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O plano pessoal e a apropriação participativa

CAPÍTULO 2 – INTERAÇÃO EM SALA DE AULA

5. A ANÁLISE DA ATIVIDADE SOCIOCULTURAL EM TRÊS PLANOS

5.3. O plano pessoal e a apropriação participativa

Rogoff (1995) utiliza o conceito de apropriação participativa, ou apenas

apropriação, situado no plano de análise pessoal, para se referir ao processo

pelo qual indivíduos transformam seu entendimento de uma atividade, bem como suas responsabilidades nelas, a partir da própria participação. A apropriação, segundo a autora, relaciona-se aos demais conceitos de aprendizibilidade e participação guiada. Sua noção básica, de acordo com a pesquisadora, refere-se ao fato de que

por meio da participação, as pessoas mudam, e nesse processo de mudança, tornam-se preparadas para engajar-se em atividades subsequentes similares. Mediante esse engajamento na atividade, participando em seu propósito, as pessoas, necessariamente, fazem contribuições contínuas (seja por meio de ações concretas seja por meio do desenvolvimento do entendimento das ações e ideias dos outros). Portanto, participação é em si mesma o processo de apropriação. (ROGOFF, 1995, p. 148, tradução nossa)49

Rogoff , afirma que, em sua abordagem, ao discutir como crianças se desenvolvem por meio do envolvimento com atividades socioculturais, os termos “apropriação” e “participação” contrastam com o termo “internalização” cunhado por Vygotsky. Segundo a autora, tal contraste evidencia-se, pois

a caracterização de Vygotsky sobre a internalização como proveniente do interpessoal para o intrapessoal envolve uma separação no tempo dos aspectos sociais e individuais da atividade, a qual está em desacordo com minha ideia de apropriação participativa, na qual, a participação de alguém é de uma só vez um processo social e individual. (ROGOFF, 1995, p. 161, nota de rodapé, tradução nossa)50

     

49 “The basic idea of appropriation is that, through participation, people change and in the process become prepared to engage in subsequent similar activities. By engaging

in an activity, participating in its meaning, people necessarily make ongoing contributions (whether in concrete actions or in stretching to understand the actions and ideas of others). Hence, participation is itself the process of appropriation.”

50 “(...) Vygotsky's characterization of internalization as proceeding from the interpersonal to the intrapersonal involves a separation in time of social and individual aspects of the activity, which is at odds with my idea of participatory appropriation, in which a person's participation is at one

Dessa forma, a autora explica que o conceito de internalização pressupõe delimitação temporal (antes) das relações entre indivíduos em seu meio social e (depois) da apropriação dos conceitos resultantes dessa relação. Em contrapartida, a visão da apropriação participativa acerca das formas como ocorrem o desenvolvimento e a aprendizagem, segundo Rogoff, envolve a perspectiva de que crianças e os demais indivíduos com os quais elas se relacionam são interdependentes, com papeis dinâmicos, em constante mudança e “o processo pelo qual os indivíduos se comunicam ao tomar decisões é o produto do desenvolvimento cognitivo” (ROGOFF, 1995, p. 148); ele é a apropriação. Assim, em vez de considerar a internalização como um processo em que há a separação entre indivíduo e meio social e em que se assume um estado estático dos elementos envolvidos no que se refere à aquisição de conceitos, memória, conhecimentos e de habilidades, a abordagem de Rogoff tem foco sobre “as mudanças dinâmicas envolvidas em eventos ou atividades ainda em desenvolvimento, no qual pessoas participam”

(ROGOFF, 1995, p. 148, tradução nossa)51. Para a autora, eventos ou

atividades sociais são inerentemente dinâmicos, ou seja, mudança e desenvolvimento lhes são básicos.

A pesquisadora ainda explica que a apropriação participativa envolve a apropriação de recursos e ferramentas culturais, tais como sistemas de linguagem, por exemplo, por meio do envolvimento em atividades organizadas culturalmente, nas quais esses recursos e ferramentas desempenham uma função. Sobre essa delimitação do conceito de Rogoff, Costa e Lyra, explicam que

a questão da transferência de um conhecimento prévio para uma situação presente que implica em algo internalizado pelo sujeito, passa a ser analisada focalizando a participação da pessoa numa determinada atividade (LAVE, 1988; 1991) e como esta participação se relaciona com a sua participação em outra atividade. Para a autora, não são os objetos ou conteúdos (conceitos, signos, etc.) que são transferidos de uma situação a outra “como se eles existissem isolados na

      and the same time a social and an individual process.”

cabeça” (ROGOFF, 1998, p. 691). O termo apropriação é proposto, então, para significar um processo constante de mobilização dos conteúdos, dos sujeitos, das relações e dos artefatos culturais que estão incluídos em uma atividade específica. Infere-se, assim, que, o que é internalizado é a própria atividade como um todo que permitirá ao sujeito a sua participação em atividade similar posterior. (COSTA; LYRA, 2002, p. 641).

Inerente a essa perspectiva de apropriação participativa, salienta Rogoff, é a mútua constituição dos processos pessoais, interpessoais e culturais, pois o desenvolvimento envolve todos esses planos de análise na atividade sociocultural.

Neste capítulo, discutimos três perspectivas de interação em sala aula. A primeira delas, que influencia as demais, evidencia o peso do background cultural dos alunos nas relações sociais construídas nesse ambiente, bem como no processo de ensino e aprendizagem. A segunda perspectiva caracteriza a aula como um sistema de gêneros, na qual o trabalho do professor frequentemente define gêneros e atividades, a partir dos quais se criam oportunidades e expectativas de aprendizagem. Por fim, a terceira perspectiva aponta para duas instâncias discursivas complementares em sala de aula, ao longo das quais se organizam os processos de ensino, bem como as configurações de interlocução adequada para que haja a transmissão de saber: a instância da aula e a do exercício (em geral, com base no material didático).

No capítulo 4, a partir do conceito de estruturação da aula como sistema de atividades e de gêneros de Rojo (2007), embasada em Bazerman (2005), será possível analisar a estruturação da aula mediada por MDDI para tablets. Além disso, o subsídio teórico fornecido por Batista (1997) quanto à interlocução em sala de aula e às interações entre professor-aluno e aluno- material será utilizado para verificar se tais aspectos se mantêm no contexto de aula mediada por MDDI.

A fim de organizar as categorias de análise definidas, adotaremos a abordagem proposta por Rogoff (1995), na qual se estabelecem os três planos de análise: comunitário/institucional, interpessoal e pessoal.

No próximo capítulo, justificaremos a relevância social e acadêmica deste trabalho, descreveremos a metodologia da pesquisa, além de detalharmos os objetos de pesquisa, objetivos e questões estabelecidos.

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