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Gênero e políticas públicas na pesca artesanal

O ano de 1979 representa o marco da implantação de polí- ticas públicas para as pescadoras artesanais, pois incluiu acesso aos seguintes direitos sociais: licença maternidade, aposentadoria, auxílio doença e o seguro defeso. Trinta anos depois entrou em vigor a Lei nº 11.959, de 29 de junho de 2009, que estabelece regras para a atividade pesqueira e normas gerais sobre a Política Nacional de Desenvolvimen- to Sustentável da Aquicultura e da Pesca. Essa política foi formulada, coordenada e executada a fim de promover: a) o desenvolvimento sus- tentável da pesca e da aquicultura; b) o ordenamento, o fomento e a fiscalização da atividade pesqueira; c) a preservação, a conservação e a recuperação dos recursos pesqueiros e dos ecossistemas aquáticos; d) o desenvolvimento socioeconômico, cultural e profissional dos que exercem a atividade pesqueira, bem como de suas comunidades.

Nessa mesma legislação, o artigo nº 4 e seu parágrafo único respondem a uma parcela da demanda das pescadoras ao incluírem na condição de atividade pesqueira o processamento e a comerciali- zação, funções estas desenvolvidas por muitas mulheres que atuam nessa cadeia produtiva.

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No entanto, elas defendem também o direito ao seguro defeso para as trabalhadoras que não coletam, mas participam de outro processo da cadeia produtiva que envolve a espécie em período de reprodução. Questionam, além disso, algumas interpretações da lei, que as mantêm ainda demasiadamente dependentes da figura de um homem (seja pai, marido, irmão ou filho) para legitimar a existência de economia familiar definida na lei citada.

Evidencia-se nesse debate que, no processo de construção social dos comportamentos atribuídos às subjetividades do masculino e feminino, persistem as representações sociais que diferenciam o lugar dos sujeitos nas atividades realizadas na casa e na rua, consequentemente nas profissões e na reprodução social, no uso do tempo e na divisão desigual do trabalho doméstico.

Essa desigualdade nas relações de trabalho remunerado e não remunerado tem contribuído para a tomada de consciência das pescadoras por seus direitos sociais e as tem mobilizado para a luta em favor de políticas públicas que as contemplem. Sobre o tema, Farrah (2004: 51) afirma que “políticas públicas com recorte de gênero são políticas que admitem a diferença de gênero e, com base nesse reconhecimento, implementam ações diferenciadas para mulheres”.

Apesar dos trinta anos entre o acesso das pescadoras aos direitos sociais e a vigência da Lei da Pesca, as profissionais dessa cadeia produtiva ainda identificam na legislação uma cultura de invisibilidade da autonomia das mulheres enquanto sujeitos sociais.

SCHERER-WARREN (2011: 25) questiona sobre a construção de

[...] uma plataforma de direitos humanos que respeite e consolide os “direitos tradicionais” das populações subalternas e que inclua medidas reparadoras de suas condições históricas de sujeitos discriminados, sem que se utilize de políticas meramente assistencialistas ou clientelistas, mas que busque recuperar a história, a cultura, as vozes, os desejos e os projetos das populações subalternas e socialmente excluídas.

As contradições apresentadas sobre a Lei da Pesca eviden- ciam o debate sobre transversalidade de gênero e políticas públicas. No que se refere à transversalidade do gênero Labreque (2010: 901) apresenta várias dimensões. Neste artigo foi adotada a concepção de- fendida por Sylvia Walby, que atribui à transversalidade do gênero um conjunto teórico e um conjunto de práticas:

Enquanto conjunto teórico, a transversalização do gênero consiste em revisar os conceitos-chave que possibilitam um entendimento mais adequado de um mundo enquanto elemento estruturado em função do gênero, em vez de propor uma teoria separada do gênero. Enquanto conjunto de práticas, a transversalização do gênero constitui uma nova estratégia para o desenvolvimento como processo estruturado em função do gênero (WALBY, 2003 apud LABRECQUE 2010, p. 901).

Outro aspecto importante na relação entre gênero e políti- cas públicas consiste no empoderamento/agendamento. Sobre esse tema, Farah (2004: 56-58) afirma o seguinte:

A agenda de gênero na passagem para o século XXI, fundamentada na plataforma de ação definida na Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Beijing, em 1995, e a trajetória do movimento de mulheres no Brasil, influencia diversas diretrizes no campo das políticas públicas.

Sobre políticas públicas de gênero Bandeira (2005: 09) ar- gumenta que

Políticas públicas de gênero implicam e envolvem não só a diferenciação dos processos de socialização entre o feminino e o masculino, mas também a natureza dos conflitos e das negociações que são produzidos nas relações interpessoais, que se estabelecem entre homens e mulheres e internamente entre homens ou entre mulheres. Também envolvem a dimensão da subjetividade feminina que passa pela construção da condição de sujeito.

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No que se refere ao agendamento de acesso ao poder político e empowerment, Farah (2004: 58) chama a atenção para a

[...] abertura de espaços de decisão à participação das mulheres, de modo a garantir que estas interfiram de maneira ativa na formulação e na implementação de políticas públicas. Criação de condições de autonomia para as mulheres, de forma que estas passem a decidir sobre suas próprias vidas, envolvendo, portanto, mudanças nas relações de poder nos diversos espaços em que estão inseridas.

No que se refere ao acesso aos espaços de poder e decisão nas Colônias de Pescadores (as) de Pernambuco, os posicionamentos da Articulação de Mulheres Pescadoras identificam-se com uma agenda positiva de gênero fundamentada em plataformas mais inclusivas de direitos humanos.