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A prática docente mediada por materiais didáticos digitais interativos

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Academic year: 2021

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INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

Jezreel Gabriel Lopes

A PRÁTICA DOCENTE MEDIADA POR MATERIAIS

DIDÁTICOS DIGITAIS INTERATIVOS

                       

CAMPINAS,

2015

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A PRÁTICA DOCENTE MEDIADA POR MATERIAIS

DIDÁTICOS DIGITAIS INTERATIVOS

Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestre em Linguística Aplicada, na área de Linguagem e Educação

Orientador (a): Prof(a). Dr(a). Roxane Helena Rodrigues Rojo

Este exemplar corresponde à versão final da Dissertação defendida pelo aluno Jezreel Gabriel Lopes e orientada pela Profa. Dra. Roxane Helena Rodrigues Rojo

______________________________ Roxane Helena Rodrigues Rojo

CAMPINAS,

2015

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participante, uma experiência de uso de material didático digital interativo (MDDI) para tablets a fim de verificar como se realizam os processos de produção e condução da prática docente nessas condições. Para isso, buscou-se, inicialmente, definir o contexto contemporâneo mediado pelas novas tecnologias da informação e comunicação, cujas práticas sociais, nos mais diversos âmbitos da vida humana, tornam-se cada vez mais permeadas por multiletramentos (COPE; KALANTZIS, 2006 [2000]), e novos letramentos (LANKSHEAR; KNOBEL, 2007). Por meio da definição desses conceitos, construiu-se embasamento para orientar a produção do MDDI utilizado no estudo. Além disso, a pesquisa evidencia os conflitos decorrentes da coexistência de dois ethos distintos, elucidados, entre outros fatores, pela popularização das tecnologias móveis (tablets e celulares). A inserção desses dispositivos móveis na escola gerou conflitos entre professores, instituições e alunos, pois rupturas nos paradigmas educacionais tornaram-se evidentes. As abordagens teóricas para embasamento da análise da pesquisa voltaram-se para a estruturação da aula mediada por MDDI (BAZERMAN, 2005; ROJO, 2007) e os processos de interação, por meio da constituição da interlocução em sala de aula (BATISTA, 1997), entre professores e alunos e também os processos de interação estabelecidos entre alunos e MDDI. Todos esses objetos de análise foram organizados por meio de três planos de análise constitutivos (institucional/comunitário, interpessoal e pessoal) de uma atividade sociocultural (ROGOFF, 1995) . Ao término do estudo, foi possível constatar que a mera disponibilidade tecnológica não é suficiente para que as práticas de ensino englobem os multiletramentos e os novos letramentos. Faz-se necessário, para isso, um projeto pedagógico que considere claramente os propósitos da introdução da tecnologia em sala de aula. Além disso, o trabalho com MDDI construído a partir do conceito de protótipo faz com que o professor assuma um papel ativo na seleção de gêneros, escritos e/ou multissemióticos, que constituem o material, na escolha de objetivos pedagógicos a serem alcançados e os caminhos de estudo pelo MDDI ao longo de uma aula. Nossos resultados apontaram também para, nesse contexto, o professor assumindo um papel de mediador e organizador das informações constituintes do objeto de ensino ao longo da aula. Quanto ao uso do MDDI por alunos, percebeu-se a tendência a manter práticas de leitura linear e pouco incidência no uso dos recursos oferecidos pelo MDDI e dispositivo móveis para pesquisa. Por fim, embora não tenha sido o foco da pesquisa, foi possível constatar que atividades em que alunos se engajam no contexto de ensino mediado por MDDI podem ser conduzidas de forma a valorizar práticas colaborativas, que fazem uso de novas tecnologias e exigem o trabalho com a habilidade de interpretar e estabelecer relação entre as informações de gêneros constituídos por semioses diversas.

Palavras-chave: Materiais didáticos digitais interativos, Língua Materna,

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processes and conduct of teaching practice mediated by digital interactive courseware (DIC) for tablets. For this purpose, we attempted to define the contemporary context mediated by new information technologies and communication, whose social practices in various spheres of human life, become increasingly permeated by multiliteracies (COPE; KALANTZIS, 2006 [2000]) and new literacies (LANKSHEAR; KNOBEL, 2007). By defining these concepts, it was built foundation to guide the production of DIC used in the study. In addition, the survey highlights the conflicts arising from the coexistence of two distinct ethos, elucidated, among other factors, the popularization of mobile technologies (tablets and mobiles). Entering these mobile devices in school generated conflicts between teachers, students and institutions, as disruptions in educational paradigms became evident. The theoretical approaches to the analysis of the research foundation turned to the structuring of the class mediated DIC and interaction processes, through the establishment of dialogue in the classroom between teachers and students and also the processes of interaction established between students and DIC (BAZERMAN, 2005; ROJO, 2007). All these objects of analysis were organized through three constitutive planes of analysis (institutional / community, interpersonal and personal) from a sociocultural activity (ROGOFF, 1995). At the end of the study, it was found that the mere technological readiness is not enough that teaching practices of multiliteracies and new literacies. To achieve this, it is necessary an educational project that clearly consider the purpose of the introduction of technology in the classroom. In addition, work with DIC built from the prototype concept makes the teacher take an active role in the selection of genres, whether written or multisemiotic, constituting the courseware, the choice of educational objectives to be achieved and the ways study over the DIC a class. Our results also pointed out, in this context, the teacher assuming a role of mediator and organizer of the constituent information of the object of teaching during the class. Regarding the use of the DIC by students, it was noticed the tendency to maintain linear reading practices and little effect on the use of resources offered by the DIC and mobile device to search. Finally, although it was not the focus of research, it was found that activities in which students engage in educational context mediated by DIC could be conducted in order to enhance collaborative practices that make use of new technologies and require working with the ability to interpret and establish the relationship between the information of multisemiotic genres.

Key words: Digital interactive courseware, Mother tongue, Mobile technologies,

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INTRODUÇÃO ... 8

CAPÍTULO 1 – UM TEMPO PARA MULTILETRAMENTOS ... 17

1.MULTILETRAMENTOS, NOVOS LETRAMENTOS, TECNOLOGIAS E EDUCAÇÃO ... 28

2.MUNDOS EM CHOQUE ... 35

CAPÍTULO 2 – INTERAÇÃO EM SALA DE AULA ... 46

1.PERSPECTIVAS DE INTERAÇÃO EM SALA DE AULA ... 46

2.A ETNOGRAFIA DA COMUNICAÇÃO E A SOCIOLINGUÍSTICA INTERACIONAL ... 47

3.AS ATIVIDADES HUMANAS COMO SISTEMAS DE GÊNEROS ... 53

3.1 Fatos sociais ... 55

3.2. Atos de fala ... 56

3.3. Gêneros, conjunto de gêneros e sistema de gêneros ... 58

3.4. Aula como sistema de atividades e gêneros ... 61

4.A AULA E SUAS INSTÂNCIAS DISCURSIVAS ... 62

4.1. A instância da aula ... 62

4.2. A instâncias do exercício ... 65

5.A ANÁLISE DA ATIVIDADE SOCIOCULTURAL EM TRÊS PLANOS ... 67

5.1. O plano comunitário/institucional e a aprendizibilidade ... 69

5.2. O plano interpessoal e a participação guiada ... 71

5.3. O plano pessoal e a apropriação participativa ... 73

CAPÍTULO 3 – METODOLOGIA ... 77

1.O CAMPO DA PESQUISA E A COLETA DE DADOS ... 78

2.O MATERIAL DIDÁTICO DIGITAL INTERATIVO ... 80

3.A OBSERVAÇÃO COMO METODOLOGIA DE PESQUISA ... 86

3.1. A observação participante ... 88

3.2. O olhar do pesquisador ... 91

3.3. Recursos tecnológicos auxiliares ... 92

3.4. O processo de observação ... 93

3.5. O impacto sobre o observado e questões éticas ... 93

3.6 A observação em sala de aula ... 94

4.MÉTODO DE ANÁLISE DOS DADOS ... 96

CAPÍTULO 4 – ANÁLISE DE DADOS ... 98

1. ORGANIZAÇÃO DA ANÁLISE ... 98

2.ANÁLISE DO PLANO INSTITUCIONAL OU COMUNITÁRIO ... 99

2.1. O contexto sociocultural ... 99

2.2. Infraestrutura tecnológica e usos das tecnologias na prática docente ... 101

2.3. O material didático digital interativo ... 103

2.4. A estrutura da aula aplicada ... 106

3.PLANO INTERPESSOAL ... 109

3.1. Relação professor-aluno durante as aulas ... 109

3.2. Relação entre alunos e MDDI ... 114

4.PLANO PESSOAL ... 118

4.1. Atividades realizadas em sala de aula ... 118

4.2. Atividades realizadas após as aulas ... 122

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 123

REFERÊNCIAS ... 128

ANEXO A ... 138

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa propõe-se a analisar uma experiência de uso de material

didático digital interativo (MDDI) para tablets1, inserindo-a num conjunto de

reflexões acadêmicas que, guardadas suas especificidades, objetivam discutir a constituição de elementos da prática docente nesse contexto. Esses dispositivos móveis com telas sensíveis ao toque podem possibilitar uma maior interatividade entre leitor e texto, reunindo recursos que vão muito além de um simples virar de página com o toque dos dedos: é possível navegar por hipertextos e explorar hipermídias estando-se, assim, apto a interagir com figuras e infográficos interativos, acessar vídeos e gravações de áudio, ou seja, vivenciar uma experiência de leitura multissemiótica que requer multiletramentos, ou seja, práticas de letramento que envolvem multissemioses em um contexto multicultural. Justamente por isso, tal plataforma foi escolhida como suporte para um MDDI, desenvolvido pelo professor-pesquisador autor deste estudo. A utilização de tablets no âmbito escolar pode confrontar práticas educacionais fortemente estabelecidas ao longo do tempo, ao passo que salienta a necessidade de a escola atentar para as novas práticas de letramento oriundas do contexto cada vez mais digital, multissemiótico e multicultural no qual se insere a sociedade contemporânea.

A convergência de semioses e discursos, acesso à informação vasta e ilimitada, a hipertextos, a hipermídias, além da democratização da autoria e da veiculação de discursos em diferentes semioses evidenciam um fenômeno maior que as consequências dos avanços tecnológicos. Essas novas práticas de letramento, segundo Rojo (2013, p. 6), “estão relacionadas a uma nova mentalidade, que pode ou não ser exercida por meio de novas tecnologias digitais”. Diante de tal constatação, nota-se que apenas o uso de tecnologia nas escolas não significa necessariamente a inclusão das novas práticas de letramento em seu currículo. Mais que isso, para que a escola se apodere dessas novas práticas, é preciso, primeiramente, compreender que, associado      

1 Podemos pensar em uma definição de tablets como dispositivos móveis em formato de tabuletas, com telas sensíveis ao toque, que permitem a interação por gestos e aceitam conexão sem fio à Internet (AGNER, 2011 apud STUMPF; GONÇALVES, 2012).

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aos novos letramentos, encontra-se um novo ethos (LANKSHEAR; KNOBEL, 2007), ou seja, uma nova ética, uma nova mentalidade para lidar com os discursos veiculados na sociedade contemporânea. Essa nova ética enfatiza, como anteriormente mencionado, a colaboratividade na produção de discursos, fator que resulta na dissolução da autoria e de relações assimétricas. Além disso, a popularização das ferramentas digitais necessárias à criação de conteúdos permite dispensar conhecimentos técnicos, anteriormente necessários aos novos letramentos.

No contexto contemporâneo, por meio de serviços como redes sociais e

blogs, pessoas criam e compartilham fotos, vídeos e textos, sejam esses

materiais originais ou oriundos de outras criações que já circulam pela rede. Por meio de tal prática, percebe-se cada vez mais a quebra do paradigma relacionado a grandes empresas de comunicação como produtoras e distribuidoras exclusivas de conteúdo e o emergir de questões éticas e políticas advindas dessa transição, como, por exemplo, a propriedade de direitos de autor. Além disso, cada vez mais as instituições públicas e privadas oferecem serviços online, como declaração de imposto de renda, compras, contração de serviços, além cursos superiores e profissionalizantes, fato que pressupõe que o cidadão esteja apto para lidar com ferramentas digitais para que tenha acesso a tais serviços. Esses poucos exemplos citados traçam um panorama de uma sociedade cada vez mais dependente de novas práticas provenientes das tecnologias digitais, por vezes fundadoras da nova ética descrita por Lankshear e Knobel. A despeito dessa realidade, a escola, em muitos casos, ainda se abstém ― por falta de profissionais capacitados ou de infraestrutura, ou por questões políticas ― de englobar essas novas práticas como elementos essenciais de ensino, constituindo, como dizem Almeida e Silva (2011), um WebCurrículo.

Segundo Rojo (2006, p. 264), pesquisas situadas na área da Linguística Aplicada devem considerar problemas com “relevância social suficiente para exigirem respostas teóricas que tragam ganhos a práticas sociais e a seus participantes, no sentido de uma melhor qualidade de vida”. A autora ainda aponta para a importância de se buscar reflexões sobre as novas possibilidades, a partir dos novos instrumentos alvos das pesquisas. Dessa

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forma, ao considerar a problemática anteriormente traçada, é possível afirmar que este trabalho apresenta questões de relevância à Linguística Aplicada, pois busca criar inteligibilidade sobre os efeitos de materiais didáticos digitais interativos para tablets na dinâmica de aulas de Língua Portuguesa, ao mesmo tempo em que propõe uma forma de trabalho com tal tecnologia que se pretende situada nesse novo ethos, constituído de novas práticas e novas configurações de discurso.

Ao se considerarem as ações anunciadas recentemente pelo governo

brasileiro2, que visam a introduzir o uso de tablets em escolas públicas, será

cada vez mais necessário atentar à formação do professor para o uso de tal tecnologia e de seus recursos, bem a como isso poderá alterar, ou não, as formas de ensino-aprendizagem em sala de aula e, principalmente, quais tipos de materiais didáticos utilizar nesses dispositivos. A falta de pesquisas sobre o uso dessa ferramenta nas escolas e de seus impactos pode ser ilustrada pela matéria de Breno Costa e Renato Machado, publicada pela Folha de S. Paulo, em 01/02/2012:

O MEC (Ministério da Educação) vai gastar cerca de R$ 110 milhões na compra de tablets para serem usados em sala de aula sem ter produzido um estudo definitivo sobre o uso pedagógico dos aparelhos. Conforme a Folha revelou ontem, o MEC iniciou na semana passada, sem alarde, uma licitação para a aquisição de 900 mil tablets. ("Sem saber como usar", Folha de S. Paulo On-line, São Paulo, 01 fev. 2012. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/23424-mec-

gasta-r-110-mi-em-tablets-sem-plano-pedagogico-previo.shtml>. Acesso em 19/08/2012.)

Em oposição ao veiculado na matéria acima citada, a informação divulgada no site do MEC é de que haverá cursos sobre as novas mídias oferecidos a professores por especialistas de universidades federais, além de      

2 Segundo artigo publicado pela Folha /Uol, em janeiro de 2012, o governo anunciou a distribuição de 600 mil tablets para alunos do Ensino Médio. (Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/23424-mec-gasta-r-110-mi-em-tablets-sem-plano-pedagogico-previo.shtml>, acesso em 19/08/2012). Além disso, diversas escolas particulares já adotaram a tecnologia em suas salas de aula, como reportado no artigo “Enfim, o badalado tablet chega à sala de aula”, da Veja On-line de 14 de agosto 2011. (Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/tablets-chegam-as-escolas-de-ponta-do-brasil-%E2%80%93-e-trazem-um-velho-desafio>, acesso em 19/08/2012).

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um acervo de materiais disponíveis a todos os profissionais da educação, no

Portal do Professor3.

Até o momento, no entanto, nota-se uma tendência de utilização desses

tablets de forma restritiva, isto é, como leitores de arquivos de texto (PDF,

DOC, DOCX, TXT) sem conexão à internet, desconsiderando-se possibilidades muito mais ricas e complexas do dispositivo em questão. Dessa forma, adota-se ou adota-se altera a tecnologia, mas as práticas continuam situadas no velho

ethos, deixando à margem os letramentos necessários à contemporaneidade

em seus diversos âmbitos. Sobre essa tendência, ainda na mesma reportagem, a coordenadora do programa ministerial no Sul e no Amazonas e pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Léa Fagundes, alerta para o fato de as medidas governamentais não abarcarem discussões sobre como a compra do aparelho e seu uso poderão situar ou não a educação em um novo ethos:

A única audiência pública realizada pelo MEC para subsidiar a compra, em agosto, envolveu só aspectos técnicos, como sistema operacional e tamanho de tela, e não as questões educacionais. O receio dela é que o tablet seja usado para reforçar o padrão educacional existente. “Tenho medo é de que os governos estejam comprando porque nele cabem 300 livros didáticos. Então, o paradigma não muda”, diz. ("Sem saber como usar", Folha de S. Paulo On-line, São Paulo, 01 fev.

2012. Disponível em:

< http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/23424-mec-gasta-r-110-mi-em-tablets-sem-plano-pedagogico-previo.shtml>. Acesso em 19/08/2012.)

Tal realidade de permanência do paradigma de ensino evidencia o fato de que a escassez de estudos acerca dos usos de materiais didáticos digitais interativos em sala de aula faz com que escolas e professores utilizem de forma limitada os recursos tecnológicos hoje disponíveis ou não os utilizem. E isso não ocorre apenas na rede pública de ensino. Ao longo de minha carreira docente, pude entrar em contato com algumas escolas, situadas na região de Campinas, pioneiras na utilização de tablets em sala de aula. Entretanto, o uso      

3 “Ministério distribuirá tablets a professores do ensino médio”, Portal MEC, Brasília, 02 fev. 2012.

Disponível

em :<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17479>.

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dos dispositivos em questão, nessas instituições, se dava exatamente como apontado por Fagundes, além de haver forte restrição ao uso da internet e de seus serviços. Em especial, a escola escolhida como campo dessa pesquisa, na verdade um núcleo dentro de um colégio tradicional, surgiu a partir de uma proposta de Ensino Médio voltado para novas linguagens e tecnologias. Embora a região fosse pioneira em adotar o uso de tablets, em seu primeiro ano de funcionamento, as práticas educacionais mantiveram-se as mesmas. Os dispositivos móveis eram utilizados meramente como leitores de arquivos de apostila em PDF. Assim, a despeito de a escola possuir uma excelente infraestrutura tecnológica, não havia um projeto pedagógico voltado para concretização de sua proposta de ensino.

Ao aliar esse contexto escolar a meu trabalho prévio com materiais didáticos para Produção e Interpretação Textual e mídias digitais, encontrei condições de pesquisa adequadas para empreender esforços na construção de um material didático digital interativo voltado para multiletramentos e novos letramentos e, assim, procurar verificar alguns dos efeitos de seu uso em componentes da prática docente.

Diante do histórico de meu campo de pesquisa e os relatos sobre demais situações, pode-se observar que iniciativas governamentais e/ou institucionais de inserção de tecnologias móveis no sistema educacional ou de TICs, quando desacompanhadas de discussões metodológicas e pedagógicas e de capacitação do corpo docente, tendem a reduzir o aproveitamento do potencial de tais tecnologias, no intuito da manutenção de práticas situadas

num velho ethos. Sobre essa mesma questão, Coll, Mauri e Onrubia (2010)

afirmam que

as TIC podem ser utilizadas no marco de posturas pedagógicas e práticas de aula muito diferentes entre si; sua incorporação na educação escolar não comporta necessariamente a colocação em marcha de inovações profundas nos postulados e práticas nos quais elas estão inseridas. Na verdade, o que indicam os resultados (...) é que essa incorporação se traduz, em geral, em mais um reforço das posturas e práticas já existentes do que na mudança ou transformação destas. (COLL; MAURI; ONRUBIA, 2010, p. 75)

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É interessante observar que, ao redor de todo o mundo, segundo explicam os autores, a incorporação das novas tecnologias se dá de forma heterogênea e, sobretudo, limitada, contrariando, assim o senso comum de que em determinados países faz-se um uso proficiente de tais tecnologias na área educacional.

A incorporação das TIC na educação está, portanto, longe de apresentar um panorama tão homogêneo quanto às vezes se supõe, e seus efeitos benéficos sobre a educação e o ensino distam muito de ser tão generalizados quanto algumas vezes se insinua, entre outras razões porque na maioria dos cenários de educação formal e escolar as possibilidades de acesso e uso dessas tecnologias ainda são limitadas ou mesmo inexistentes. [...] tanto estudos de âmbito internacional e regional quanto os de âmbito nacional (veja, por exemplo, o trabalho do Instituto de Avaliação e Assessoria Educacional [2007], com dados sobre a situação na Espanha; o de Sigalés, Mominó e Meneses [2007], referente à Catalunha; o de Conlon e Simpson [2003], referente à Escócia; o de Gibson e Oberg [2004], sobre a situação no Canadá; ou, ainda, os de Cuban [1993, 2001, 2003], sobre a situação nos Estados Unidos), coincidem em destacar dois fatos que, com maior ou menor intensidade, conforme o caso, aparecem com frequência. O primeiro fato guarda relação com o uso limitado que professores e alunos normalmente fazem das TIC. E o segundo, com a limitada capacidade que parecem ter essas tecnologias para impulsionar e promover processos de inovação e melhora das práticas educacionais. (COLL; MAURI; ONRUBIA, 2010, p. 71)

Um uso adequado de novas tecnologias na educação certamente tende a fomentar o interesse pelo estudo da língua portuguesa por parte do alunado, aproximando-o de usos da linguagem ancorados em práticas sociais mais amplas que o contexto escolar e presentes em seu cotidiano. Se, para a educação sob a ótica do Fordismo, bastava que tanto professores quanto alunos apenas seguissem os conteúdos estanques de livros didáticos para, com sorte, revelarem conhecimento acumulado com um bom desempenho em provas e exames (KALANTIZIS; COPE, 2008), hoje, necessita-se mais das instituições. Espera-se que a educação seja capaz de suprir a necessidade de capacitação de jovens alunos para a atuação efetiva em uma sociedade globalizada, em que a circulação da informação exige o domínio de novos multiletramentos, para que esses jovens sejam mais do que meros espectadores. Como destacam Kalantzis e Cope,

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se a imagem predominante da economia antiga era a de fábricas e chaminés, a imagem do que se chama “nova economia” é a de um trabalhador sentado à frente de um computador. A informação e as tecnologias da comunicação dominam esta “economia do conhecimento”. (KALANTZIS; COPE, 2008, p. 199, tradução nossa)4

Como salientado pelos autores acima, as novas práticas de letramento estão profundamente relacionadas às novas tecnologias e se o papel da educação é formar cidadãos plenos para atuação em diversos âmbitos da vida como o do trabalho, da cidadania e da vida privada (COPE; KALANTZIS, 2006 [2000]), a escola, instituição responsável por tal tarefa, precisa compreender as novas regras do jogo. Tal objetivo só poderá ser alcançado quando e se a instituição escolar abandonar sua função estabelecida ao longo dos séculos da modernidade e já obsoleta para o mundo contemporâneo. Ao ser criada, a escola visava, segundo Cope e Kalantzis (2006 [2006]), socializar alunos tendo em vista formar uma identidade nacional, por meio da alfabetização para uma norma padrão e “correta” da língua nacional, do ensino da história das origens da nação e da geografia das fronteiras. Hoje, no entanto, num mundo em que as fronteiras nacionais caem diante da globalização e de comunidades multilingues com identidades cada vez mais multifacetadas e fragmentadas, não poderia ser mais anacrônico pensar em uma educação normativa e que dissemine uma identidade nacional.

Dessa forma, especificamente no âmbito de ensino de Língua

Portuguesa, considerando as mudanças de paradigma advindas da emergência das novas tecnologias de informação e comunicação, este estudo, cujo caráter é qualitativo e interpretativo, utilizando-se de observação participante, tem por objetivo geral verificar como se realizam os processos de produção e condução de uma aula por meio da experiência de utilização de materiais didáticos digitais interativos (MDDI) para tablets nesse contexto.

Do objetivo geral deste trabalho, desdobram-se as seguintes perguntas de pesquisa:

     

4  “If the predominant image of the old economy was the factory and the smokestack, the image

of the so-called ‘new economy’ is the worker sitting in front of a computer screen. Information and communications technologies dominate this ‘knowledge economy’.”

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• Que elementos se destacam no processo de preparação de uma aula mediada por MDDI?

• Como contexto sociocultural e a infraestrutura escolar influenciam nos componentes da prática docente mediada por MDDI para tablets? • Como os alunos interagem com o MDDI?

• Quais os caminhos utilizados pelos alunos ao interagirem com o material? Como se dá essa interação?

• Como se caracterizam a interlocução na instância da aula e na do

exercício5 (BATISTA, 1997) diante do uso de MDDI para dispositivos

móveis?

Ao questionar sobre os elementos que se destacam na preparação de uma aula mediada por MDDI, a primeira pergunta objetiva analisar quais das possibilidades pedagógicas oriundas da interatividade, multissemiose e funcionalidades contidas nesses materiais e dispositivos podem ser agregadas aos processos de ensino e aprendizagem. Entretanto, não é possível tratar de MDDI e dispositivos móveis sem considerar a configuração do contexto sociocultural e tecnológico no qual tais elementos estão inseridos. Por essa razão, a segunda pergunta visa a observar a influência de tais fatores em um contexto de inserção de MDDI para tablets.

Já a terceira e a quarta perguntas objetivam verificar se e como as práticas de leitura dos alunos são modificadas diante das funcionalidades de navegação pelo MDDI para tablets. Note-se que, a partir da utilização do material em questão e dos dispositivos móveis, o aluno pode navegar pela internet, deparar-se com gêneros discursivos em suas mais diversas linguagens, além de estar imerso em hipertextos e hipermídias. Possibilidades como estas inseridas e direcionadas para o ensino em sala de aula eram      

5 Para Batista (1997), a produção discursiva em sala de aula se organiza em duas instâncias ― a instância da aula e a instância do exercício. Segundo o autor, ambas oferecem “diferentes e relacionadas condições de produção de discurso, isto é, diferentes e relacionadas modalidades de enunciação, objetivos e estratégias discursivas” (p. 33). No capítulo 2 desta pesquisa, detalharemos a sustentação teórica para as instâncias discursivas da aula.

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impensáveis há algum tempo na ainda vigente era do quadro negro e do caderno. Por fim, a última pergunta de pesquisa intenciona verificar se, ao se situar o ensino nesse contexto, a interação entre professor e alunos assume novas formas ou se ela se mantém a mesma. É preciso considerar que, em uma sala de aula na qual os alunos utilizam dispositivos móveis com acesso à internet, há mais “distrações” possíveis a fazer concorrência com a aula oferecida. Assim, é possível que o papel do professor necessite assumir um caráter cada vez mais mediador entre os alunos e a infinidade de conhecimentos acessíveis por meio das novas tecnologias digitais.

Tais perguntas estruturam um estudo em quatro capítulos. No primeiro deles, “Um tempo para multiletramentos”, discute-se, com base em uma bibliografia especializada, o contexto tecnológico contemporâneo e sua influência nas relações sociais, a emergência dos multi e novos letramentos e conflitos resultantes da coexistência de ethos distintos. O capítulo em questão objetiva estabelecer bases para entendimento da confecção do referido MDDI. O segundo capítulo, “Interação em sala de aula”, revisa subsídios teóricos propostos por Rogoff (1995), Batista (1997), Bazerman (2005) e Rojo (2007) para análises acerca dos processos de estruturação de aula e das relações nela estabelecidas. Em seguida, o terceiro capítulo, “Metodologia de pesquisa”, estabelece os parâmetros metodológicos e de coleta de dados deste estudo, além de conceituar a técnica de pesquisa observação participante. Por fim, o quarto capítulo, “análise de dados”, apresenta os resultados obtidos por meio da análise de uma experiência de prática docente mediada por MDDI.

 

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CAPÍTULO 1 – UM TEMPO PARA MULTILETRAMENTOS

 

A emergência de novas tecnologias da informação e comunicação e

da hipermídia6 alterou ― e continua a alterar ― significativamente as práticas

de comunicação, bem como as relações entre os atores nelas envolvidos. Diante desse contexto de evolução tecnológica e de estabelecimento de novas relações e práticas sociais, em meados da década de noventa, um grupo de especialistas em linguagem e educação, conhecido como Grupo de Nova Londres, articulou o conceito de multiletramentos a partir da observação e interpretação das mudanças vigentes no mundo naquela época e ainda hoje. O termo multiletramentos foi cunhado de forma a ser capaz de designar dois tipos de multiplicidade crescentes na sociedade, a multissemiose dos textos em circulação e a multiplicidade de culturas em contato no mundo globalizado.

Sobre a primeira das multiplicidades discutidas pelo Grupo de Nova Londres (a multissemiose ou multimodalidade), pode-se dizer que a contemporaneidade apresenta um contexto comunicacional no qual a

informação, por meio de variadas mídias7, materializa-se em diversas

modalidades de linguagem8 que se combinam entre si durante o processo

comunicativo, expandindo ou limitando a significação de um determinado discurso (LEMKE, 2011).

Na atual sociedade, embora ela ainda seja consideravelmente grafocêntrica, nota-se a expansão de textos multissemióticos e a inversão da relação de dominação entre texto e imagem em determinadas esferas da sociedade (BOLTER, 2002). Essa nova relação de valorização da imagem sobre o texto escrito fica evidente, por exemplo, ao analisarmos as páginas de revistas e jornais atuais, nos quais encontram-se inúmeras imagens estáticas e      

6 Segundo Lemke (2002) e Santaella (2007), a hipermídia consiste na integração de textos, sons e imagens em hipertextos.

7 Mídia, de acordo com a definição de Kress (2005), é um meio de circulação de mensagens culturalmente significativas.

8 Ainda segundo Kress (2005), modalidade é um meio de representação baseado em uma materialidade específica, compartilhado social e culturalmente.

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infográficos. Ainda que hoje haja uma explosão de modalidades de linguagem9 na comunicação, devido às possibilidades advindas com as novas tecnologias de informação e comunicação, é importante ressaltar que a multimodalidade sempre esteve presente na sociedade (KRESS, 2005), manifestando-se por meio de gestos corporais e faciais, tonalidades de voz e, mesmo nos textos escritos, através de fontes de letra, mancha da página e estilo de diagramação. Sobre os processos de formação de sentido em textos multimodais, é possível dizer que

a significação é construída pela integração de modalidades

umas às outras, simultaneamente consciente e

inconscientemente ou automaticamente. (LEMKE, 2011, s/p) 10

Lemke ainda explica que, ao interpretarmos uma informação na qual há integração de modalidades, não fazemos isso de forma consciente, pois não há sistematização dessa habilidade, não somos explicitamente ensinados a fazer isso. Ao analisar o trabalho com a multimodalidade nos primeiros anos de escola, Kress (2006 [2000]) aponta o fato de as crianças serem encorajadas a produzir imagens e ilustrações sem que, contudo, haja algum parâmetro de avaliação ou direcionamento de produção como há no trabalho com textos escritos. De acordo com o autor, “ [as ilustrações e imagens] são vistas como expressão pessoal em vez de comunicação – algo que a criança faz de forma espontânea, sem planejamento” (p.16).

Conforme o indivíduo avança em sua vida escolar, o trabalho com a produção de textos multimodais, mesmo que carecendo de parâmetros precisos para produção e análise, desaparece gradualmente da sala de aula, fato que, segundo o autor, apresenta uma grande discrepância com o contexto

     

9Embora Kress, em seus estudos, adote a terminologia “modalidades de linguagem” ou “multimodalidade”, o conceito de “multissemiose”, preferido por Santaella e Rojo, parece-nos mais pertinente para lidar com enunciados contemporâneos. Em comunicação pessoal, a autora explica que a semiose consiste em um sistema de signos. Já a modalidade refere-se aos diferentes modos de manifestação de uma semiose, às suas materialidades, como, por exemplo, o oral e a escrita nos sistemas linguísticos ou a imagem estática e em movimento. 10 “Meanings are made through the co-deployment of different modalities with one another, both

consciously and unconsciously or automatically”. Todas as traduções para o português de obras em inglês nos trechos citados neste trabalho são de nossa autoria.

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multissemiótico do mundo atual. Sobre a problemática relacionada a um trabalho adequado com multissemiose, Rojo (2013, p. 22), afirma que

com um impacto tão considerável nos multiletramentos, a questão da dita “multimodalidade”, no entanto, não tem sido, em nossa opinião, condignamente descrita nos trabalhos que se debruçam sobre a multissemiose dos textos/enunciados contemporâneos. O Grupo de Nova Londres (em especial, COPE; KALANTZIS, 2006), como muitas outras pesquisas, toma como base, principalmente, o trabalho de “semiótica social” de Kress (2003; 2006; 2010) e de Kress e Van Leeuwen (1996; 2001). Esses estão, por sua vez, fortemente baseados na linguística sistêmico-funcional de Halliday, realizando, portanto, uma projeção de uma gramática elaborada para a língua (falada ou escrita) para outras semioses e mídias (ou modalidades de linguagem), como a pintura, a fotografia, o cinema, o vídeo, a música, a dança etc. Trata-se de uma extensão do conceito de modalidade de língua (oral e escrita) a outras semioses, organizadas e materializadas em outras configurações e outras lógicas, estendendo, por exemplo, o conceito de gramática a uma “gramática visual”.

Em sua análise da proposta do Grupo de Nova Londres para trabalho com textos/enunciados multissemióticos, Rojo (2013) afirma que o projeto dos multiletramentos, nos textos do Grupo de Nova Londres (2006 [2000], p. 26) e de Cope e Kalantzis (2006, p. 212-219), procura propor uma grade analítica para cinco modalidades (linguística, visual, espacial, gestual e sonora). Tal grade analítica baseia-se nas propostas de trabalho com enunciados multimodais de Kress e Van Leeuwen (1996). Segundo a autora, essa metodologia de análise tem por consequência a pulverização imediata dos enunciados multissemióticos em seus elementos formais, sua “materialidade”, como afirma Kress (2006). O diagrama reproduzido na página seguinte

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Já a proposta de análise de enunciados multimodais de Cope e Kalantzis (2006), conforme explica Rojo (2013), relaciona os elementos das linguagens a níveis e categorias de análise, retiradas da mesma teoria proposta por Kress (2003; 2006; 2010) e Kress e Van Leeuwen (1996; 2001), tais como os níveis:

• Representacional: As significações referem-se a quê? (referenciação) – relações anafóricas e dêiticas no linguístico e sons naturalísticos e representações icônicas no sonoro e no visual, por exemplo;

• Social: Como as significações conectam as pessoas

que envolvem? (interação) – processos,

atributos/circunstâncias e lugar do enunciador no linguístico; tempo, tonalidade e acompanhamento na música, por exemplo;

Figura 1: Ilustrativa dos sistemas multimodais e de seus elementos a serem considerados (GRUPO

DE NOVA LONDRES, 2006[2000], p. 26)

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• Organizacional: Como as significações se conectam? (organização formal) – mídia, entonação e gênero no linguístico e ritmo, prosódia, altura e gênero no sonoro (música), por exemplo;

• Contextual: Como os significados se encaixam no mundo mais amplo da significação? (ancoragem e

remissão) – referenciação (novamente) e

intertextualidade no linguístico e motivos e refrões na música, por exemplo;

Ideológico: A quais interesses a significação está destinada a servir? (relações de poder) – autoria, contexto e responsabilidade no linguístico e intensidade no sonoro, por exemplo.

Além de chamar a atenção para o fato de o gênero, no modelo de análise em questão, estar ligado exclusivamente à organização formal e não aos efeitos de sentido, Rojo (2013) ainda aponta a fragmentação, formalização e descontextualização gerados por uma análise a partir de tais parâmetros. A autora também salienta a inadequação em se separar em diversos níveis de análise o “social”, o “contextual” e o “ideológico” (ROJO, 2013, p. 25). Por fim, Rojo, tendo por base as duas formas de criação de significação

complementares sobre as quais discorre Lemke (1998)11 ― a tipológica e

topológica ―, conclui que “não se pode analisar semioses topológicas a partir

de categorias criadas para analisar semioses tipológicas” (ROJO, 2013, p. 26). Tal tentativa de aplicar análises tipológicas a elementos topológicos talvez seja um dos aspectos mais limitadores na proposta do Grupo de Nova Londres. Segundo Lemke (1998, s/p, apud ROJO, 2013, p. 11),

nossas realidades vividas não podem ser completamente representadas de maneiras puramente tipológicas; pessoas demais ficam sem voz quando não há outras maneiras de criar significação. O potencial topológico dos letramentos multimídia

     

11 Segundo Lemke, “criamos significação de duas maneiras fundamentalmente complementares: (1) classificando coisas em categorias mutuamente exclusivas e (2) distinguindo variações de grau (ao invés de tipo) em vários contínuos de diferença. A língua opera principalmente da primeira maneira, que chamo de tipológica. A percepção visual e gestual/espacial (desenhar, dançar) opera principalmente da segunda maneira: a topológica. Como já disse, a real criação de significação geralmente envolve combinações de diferentes modalidades semióticas e, logo, também combinações desses dois modos gerais.” (LEMKE, 1998, s/p)

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pode ajudar a dar voz, dignidade e poder a pessoas reais híbridas. Pode minar um sistema ideológico que limita as identidades pessoais a um pequeno número de “gavetas” disponíveis e aprovadas socialmente e deixar que nos mostremos e vejamos uns aos outros em um universo multidimensional de possibilidades humanas reais muito mais amplo.

Rojo (p. 26-27) encontra na teoria de gêneros do discurso do Círculo de Bakhtin amparo teórico para trabalho com textos/enunciados contemporâneos, pois o caráter multissemiótico de tais práticas de linguagem “não parece desafiar fortemente os conceitos e categorias propostos pela teoria dos gêneros” (p. 27). A autora explica que, segundo a teoria em questão, as práticas de linguagem e enunciação sempre ocorrem de forma situada em determinados contextos de comunicação, definidas pelo funcionamento das esferas de circulação de discurso. As esferas em questão situam-se historicamente em um tempo e lugar específicos condicionados culturalmente. Além disso, Rojo atenta ao fato de que o funcionamento dessas esferas define os locutores e interlocutores da enunciação, seus lugares e poderes, assim como as possibilidades de conteúdos temáticos e de gêneros.

Entretanto, a enunciação não é definida mecanicamente pelo funcionamento social das esferas,

pois o que vai substancialmente definir a significação e o tema de um enunciado/texto é sobretudo a apreciação de valor ou a avaliação axiológica (ética, política, estética, afetiva; BAKHTIN/ VOLOCHINOV, 1981[1929]) que os interlocutores fazem uns dos outros e de si mesmos ou de seus lugares sociais e do conteúdo temático em pauta, que, apreciado valorativamente, transforma-se em tema (irrepetível) do enunciado. (ROJO, 2013, p. 28)

Rojo ainda explica que o funcionamento das esferas “define maneiras específicas de dizer/enunciar, de discursar, cristalizadas e típicas desse campo social – os gêneros de discurso” (p. 28), que são apenas

relativamente estáveis e podem variar de acordo com a situação de

comunicação na qual se encontram. Além disso, a autora chama atenção para o fato de que os gêneros discursivos não são apenas um formato, pois, embora eles definam as formas de composição do enunciado e seu estilo, isso se dá

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“em função da composição de um tema, ou seja, de certos efeitos de sentido visados pela vontade enunciativa do locutor e dependentes de sua apreciação de valor sobre significações ou parceiros interlocutores.” (p. 28)

Ao aplicar a teoria dos gêneros do discurso do Círculo de Bakhtin a textos/enunciados contemporâneos, Rojo explica que

as esferas [...] se valem de diferentes mídias (impressa, radiofônica, televisiva, digital) para a circulação de seus discursos e também selecionam diferentes recursos semióticos e diversas combinatórias possíveis entre eles para atingir suas finalidades e ecoar seus temas, provocando mudanças nos gêneros. É o caso de uma notícia em mídia digital, que combina livremente, à escolha do “lautor”12, a escrita em hipertexto, com fotos e imagens, vídeos, álbuns fotográficos e, por vezes, áudio em podcast. Então, as mídias e as tecnologias são escolhas, e de caso bem pensado, das esferas de circulação de discursos. Mas têm, de imediato, efeito nas formas de composição e nos estilos dos enunciados, inclusive em termos de multimodalidade. (ROJO, 2013, p. 29)

Para representar sua proposta analítica baseada no Círculo de Bakhtin, Rojo propõe o diagrama abaixo (ver figura 2).

Além da multissemiose, como afirmado anteriormente, o conceito de multiletramentos também se relaciona à multiplicidade de culturas, expressas por diferentes linguagens e seus usos em contextos específicos. Assim, Cope e Kalantzis (2006, p. 166) explicam que, central à abordagem por eles      

12 Neologismo proposto pela autora para indicar que, nos textos digitais, mais que nunca o leitor e o autor se unificam, recepção e produção são concomitantes e produtores são também consumidores (produsers).

Figura 2: Elementos da Teoria Bakhtiniana dos Gêneros Discursivos revisitados (ROJO, 2013, p. 30)

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proposta, está a crescente variedade de “linguagens sociais”, nomenclatura

proposta por que Gee (1996) 13, em grupos de interesse ou afinidade no âmbito

profissional, nacional, étnico e subcultural. Segundo os autores, a disseminação dessas multiplicidades (culturais, de linguagens) acompanha a reestruturação do funcionamento de três âmbitos da vida humana: o do

trabalho (diversidade produtiva), o da cidadania (pluralismo cívico) e o da vida social (KALANTZIS; COPE, 2006 [2000]). Para Cope e Kalantzis, dessa forma,

além de considerar as multiplicidades abarcadas pelos multiletramentos, uma educação linguística apropriada ao contexto contemporâneo precisa levar em conta a reestruturação desses âmbitos da vida humana e suas demandas.

No âmbito do trabalho, os autores salientam suas transformações ao explicar que a modernidade tardia não mais se organiza de maneira fordista, ou seja, por meio da divisão do trabalho em linha de produção e da produção e consumo de massas. No pós-fordismo, necessita-se de um trabalhador multicapacitado, autônomo e flexível para adaptação a constantes mudanças. Mesmo as tradicionais e rígidas hierarquias presentes no ambiente profissional são substituídas por relações colaborativas e em moldes pedagógicos (profissionais encarregados de agir como mentores, de treinar e de ensinar).

Quanto às reestruturações no âmbito do pluralismo cívico, Cope e Kalantzis chamam a atenção para o declínio do conceito de ser cidadão sob a perspectiva nacionalista e monocultural. Assim, em vez de um Estado fundamentado em apenas uma cultura e uma língua, necessita-se de Estados capazes de negociar a diferença e de desenvolver em seus cidadãos a

habilidade de expressar e representar identidades

multifacetadas apropriadas a diferentes modos de vida, espaços cívicos e contextos de trabalho em que cidadãos se encontram; a ampliação dos repertórios culturais apropriados ao conjunto de contextos em que a diferença tem de ser negociada; [...] a capacidade de se engajarem numa política colaborativa que combina diferenças em relações de complementaridade. (KALANTZIS; COPE, 2006 [2000], p. 271, tradução nossa)14

     

13 Gee faz uso do mesmo termo utilizado por Bakhtin (1985[1934-35/1975]).

14 “ability to express and represent multilayered identity appropriate to the different lifeworlds, civic spaces, and work contexts that all citizens encounter; the extension of cultural repertoires appropriate to the range of contexts where difference has to be negotiated; [...] capacity to

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Por fim, com respeito ao âmbito da vida privada, as muitas culturas híbridas vivenciadas por cada um de nós na contemporaneidade geram uma consciência descentrada e fragmentada. Segundo os autores, ninguém consegue pertencer a uma única comunidade. Em vez disso, as pessoas estão inseridas em múltiplas comunidades (comunidades de trabalho, de interesse, de etnia, de identidade sexual) que se sobrepõem, constituindo, assim, relações complexas entre si. Por essa razão, Kalantzis e Cope afirmam ser necessário buscar um pluralismo integrativo, no qual a diversidade se torne a base paradoxal da coesão (p. 145).

Concomitantemente a essa reestruturação dos âmbitos da vida

humana, as tecnologias digitais permitiram uma nova configuração nas relações sociais, bem como das relações entre cidadãos e instituições. Segundo Cope e Kalantzis (2009), a antiga relação hierárquica Estado-cidadão (top-down) tem sido substituída por uma relação em que pessoas desempenham um papel cada vez mais ativo na sociedade, passando de meros espectadores a atores (bottom-up). Os autores explicam que, conforme a influência do Estado diminui, presenciamos a emergência de estruturas que governam a si mesmas na sociedade civil, a exemplo de certos espaços na internet. A autonomia alcançada nas últimas décadas evidencia-se também ― sobretudo nas gerações mais jovens ― no controle de seleção de informação que chega até nós, bem como nos canais utilizados para isso:

Eles (novas gerações) buscam ser atores em vez de audiência, jogadores em vez de espectadores [...]. Não contentes com o rádio, essas crianças criam suas próprias playlists em seus iPods. Não contentes com a televisão tradicional, eles leem suas narrativas por DVDs e vídeos via internet-stream, variando na profundidade dessa leitura (o filme, o documentário a respeito do making-of do filme) [...]. Não contentes com uma visão única da transmissão de jogos esportivos pela televisão aberta, eles escolhem seus próprio ângulos, replays e análises

      engage in collaborative politics which matches differences in relationships of complementarity.”

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estatísticas na televisão interativa. (COPE; KALANTZIS, 2009, p. 173, tradução nossa)15

Tal panorama de reorganização das relações sociais e comunicacionais completa-se com a emergência da cibercultura, definida por Lemos (2002, p. 8) como “as relações entre as tecnologias informacionais de comunicação e a cultura, emergentes a partir da convergência informática/telecomunicação na década de 1970”. Segundo o autor, o princípio que rege a cibercultura é a remixagem, “um conjunto de práticas sociais e comunicacionais de combinações, colagens, cut-up de informações a partir das tecnologias digitais” (LEMOS, 2005, p. 8). A partir desse processo, qualquer pessoa pode ser criadora de informação, veiculada por meio da internet nos mais diversos gêneros discursivos e modalidades.

Juntamente à cibercultura, observa-se também a emergência de uma cultura da convergência, definida por Jenkins (2008, p. 29) como um cultura em que há

fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes midiáticos,

cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e

comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam.

Nessa cultura, de acordo com Jenkins (2008, p. 29), “velhas e novas mídias colidem” e “a mídia corporativa e a mídia alternativa se cruzam”. Além disso, a autor atenta para o fato de que, nesse contexto, “o poder do produtor de mídia e o poder do consumidor interagem de maneiras imprevisíveis”.

No mundo contemporâneo, conceitos como remixagem,

convergência e uma outra forma de interação entre empresas produtoras de

     

15 “They are content with being no less than actors rather than audiences, players rather than spectators, agents rather than voyeurs and users rather than readers of narrative. Not content with programmed radio, these children build their own playlists on their iPods. Not content with programmed television, they read the narratives on DVDs and Internet-streamed video at varying depth (the movie, the documentary about the making of the movie) and dip into “chapters” at will. Not content with the singular vision of sports telecasting on mass television, they choose their own angles, replays and statistical analyses on interactive digital TV.”

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material cultural e sociedade são relativamente novos e deles emergem novas relações e comportamentos. Assim,

em vez de falarmos sobre produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados, podemos agora considerá-los como participantes interagindo de acordo com um conjunto de regras, que nenhum de nós entende por completo. (JENKINS, 2008, p. 30)

As questões levantadas por Jenkins reafirmam o perfil defendido por Cope e Kalantzis de um novo cidadão cada vez menos passivo, o qual não se contenta mais em assumir um papel de espectador, pois quer participar, ter voz e controle.

Percebe-se que essas novas ordens e relações trazem à tona questões éticas e legais, ainda sem delimitações claras. Tais questões relacionam-se, por exemplo, à exposição pessoal excessiva, aos limites entre vida pública e vida privada e aos direitos autorais dos materiais produzidos e daqueles que serviram de matéria prima para os remixes. Cope e Kalantzis (2009) ainda apontam o paradoxo contido nessas novas relações entre mídia e público, pois, ao passo em que consumidores e usuários tornam-se mais autônomos em relação ao manuseio da informação, há uma centralização de poder por parte dos meios de comunicação, cuja posse e controle tornam-se cada vez mais restritos. Dessa forma, os autores discutem as possibilidades dessa interação e suposto controle sobre a informação servirem como forma de escape da realidade em vez de preparar para ela. Além disso, ao citar o

exemplo do Google16, os estudiosos evidenciam as aberturas para o monopólio

sobre as fontes de mídia e de conhecimento disponíveis e para o uso de dados pessoais com fins publicitários.

     

16 Neste caso, os autores se referem aos critérios de gerenciamento de busca de informação do Google, os quais podem se submeter a políticas da empresa, interesses financeiros ou questões políticas. Assim, ao utilizar o buscador pode haver, ainda que seja amplo, um espectro delimitado de resultados obtidos, que, de uma forma ou outra, direciona os resultados apresentados.

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1. Multiletramentos, novos letramentos, tecnologias e educação

Com essas novas perspectivas, realidades e dilemas, emergem questionamentos referentes à instituição escolar e a seu papel na formação de cidadãos aptos a exercerem todos as posições requeridas pela sociedade contemporânea.

O que é uma educação apropriada para mulheres, para indígenas, para imigrantes que não falam a língua nacional, para falantes dos dialetos não-padrão? O que é apropriado para todos no contexto de fatores de diversidade local e conectividade global cada vez mais críticos? (GRUPO DE NOVA LONDRES, 2006[2000], p. 10, tradução nossa).17

Além de questões relacionadas a uma educação dirigida a uma população cada vez mais multicultural em uma sociedade de muitas linguagens e semioses, é preciso considerar, como defende Luke (2000, p. 141-142), a necessidade de apoderamento de novos letramentos ligados à realidade do século XXI, pois "os letramentos mudaram e continuarão a mudar conforme novas tecnologias surgirem". Especificamente, diante da realidade multimodal da comunicação atual, Rojo e Moita-Lopes (2004, p. 44) constatam que as novas práticas de letramento exigidas pelos textos contemporâneos ampliam o escopo do conceito “para o campo da imagem, da música, das outras semioses que não somente a escrita". Portanto, faz-se necessário à escola capacitar os indivíduos a interagir com tais textos. Além disso, a instituição escolar deve levar em consideração que a multimodalidade presente nas telas dos computadores e em muitos materiais impressos tem "transformado o letramento tradicional (da letra/livro) em um tipo de letramento insuficiente para

dar conta dos letramentos necessários para agir na vida contemporânea"18.

     

17 “What is appropriate education for women; for indigenous peoples; for immigrants who do not speak the national language; for speakers of non-standard dialects? What is appropriate for all in the context of the ever more critical factors of local diversity and global connectedness?” 18 Sobre esse assunto, Street et al. (2009) fazem uma discussão análoga à de Moita-Lopes e

Rojo (2004), citando outros dois autores importantes na discussão sobre o estudo dos novos letramentos. O autor defende que "o currículo escolar de hoje está fortemente focado em letramentos impressos e tais letramentos estão sendo rapidamente suprimidos pela realidade da comunicação contemporânea. Este argumento, para os novos letramentos, foi defendido fortemente por Lankshear e Knobel em uma série de livros que criticam a inabilidade

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Com essas novas práticas comunicacionais, novos letramentos emergiram. Tais letramentos são intrínsecos às novas práticas sociais ― novas necessidades requeridas para o trabalho, novas maneiras de exercer cidadania em espaços públicos e, talvez, novas formas de constituições de identidades e personalidades (COPE; KALANTZIS, 2009).

Por essa razão, Luke (2000) sugere que

educadores precisam estar familiarizados com as muitas questões presentes na "revolução da informação". Assim, nós saberemos o momento em que se deve intervir de maneira positiva e com estratégias críticas para o ensino dos multiletramentos e também como fazer uso adequado dos muitos recursos multimídia disponíveis. (LUKE, 2000, p. 142, tradução nossa)19

Diante de um mundo no qual “o forte senso de cidadania parece ceder espaço à fragmentação local e comunidades tornam-se mais diversas e subdivididas culturalmente” (COPE; KALANTZIS, 2006 [2000], p. 31), o Grupo de Nova Londres propõe uma educação capaz de proporcionar aos alunos projetos de futuro, “future designs”, considerando-se as novas organizações nos âmbitos do trabalho, da cidadania e da vida privada (life-world) (KALANTZIS; COPE, 2006).

Tais concepções de educação vão de encontro à organização tradicional escolar, cujos objetivos residem na mensuração da qualidade educacional por meio de estatísticas provindas de avaliações com foco cada vez mais distante das habilidades de letramento e numeramento exigidas a

estudantes na nova economia20 (KALANTZIS; COPE; HARVEY, 2003).

A base desse antigo modelo educacional, segundo os autores, era eficaz para a organização fordista do âmbito do trabalho e visava a padronizar pessoas por meio de uma única língua nacional considerada apropriada e pelo       curricular da escola em abranger os complexos e cada vez mais necessários letramentos digitais." (STREET; PAHL; ROWSELL, 2009, p.197)

19educators need to become familiar with the many issues at stake in the ‘information revolution’ so that we know how and where we must intervene with positive and critical strategies for Multiliteracies teaching, and how to make the best and judicious use of the many multimedia resources available.”

20 O termo nova economia basicamente refere-se à nova organização industrial e social que acompanha as novas tecnologias comunicacionais (KALANTZIS; COPE; HARVEY, 2003, p. 20).

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ato de decorar fatos sobre a história, ciência e linguagens. Além disso, leitura e escrita eram trabalhadas superficialmente e a disciplina se demonstrava pela mera reprodução de informações em avaliações, pela “regurgitação de verdades rigidamente definidas” (KALANTZIS; COPE; HARVEY, 2003, p. 16). Toda a rigidez intrínseca a esse modelo fordista de educação, cujas características eram (são?) visíveis na inegociável organização em linha reta das carteiras, na aquisição acrítica de fatos dificilmente aplicados em contextos extraescolares e na centralização de todo o conhecimento nas mãos do professor ― ou talvez do livro didático ― atingia seu objetivo máximo ao produzir lotes e mais lotes de alunos passivos, educados para receberem verdades absolutas e “aceitar uma determinada autoridade, fazendo exatamente o que lhes era dito” (p. 20).

Esse sistema configurou uma educação para um tempo específico. Com o advento das novas tecnologias comunicacionais e do funcionamento sociopolítico da modernidade recente, é preciso repensar a estrutura educacional, pois, no âmbito do trabalho,

a diversidade permeia a nova organização econômica [...]. Em vez da afirmação de Henry Ford de que consumidores são todos iguais, agora as organizações querem estar próximas a eles, para descobrir o que realmente querem, atendendo,

assim, sua necessidades de forma personalizada.

(KALANTZIS; COPE; HARVEY, 2003, p. 20, tradução nossa)21

Ainda segundo os autores, as organizações industriais, atualmente, investem cada vez mais na obtenção de informação a respeito de diferenças históricas, étnicas, geográficas, sexuais e de interesses de seus clientes. Em vez de produção em massa, fala-se em “customização em massa”. Além disso, a diversidade está presente dentro das próprias indústrias. Quando a diversidade cultural dos trabalhadores (orientação sexual, etnia, variação linguística) é respeitada entre eles, quando se negocia com a diferença, ela pode ser utilizada como fonte de criatividade e como um elo entre organização      

21 “diversity is everywhere in the new economy organization [...]. Instead of Henry Ford’s assertion in which individual customer needs are irrelevant because customers are all the same, organizations now want to be close to customers, to find out what they really want, and to service their needs in a way which works for them.”

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e a miríade de nichos presentes na sociedade. Assim, necessita-se cada vez mais de um trabalhador autônomo e flexível, que saiba negociar com a diferença, transitar entre as muitas linguagens e suas formas de manifestação dentro do âmbito do trabalho e que se adapte a mudanças constantes (COPE; KALANTZIS, 2000).

Ao tratar das mudanças verificadas no âmbito da cidadania, Cope e Kalantzis atentam à pluralidade cultural e ao fato de uma identidade nacional homogênea estar em declínio.

O declínio do antigo senso cívico monocultural e nacionalista abriu um espaço que deve ser preenchido novamente. Nós propomos que esse espaço deve ser reivindicado por um pluralismo cívico. Em vez de padrões relativos a apenas uma cultura e um padrão linguístico, nós precisamos negociar a diferença. (COPE; KALANTZIS, 2000, p. 41, tradução nossa)22

Nestes termos, as pessoas passam a ser constituídas por

identidades fragmentadas, transitando constantemente por diversas culturas.

Para os autores, nesse contexto, “negociar essas diferenças é agora um assunto de vida ou morte” (p. 38). Cope e Kalantzis ainda afirmam que “a diversidade cultural e linguística são agora questões críticas e centrais e, como resultado disso, o significado da pedagogia de letramento mudou” (p. 40). A diversidade local e interligação global não apenas descontroem a padronização, mas criam a necessidade de desenvolver no estudante a habilidade de negociar as diferenças dialetais, sejam elas étnicas, regionais ou baseadas em classes sociais.

Ao se considerar o âmbito da vida privada, além de questões referentes às identidades multifacetadas (COPE; KALANTZIS, 2006 [2000]), podemos relacioná-lo a novas práticas e dilemas advindos da cibercultura (LEMOS, 2002) e da cultura da convergência (JENKINS, 2008) como, por exemplo, as fronteiras entre vida pública e privada e os limites legais para      

22 “The decline of the old, monocultural, nationalistic sense of ‘civic’ has vacated a space that must be filled again. We propose that this space be claimed by a civic pluralism. Instead of states that require one cultural and linguistic standard, we need states which arbitrate differences.”

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práticas de remixagem. Tais assuntos estão no campo dos (multi)letramentos e, portanto, deveriam ser concernentes também à instituição escolar.

Embora o contexto contemporâneo tecnológico e multicultural esteja na base da definição do conceito de multiletramentos proposto pelo Grupo de Nova Londres, é um equívoco considerá-lo como sinônimo do conceito de novos letramentos proposto por Lankshear e Knobel (2007). Enquanto o primeiro constrói-se com base na multissemiose e multiculturalidade, o segundo, ainda que eventualmente acabe por abarcar esses dois aspectos, necessita das perspectivas técnicas oriundas das novas tecnologias de informação e comunicação juntamente a uma nova ética proporcionada por essas tecnologias. Assim, é possível afirmar que nem toda prática social situada nos multiletramentos é, de fato, um novo letramento. Para esta pesquisa, consideramos importante conceituar ambos os casos, pois o material didático digital interativo e as relações estabelecidas em sala de aula mediante sua aplicação relacionam-se a essas duas concepções e sua distinção terá papel importante nos resultados da análise.

Em resposta à questão acerca do que então constitui um novo letramento, Lankshear e Knobel (2007) afirmam que “novos letramentos têm o que se denomina de new technical stuff e new ethos stuff” (p.7, tradução

nossa)23.

Diante dessa asserção, os autores distinguem os novos letramentos em duas categorias: os casos paradigmáticos de novos letramentos (paradigm

cases of new literacies) e os casos periféricos de novos letramentos (peripheral cases of new literacies). Lankshear e Knobel afirmam que seu foco de estudo

reside na primeira categorização. A distinção entre as categorias levantadas é explicada por eles da seguinte forma:

Casos paradigmáticos de novos letramentos têm relação com novas tecnologias digitais e situam-se em um novo ethos. Casos periféricos de novos letramentos situam-se num novo ethos, mas não têm relação com as novas tecnologias. Em outras palavras, se um letramento não se situa em novo ethos, não é possível considerá-lo como novo letramento, mesmo que ele se relacione

     

Referências

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