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Trajetória da Comissão Pastoral da Pesca em Itapissuma

É importante ressaltar uma síntese das atividades que a religiosa Nilza Montenegro registrou. São ações priorizadas pela Comissão Pastoral da Pesca nas décadas de 1970, 1980 e 1990:

1. Em novembro de 1975, com o apoio da pescadora Maria das Dores, foi possível reunir dezesseis pescadoras na Ponte dos Carvalhos, em Pernambuco, a fim de dialogar e refletir sobre o cotidiano da pesca artesanal.

2. No início de 1976, seis pescadoras de Ponte dos Carvalhos foram con- vidadas a fazer uma visita ao grupo de Itapissuma e, durante um dia de reunião, trataram dos seguintes assuntos: encarecimento do custo de vida, fome, doenças, precariedade de habitação, grande número de filhos, abortos frequentes, alcoolismo, trabalho e remuneração. 3. No mesmo ano, oito pescadoras de Itapissuma se associaram à

SAMPESI44 e começaram a vender os produtos de seu trabalho

(ostra e sururu).

4. Foi reconhecida no ano de 1979 a necessidade da documentação das pescadoras. Nesse ano as mulheres conseguiram o registro da pesca por meio da Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE45).

5. A conscientização dos direitos provenientes da cidadania – a importância de procurar o médico em caso de doença, por exemplo – foi uma marca do ano de 1980.

6. O dia 22 de novembro foi definido como data nacional da luta dos pescadores durante a Assembleia Nacional dos Pescadores, realizada em Olinda, Pernambuco, em novembro de 1981.

7. Em 1982, a Comissão Pastoral da Pesca apoiou e incentivou as reivindicações dos pescadores junto às autoridades competentes no que diz respeito a irregularidades envolvendo derrubada de caiçaras, depredação e aterro de mangues, poluição e proibição de exercer atividades de pesca em mangues por parte de alguns proprietários de terras. Foi iniciado um programa radiofônico, a “Voz do pescador”, que socializava os resultados das reuniões entre a Comissão e a Colônia de pescadores.

44 SAMPESI (Sociedade de Ajuda Mútua dos Pescadores de Itapissuma).

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8. O ano de 1984 foi marcado pela participação das pescadoras num encontro regional da categoria.

No ano de 1993 entre as ações de destaque estão a campanha de conscientização feita através de reuniões, cartazes e divulgação no carro de som, para esclarecimento sobre os direitos previdenciários e como obtê-los. Vários contatos com o INSS46 para esclarecimentos e solicitação de funcionários para fazer o cadastramento e que este fosse realizado na sede da Colônia. Campanha sobre a necessidade da observância da lei do defeso do camarão (Nilza Montenegro).

9. Foram realizadas, em 1994, reuniões sobre a comemoração dos direitos da mulher e sobre os danos à ecologia causados pela pesca predatória, tendo em vista também a preparação para a substituição das redes de malhas de cinco a oito milímetros e de algumas redes com malhas tipo “tela”.

10. Foram realizadas reuniões com a Companhia Pernambucana de Recursos Hídricos (CPRH) de 1995 a 1997. A poluição do rio Botafogo foi um dos pontos de discussão. Grupo de Marisqueiras, por exemplo, sentia os prejuízos do impacto ambiental no trabalho.

Considerações finais

Ao longo desse resgate da história das pescadoras de Pernambuco, concordamos com SCHERER-WARREN (2011: 23) ao considerar relevante o posicionamento, a localização e a memória dos atores sociais no debate político e intelectual contemporâneo. A partir dessa perspectiva, o relato das pescadoras possibilita “desenvolver um debate crítico em torno da diversidade e das contradições das 46 A criação do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por meio da Lei nº 8.029, de 12 de abril de 1990, se deu por meio da fusão do Instituto de Administração da Previdência e Assistência Social (INPS) com o Instituto Nacional de Previdência Social (IAPAS), responsáveis pela concessão de benefícios e arrecadação das contribuições previdenciárias, respectivamente. O novo órgão, uma autarquia federal, passou, pois, a cumular a função de ambos. Fonte: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7777>. Acesso em: 22 jun. 2011.

experiências vividas, dos poderes de representação social e das lutas por reconhecimento”.

As três décadas de inserção das mulheres nos direitos sociais da pesca artesanal e os quase dez anos de existência da Articulação de Mulheres Pescadoras contribuíram no processo de visibilidade e de conquistas dessas trabalhadoras.

Os resultados dos diagnósticos conseguidos pelo Grupo de Pesquisa Desenvolvimento e Sociedade (desenvolvido na UFRPE e financiado pelo CNPq) mostram que as pescadoras identificam os gargalos e reconhecem a necessidade de evidenciá-los e corrigi-los. Algumas lacunas por elas destacadas são:

• Falta de: documentação (carteira de identidade, PIS, CPF e título de eleitor); informações sobre acesso aos direitos sociais; ordenamento na atividade; gestão compartilhada do meio ambiente; educação ambiental; crédito para beneficiamento. • Necessidade de: cartilha sobre doenças ocupacionais das

marisqueiras para médicos e peritos do INSS; alternativa de renda para os meses das chuvas (março a agosto); equipamentos de proteção individual e coletiva (mãos perdem as impressões digitais ao mariscarem); kits específicos de primeiros socorros; valorização da atividade profissional das pescadoras.

• Dificuldade de: comercialização do produto na temporada baixa; segurança (a maioria não sabe nadar).

No Litoral Norte de Pernambuco – espaço social, cultural, político e econômico que vivenciou a experiência de construção de um lugar de fala e acesso ao poder de mulheres pescadoras –, a Colônia Z-10 expandiu fronteiras a partir da formação do movimento social Articulação Nacional de Mulheres Pescadoras.

Desde 2012, o movimento social Articulação das Pescadoras de Pernambuco é liderado pelas seguintes mulheres: Maria das

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Neves (Lagoa do Carro), Joana (Itapissuma), Aparecida (Jaboatão dos Guararapes), Ana Angélica (São Lourenço), Maria da Guia (Floresta) e Cícera (Rio Formoso). Elas foram eleitas em outubro de 2012. Na liderança da Articulação Nacional de Mulheres Pescadoras existem duas representações de pescadoras pernambucanas. São elas: Joana Mousinho (Itapissuma) e Maria José de Paula, conhecida como Lia (Sirinhaém). Sobre a formação deste movimento social, a líder Joana Mousinho relata:

“Eu vejo uma coisa muito importante porque a gente no passado, não eu – eu não era dessa época –, as mulheres nem tinham direito de chegar dentro da colônia. A colônia era só de homem. Aí, hoje a gente vê tantas mulheres presidentes de colônia, não só aqui em Pernambuco, mas em todo o Brasil. Essa Articulação das Mulheres até em Brasília é conhecida. Muitas vezes vai o pessoal da Articulação pra lá discutir problemas”.

Para a irmã Nilza, uma grande conquista da Comissão Pastoral da Pesca em Itapissuma é a participação ativa de quatro pescadoras na Diretoria da Colônia desde a década de 1980.

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Capítulo 6

Aspectos do fenômeno jurídico entre os