtivos que foram, posteriormente, adoptados na configuração de sacristias em Itália, como noutras regiões europeias. A espacialidade cúbica e centralizada deu, mais tarde, lugar a interiores de planta rectangular, dimensões generosas e cobertura abobadada, organizados em eixo para um retábulo, tal como uma igreja, e com grandes paramenteiros dispostos a todo o comprimento dos alçados laterais.

A consolidação da tipologia resultou, por isso, da experimentação de modelos por via da prática construtiva, dando resposta a razões particulares dos encomendantes e às preocupações crescentes da Igreja com a liturgia e a adequada guarda dos objectos litúrgicos (questão a que voltarei no capítulo 2). Daí que, embora reconhecida como um dos anexos próprios das igrejas, a sacristia não tenha sido objecto de desenvolvimento pela tratadística da arquitectura quinhentista. Assinalam-se apenas breves observações em algumas obras, sobretudo incidindo na questão da sua localização e na relação com o presbitério.

Sebastiano Serlio, por exemplo, alude ao problema da colocação da sacristia em igrejas de planta centralizada. Para esta divisão, bem como o campanário e outros aposentos destinados ao clero, não interferir na dinâmica harmoniosa do espaço, sugere a construção de uma torre anexa que servisse todas as funções:

«Although this temple has no campanile, sacristy or rooms for clergy, a campanile could easily be built as an element which would be a fine accomplishment. Under this should be the sacristy with the priests’ living quarters around. These are to be so close to the temple that the clergy could go by a covered way from one to the other»13.

Já no caso das igrejas de planta em cruz latina, esta questão era mais facilmente solucionada com a disposição de duas sacristias a ladear a capela- mor14. Esta proposta veio a ser retomada por Pietro Cataneo, em I quattro primi libri di Architettura (1554): «le sagrestie con il loro campanili si faranno sopra le spalle o da uno, o pur di ambe due lati del cappellone (...) Et in tale principal tempio oltre alla principale si potranno fare piu tribune con tre o cinque navate e con due sagrestie»15. Elas surgem representadas nos planos propostos por Cataneo, com planta rectangular, octogonal ou circular. Nas igrejas de plano 13 Serlio 1996b (1548), lv. V 398. 14 Serlio 1996b (1548), lv. V 420 e 424. 15 Cataneo 1554, 36.

centralizado, a sacristia é integrada por Cataneo no interior do templo, ocupando uma das capelas16.

Mais tarde, Andrea Palladio, no livro IV do seu tratado publicado em 1570, caracterizou a função da sala, sem avançar com recomendações à sua construção: «Si aggiunge alle nostre Chiese un luogo separato dal rimanente del Tempio che chiamamo Sacrestia, dove si servano le vesti sacerdotali, i vasi, e i libri sacri, e l’altre cose necessarie al culto Divino, e dove si apparano i sacerdoti»17.

Ou seja, a principal preocupação dos tratadistas em relação à sacristia foi a de resolver a incorporação de uma divisão anexa, sem comprometer a harmonia do plano das igrejas. Não há referências aos atributos do seu espaço ou à sua organização mais adequada. É interessante, porém, a referência a duas sacristias, indício das prerrogativas eclesiásticas que aconselhavam o seu uso nas principais igrejas: uma reservada às funções quotidianas e outra ao Capítulo e à arrecadação do tesouro e das relíquias. Por outro lado, a breve referência de Palladio parece mostrar já a clara identificação do uso da sala, indiciando a provável influência da reflexão reformista em torno da arquitectura eclesial.

No período que se seguiu ao Concílio de Trento, a tipologia encontrava-se definitivamente normalizada com a especialização do espaço e dos seus atributos. A construção dessa identidade resultou não só das propostas formais anteriores e da fixação dos elementos particulares que a constituíam, como foi favorecida pela renovada preocupação com o decoro do culto por parte da Igreja. Pelo que, o movimento da Reforma Católica determinou também para a sacristia disposições mais correspondentes às exigências da liturgia restaurada. A partir dos últimos decénios de Quinhentos, prevaleceram sobre o espaço critérios mais funcionais difundidos por instruções produzidas não por arquitectos, mas por agentes oficiais da Igreja.

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Cataneo 1554, 41.

Tendo este quadro ideológico como pano de fundo, a partir do final do século XVI e ao longo da centúria seguinte, muitas sacristias foram renovadas na sua configuração arquitectónica, como também na sua localização, não só para facilitar o acesso à capela-mor, como para dignificar o lugar onde se guardavam os objectos do culto. A par desta renovação construtiva, também a produção de mobiliário alcançou notável atenção, renovando-se não só os cadeirais do coro, como o mobiliário de sacristia, as caixas de órgão e os confessionários18. Os lavabos alcançaram maior monumentalidade e a capela ou altar passou a ser o foco dominante da sala.

Os modelos ensaiados em Itália ao longo do Quattrocento foram, paulatinamente, sendo introduzidos na Península Ibérica na centúria seguinte: em Espanha a partir de 1520 e em Portugal no último quartel do século XVI. Tal discrepância cronológica teve que ver com razões de âmbitos distintos e, em última análise, com as dinâmicas inerentes ao contexto artístico de cada país. Mas, se por um lado os ecos das propostas formais renascentistas tardaram, por outro o processo de Reforma foi acompanhado de perto no espaço ibérico, onde se comungou das mesmas preocupações ao nível do decoro do culto e se legislou nesse sentido, como adiante mostrarei. Em todo caso, de uma maneira geral, nos dois países houve lugar ao surgimento de modelos particulares que se tornaram arquétipos da identidade da sacristia, sobre os quais se reflectirá de seguida.

» Espanha

Em Espanha, a pesquisa e desenvolvimento de modelos acabados de sacristias recua à década de 1520. As sacristias quinhentistas espanholas constituem um conjunto notável, delimitado por características comuns, sempre relacionadas com a identificação dos usos e funções concretas que se foram definindo para este espaço, com particular clareza, ao longo da centúria. Outra constante é a utilização do formulário da arquitectura clássica, a partir do qual se definiram, desde cedo, diferentes tipos de sacristia, perfeitamente planificados desde a raiz.

6| Igreja de Santiago de Orihuela, cúpula da sacristia (atrib. Jerónimo Quijano, act. 1524-63).

» 5| Catedral de Murcia, sacristia (Jacobo Florentín – arquitectura e mobiliário, 1522-48).

Entre as primeiras realizações conta-se a da sacristia da catedral de Murcia, sala de planta quadrada coberta por cúpula. Projectada por Jacobo Florentín, este exemplar denuncia a influência do meio artístico florentino, do qual provinha. Essa ascendência verifica-se não só no projecto, como na decoração arquitectónica renascentista dos portais e da cúpula, delineada esta por cercaduras de frutos que recordam os tondi das oficinas Della Robbia. Da mesma forma a sacristia da igreja de Santiago de Orihuela, de plano octogonal,

parece reflectir a congénere milanesa projectada por Bramante para a igreja de Santa Maria presso San Sátiro.

7| Catedral de Sevilla, sacristia (atr. Diego Riaño / Diego de Siloe, 1535-43).

8| Catedral de Sigüenza, sacristia (Alonso de Covarrubias, 1532).

Na catedral de Sevilha, elegeu-se a planta centralizada cruciforme para erguer uma das sacristias espanholas mais interessantes em termos espaciais e decorativos, que se completou em 1543. A historiografia, que se divide na sua atribuição entre Diego Riaño e Diego de Siloe, considera-a uma obra-prima da arquitectura, cuja originalidade construtiva e perfeição das proporções a tornam apenas comparável à própria catedral de Granada19.

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Gómez Moreno; Chueca Goitia 1953, 244; Ceballos 1980, 652. A planta centralizada foi, posteriormente, usada nas sacristias da catedral de Guadix e no Mosteiro de Sobrado na Galiza.

Apesar da qualidade destes projectos, o modelo que teve maior fortuna em Espanha foi outro e radica naquela que, a diversos títulos, constituiu uma obra exemplar: a sacristia maior da catedral de Sigüenza, também conhecida por Sacristia de las Cabezas. Alonso de Covarrubias foi o arquitecto responsável pelo projecto, delineado em 1532 e completado vinte anos depois20. O processo de concepção do espaço foi semelhante ao empreendido pelos arquitectos italianos do Renascimento, com a contaminação das soluções usadas em capelas-panteão. Neste particular, Georges Kubler compara a sacristia da catedral siguentina ao interior do Tempio Malatestiano de Rímini, ideado em 1450 por Alberti21, mas a referência mais próxima à proposta de Covarrubias deve ser procurada na sua intervenção anterior na capela dos Reis Novos de Toledo.

Em termos formais, a Sacristia de las Cabezas inaugura o modelo que serviu de inspiração a outros espaços congéneres até ao século XVIII e que respeitou a seguinte configuração: sala ampla ou mesmo monumental, planta rectangular, cobertura em abóbada de berço, e alçados laterais articulados por pilastras e arcossólios. Estes recessos serviram para encaixar os arcazes, libertando o espaço para a circulação de uma forma económica e cómoda – solução que me parece ter origem nas edículas tumulares, de raiz medieval, como as que Covarrubias realizou para a capela toledana.

Nas palavras de Fernando Chueca Goitia, na sacristia de Sigüenza «se formula – creemos que por primeira vez – la solución más caraterística de las sacristías españolas desde el Renacimiento, solución que se sigue desde entonces en muchas excelentes: la del Salvador, de Úbeda, y la de la catedral de Jaén, ambas de Vandelvira, entre las mejores renacentistas»22.

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A obra foi dirigida por Nicolás de Durango, discípulo de Covarrubias, e Francisco de Baeza. Martín de Vandoma sucedeu-lhes e foi o responsável por toda a decoração pétrea, portas e mobiliário. Chueca Goitia 1953, 150.

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Kubler 1957, 161.

A tipologia arquitectónica da sacristia foi amadurecendo na segunda metade de Quinhentos, segundo este modelo particular nacional. Adoptada nos projectos das sacristias das catedrais de Almería (Juan de Orea, c. 1550-1573), de Jaén (Andrés de Vandelvira, 1548-77), de Toledo (Nicolás de Vergara, 1578 - plano) e de Pamplona (Juan de Villarreal, 1572), esta tipologia encontra, igualmente, representação noutras realizações notáveis ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII, como as das igrejas de Salvador de Úbeda, do mosteiro de San Esteban em Salamanca (Juan Moreno, 1626-44) ou da Cartuxa de Granada (atrib. Francisco Hurtado, 1725-47).

As sacristias de Úbeda e de Jaén são ambas da autoria do arquitecto Andrés de Vandelvira (1509-75). Na primeira, destaca-se o programa decorativo excepcional, onde se conjuga a representação escultórica de doze sibilas, atlantes, cariátides e medalhões com figuras da Antiguidade Clássica. Este programa erudito tem sido alvo de numerosos estudos incidindo no seu significado iconográfico e iconológico, relacionado com a cristianização da iconografia pagã da Antiguidade. Como explica Alfonso Rodríguez Ceballos, a propósito desta sacristia, «el intento de conciliar ciencia pagana y revelación cristiana fue la meta más importante de las diversas teologías platónicas de la época»23.

Ao contrário da sacristia de Salvador de Úbeda, a da catedral de Jaén obedece a uma composição puramente arquitectónica, mas nem por isso menos interessante, sendo considerada «seguramente la más inspirada de su autor y una de las más conseguidas de todo el Renacimiento español»24. A sala apresenta dimensões monumentais (12m x 22m) e alçados de desenho orientalizante – com a sobreposição das arcadas a lembrar a mesquita de

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Ceballos 1980, 653.

Córdova – reinterpretado pela linguagem clássica, que lhe conferem um lugar único na história da arquitectura espanhola25.

9| Igreja de San Salvador de Úbeda, sacristia (Andrés de Vandelvira, 1536 plano; 1540-59 construção).

10| Igreja de San Salvador de Úbeda, pormenor da decoração escultórica da sacristia. » 11| Catedral de Jaén, sacristia (Andrés de Vandelvira, 1548-77).

Os primeiros modelos de sacristia em Espanha, como se viu, constituem espaços acabados, onde se enquadram com harmonia os vários elementos associados às diferentes funções da sala. A introdução do formulário «ao romano» e a intervenção de alguns dos melhores arquitectos do período, conhecedores das realizações transalpinas, teve seguramente um peso determinante na definição precoce da tipologia da sacristia em contexto ibérico

e na criação de um protótipo nacional, cuja utilização se repercutiu até Setecentos.

Sublinhe-se que este modelo não foi, apesar de tudo, o único utilizado, convivendo, paralelamente, com outros tipos de planta, nomeadamente a longitudinal com cobertura em abóbada de berço, mas sem a sucessão de arcossólios para encastrar o mobiliário. Tal sucedeu, por exemplo, nas importantes e monumentais sacristias dos mosteiros reais do Escorial (1563-87) e de Guadalupe (N. Vergara, 1595-97 - plano; 1638-47 - construção). Existiu, de facto, uma constante que prevaleceu na concepção das sacristias em Espanha ao longo da Época Moderna. Ela destaca-se de um universo muito extenso de empreendimentos e de um contexto artístico complexo, marcado por particularidades regionais. Citam-se, aqui, apenas alguns dos casos mais representativos para ilustrar a génese da identidade deste espaço, potenciada pela introdução precoce do sistema clássico da arquitectura.

Na formação da tipologia de sacristia em Espanha, deve, porém, assinalar-se ainda um outro importante factor, que se relaciona com o conhecimento, desde cedo, de tipos particulares de mobiliário para a arrecadação dos ornamentos e das alfaias litúrgicas – os arcazes e os armários. Fenómeno não pouco relevante, considerando que os próprios móveis determinaram a concepção das plantas e alçados desde o início e contribuíram significativamente para a geração de um modelo específico espanhol de sacristia. Tal como os tipos e a linguagem da arquitectura, também o mobiliário deverá ter resultado da introdução das tipologias italianas de armários e credenze desenvolvidas a partir do Quattrocento26, como aliás se verificou em Murcia, cujos arcazes foram desenhados pelo mestre toscano Jacobo Florentín27.

É também interessante que tenha sido no espaço das catedrais que a sacristia surgiu, inicialmente, na sua forma mais acabada e monumental. Tal

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Eberlein 1927; Sordelli 1967; Gherardini 1970.

como em Portugal, também em Espanha a sacristia, como a conhecemos hoje, foi praticamente inexistente no período medieval, embora certos estudos registem algumas sobrevivências na orientação e estrutura do espaço dadas pelo Renascimento28. O impulso construtivo de espaços adequados e monumentais é relacionado, por Ricardo Fernández, não só com a necessidade de guardar os ornamentos litúrgicos que se iam acumulando, como com o aumento e importância dos cabidos. Factor que determinou, igualmente, a construção dos coros nas catedrais espanholas pela mesma época. Em determinada altura, as sacristias maiores ficaram reservadas aos cónegos, e destinaram-se para os beneficiados, capelães e clérigos a sacristia secundária ou outra sala disponível nas sés29.

Está ainda por esclarecer a exacta medida do patrocínio episcopal para as sacristias das sés espanholas e do seu papel ou dos cabidos como encomendantes na definição dos projectos. A qualidade exemplar dos valores construtivos e decorativos destes exemplares tem sido, sobretudo, estudada segundo uma perspectiva formal enquadrada no percurso individual dos arquitectos e mestres que as realizaram. Francisca del Baño Martínez, autora de uma monografia sobre as sacristias catedralícias no período moderno, avança com a tese de que a edificação de sacristias em contexto catedralício espanhol foi, em parte, impulsionada pelo patrocínio dos respectivos bispos, citando os casos de Diego Ramírez Sedeño de Fuenleal (1561-1573) e de Antonio Zapata y