• Nenhum resultado encontrado

Gêneros, conjunto de gêneros e sistema de gêneros

CAPÍTULO 2 – INTERAÇÃO EM SALA DE AULA

3. A S ATIVIDADES HUMANAS COMO SISTEMAS DE GÊNEROS

3.3. Gêneros, conjunto de gêneros e sistema de gêneros

 

Para o autor, a concepção de gêneros deve ir além da mera tipificação textual para que não se ignore o papel dos indivíduos no uso e na construção de sentidos. Além disso, é preciso atentar para o fato de que os gêneros não são atemporais e imutáveis, pois dependem do contexto no qual se inserem. Assim, Bazerman considera que

podemos chegar a uma compreensão mais profunda de gêneros se os compreendermos como fenômenos de reconhecimento psicossocial que são parte de processos de atividades socialmente organizadas. Gêneros são o que acreditamos que eles sejam. Isto é, são fatos sociais sobre os tipos de atos de fala que as pessoas podem realizar e sobre os modos como elas os realizam. Gêneros emergem nos processos sociais em que pessoas tentam compreender umas às outras suficientemente bem para coordenar atividades e compartilhar significados com vistas a seus propósitos práticos. (BAZERMAN, 2005, p. 31)

Diante da definição do autor, percebe-se certa congruência com a definição de gêneros segundo a concepção proposta por Bakhtin 2003 [1952- 53/1979] como tipos relativamente estáveis de enunciados, elaborados em

uma esfera social e caracterizados por seu tema, estilo, pela construção formal que os compõe e pela valoração que os orienta.

Para Bazerman, “os gêneros são parte do modo como os seres humanos dão forma às atividades sociais” (p. 31). Ou seja, por meio deles as pessoas são convencidas a se organizarem de determinada forma, assumindo papéis específicos em determinadas atividades. Assim,

para caracterizar como os gêneros configuram-se e enquadram-se em organizações, papéis e atividades mais amplas são propostos vários conceitos que se sobrepõem, cada um envolvendo um aspecto diferente dessa configuração: conjunto de gêneros, sistema de gêneros e sistema de atividades. (BAZERMAN, 2005, p. 32)

O educador norte-americano define o conjunto de gêneros como a coleção de gêneros que uma pessoa tende a produzir num determinado papel. Assim, ao identificar, em uma determinada disciplina escolar, os gêneros com os quais os alunos precisam se envolver para estudar, comunicar-se com os colegas e com o professor, para se submeter ao diálogo e à avaliação, será possível definir, por meio desse conjunto de gêneros típicos de tal contexto, as competências, desafios e oportunidades de aprendizagem oferecidas.

O sistema de gêneros, segundo Bazerman, compreende os diversos

conjuntos de gêneros utilizados por pessoas que trabalham juntas de uma

forma organizada, além das relações padronizadas que se estabelecem na produção, circulação e uso dos textos. Por meio de um sistema de gêneros é possível capturar as sequências regulares com que um gênero segue outro gênero, dentro de um fluxo comunicativo típico de um grupo de indivíduos. O pesquisador ilustra o conceito por meio das práticas de sala de aula:

O conjunto de gêneros escritos por um professor de uma determinada disciplina pode consistir em um programa da disciplina, exercícios escritos, anotações pessoais sobre leituras, anotações para dar aula e planos de aula, questões de exames, avisos por e-mail para a turma, respostas individuais a questionamentos e comentários de alunos, comentários e notas sobre a produção escrita dos alunos e boletins de notas ao final do semestre. Alunos dessa mesma disciplina teriam um conjunto de gêneros de certa forma diferente: anotações sobre o que foi dito nas palestras e aulas, anotações sobre as leituras, esclarecimentos nas fichas de trabalhos solicitados e

no programa da disciplina, questionamentos e comentários para o professor e/ou colegas de turma por e-mail, anotações sobre pesquisa bibliográfica e coleta de dados para tarefas, rascunhos de trabalhos e cópias finais de trabalhos, respostas dos exames, carta de solicitação de revisão de notas. Contudo, esses dois conjuntos de gêneros estão intimamente ligados e circulam em sequências e padrões temporais previsíveis. [...] No fim do semestre, o instrutor calcula através de alguma fórmula a soma de todas as notas com a finalidade de produzir um boletim, que é encaminhado ao funcionário encarregado, para entrar num sistema de gêneros institucional. (BAZERMAN, 2005, p. 33)

O autor explica que o sistema de gêneros do exemplo acima constitui também uma parte do sistema de atividades da sala de aula. Segundo ele, ao definir o sistema de gêneros em que as pessoas estão envolvidas, é possível identificar as estruturas que organizam seu trabalho. Em algumas situações, os gêneros orais serão predominantes, mas, quanto mais se avança na escala educacional, adentrando o mundo profissional, percebe-se o crescimento da importância dos gêneros escritos. Além disso, Bazerman atenta ao fato de que, em algumas atividades, os aspectos físicos assumem um papel central, relegando os gêneros orais e escritos a papéis periféricos e de suporte.

Por fim, o pesquisador afirma que levar em consideração o sistema de atividades junto com o sistema de gêneros é focalizar o que as pessoas fazem e como os textos ajudam-nas a fazê-lo, em vez de focalizar os textos com um fim em si mesmos.

Estudos que levem em consideração a teoria proposta por Bazerman devem, segundo o próprio autor, atentar às peculiaridades advindas da extensão da proposta de atos de fala de Austin e Searle a textos escritos. Um exemplo disso está no fato de que linguistas e antropólogos linguistas que fizeram uso do conceito de atos de fala, o fizeram com base em enunciados orais breves, contendo apenas um ato de fala. Entretanto, embora os textos escritos sejam significantemente maiores que enunciados orais e contenham muitos atos de fala, o educador norte-americano aponta que os textos escritos normalmente têm ações dominantes que definem sua intenção e propósito. Além da questão relacionada à modalidade de linguagem, Bazerman explica que, diferentemente do que ocorre com os enunciados orais, a resposta do leitor a um enunciado escrito está quase sempre separada no tempo e no

espaço do momento da escrita e é protegida pela privacidade de uma leitura silenciosa. Outra diferença está em eventuais divergências entre a intenção ilocucionária e o efeito perlocucionário que não podem ser solucionadas facilmente como ocorre com os enunciados orais. Por fim, deve-se considerar também que os textos escritos, ao contrário dos textos orais, podem viajar mais facilmente para situações completamente novas, em que poderá servir a propósitos não previstos.

3.4. Aula como sistema de atividades e gêneros

Rojo (2007) analisou uma aula de história utilizando a ferramenta

sinopse, proposta por Schneuwly, Cordeiro e Dolz (2005), ligeiramente

modificada ao incorporar os conceitos de Batista (1997) de sequências globais e locais a fim de definir os níveis hierárquicos das sequências de atividades. A sinopse tem como função observar como os objetos de ensino são abordados no decorrer de uma aula, estabelecendo, assim, uma sequencialidade hierárquica das atividades didáticas. Rojo (2007), em seu estudo, considerou a sequencialidade hierárquica da aula observada como um sistema de atividades e analisou os sistemas de gêneros, fazendo referência ao conceito proposto por Bazerman (2005), que organiza os textos que nela circulam.

Como resultado da análise feita por meio da sinopse, a autora verifica que “Bazerman parece ter razão ao qualificar a aula como um sistema de atividades que convocam, cada uma delas, diferentes sistemas ou conjuntos de gêneros e textos/enunciados na sua realização” (p.11). Rojo (2007, p. 11) ainda explica que

os gêneros e textos não se distribuem aleatoriamente na aula, mas formam um sistema na acepção da palavra, funcionando de maneira complexamente relacionada à atividade em questão: os gêneros de outras esferas que não a escolar – científica: relato histórico; literária: poema – somente comparecem nas atividades de leitura, a partir dos textos escritos que circulam na aula. De resto, encadeiam-se a eles enunciados em gêneros escolares orais (e escritos) que fazem a sala de aula funcionar – questionário oral ou escrito, ordens, instruções, explicações e descrições de ações, relatos, pedidos etc. – nos quais, na maioria das vezes, verifica-se a forma dialogal, frequentemente no padrão I-R-A.

Documentos relacionados