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GÊNEROS DISCURSIVOS NO ENSINO: O FOCO NA INTERAÇÃO VERBAL

No documento TEORIAS DO DISCURSO E ENSINO (páginas 134-154)

Neiva Maria Tebaldi Gomes* neivatebaldi@bol.com.br

Uma concepção clara da natureza do enunciado em geral e dos vários tipos de enunciados em particular (primários e secundários), ou seja, dos diversos gêneros do discurso, é indispensável para qualquer estudo, seja qual for a orientação específica. Ignorar a natureza do enunciado e as particularidades de gênero que assinalam a variedade do discurso em qualquer área do estudo lingüístico leva ao formalismo e à abstração, desvirtua a historicidade do estudo, enfraquece o vínculo

existente entre a língua e a vida1

1 Considerações iniciais

(grifo nosso).

No ensino de língua e suas literaturas, estamos há algum tempo buscando romper com uma tradição que prioriza questões sobre a língua e sobre a literatura para dar espaço a uma prática escolar que priorize a interação verbal, que se processa por meio de textos orais e escritos. A produção científica produzida com a finalidade de orientar o ensino, os documentos parametrizadores2 e os próprios manuais didáticos apontam para essa prática. Entretanto, uma mudança, seja qual for, resulta sempre de um processo lento e gradual no modo de agir e de pensar, que vai além, portanto, de uma orientação teórica3. No contato direto com a sala de aula4

*

Professora de Língua Portuguesa, Linguística Aplicada ao Ensino, Prática de Ensino e Estágio Supervisionado, no UniRitter.

, percebe-se que ainda não se explora devidamente a diversidade textual. O texto, com poucas exceções,

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Bakhtin, 2000, p. 282.

2

Referimo-nos, mais especificamente, aos PCNs.

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Segundo FARIAS (2006, p. 43), uma mudança "reclama, também e principalmente, uma dimensão humana, política e ética por parte dos sujeitos nela envolvidos. Mudar pressupõe uma ruptura por dentro, para se libertar das amarras com o estabelecido e redefinir um outro modo de pensar e agir".

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Contato que mantemos pelas visitas às escolas para orientação e supervisão do estágio curricular do curso e Letras e pelos encontros com professores de Ensino Básico que a prof. Leny Gomes e eu promovemos ao desenvolver a pesquisa docente A sala de aula e a pesquisa: intersecção de espaços, cujo objeto de estudo são as práticas escolares de ensino de língua e literatura.

continua sendo utilizado como pretexto para o ensino de questões gramaticais ou literárias, muitas vezes pouco relevantes.

As discussões linguísticas que vêm se desenvolvendo sobre gêneros discursivos parecem contribuir para a redefinição de outro modo de conceber o produto da atividade verbal, uma vez que remetem às diferentes esferas dessa atividade, não apenas à produção literária. São reflexões que procedem, fundamentalmente, de textos de um pensador russo, Mikhail Bakhtin5, embora estudos sobre gêneros textuais tenham se desenvolvido também a partir de outros quadros teóricos6 da Linguística. Independentemente da perspectiva pela qual se desenvolvem tais estudos, falar de gêneros, hoje, na Linguística é ter como foco a interação pela linguagem7, é tratar das formas de interação verbal8 que se constroem nas práticas sociais, procurando entender melhor o que o homem faz com a linguagem. Levar para a escola a perspectiva dos gêneros discursivos significa compreender o espaço escolar como uma extensão do grande espaço das relações sociais em que se movem e se constituem os sujeitos − o universo de textos orais e escritos.

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Referimo-nos, aqui, mais especificamente, a Estética da Criação Verbal (Bakhtin, 2000), livro em que encontramos, no capítulo "Os gêneros do discurso", a distinção entre os gêneros do cotidiano e os literários. A base teórica dessa postulação, no entanto, aparece já em Marxismo e filosofia da

Linguagem (1999). Ver, especialmente, p. 42-43 "tipos e formas do discurso"; cap. 5, Língua, fala

e enunciação e cap. 6, A interação verbal.

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No Brasil, além das inúmeras produções decorrentes da transposição dos PCN, outros estudos vêm contribuindo para a compreensão da diversidade de gêneros. MARCUSCHI (2004) apresenta uma categorização das diferentes formas de utilização da língua, considerando o continuum tipológico das práticas sociais de produção - da oralidade para a escrita e MARCUSCHI (2005) trata da funcionalidade dos gêneros e da diferenciação entre tipos e gêneros textuais. NEVES (2006) procura situar os estudos linguísticos mais recentes, recuperando o percurso literário dos gêneros.

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NEVES (2006). Gêneros: ontem, hoje e sempre. Artigo a ser publicado em livro que está em fase final de organização.

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O tema interação é complexo e sugere sempre uma pluralidade de estudos teóricos. A origem desses estudos na linguística, no entanto, parece ter, entre outras, duas vertentes bem definidas: uma que procede de estudos bakhtinianos (via França, mais especificamente) e outra, da pragmática, a vertente americana. A primeira (a bakhtiniana) enfatiza as relações sociais que acontecem inevitavelmente na interação e pela linguagem, entendendo-se, aqui, por interação uma ação - linguística ou não - que vai em direção ao outro, mas que tem uma implicação (eu/outro) mútua; a segunda (a pragmática) procura responder à pergunta o que fazemos com a

Teorias do Discurso e Ensino 135

2 Algumas considerações teóricas sobre os gêneros discursivos

As teorias linguísticas, de modo geral, divergem entre si fundamentalmente quanto ao ponto de vista sobre a linguagem, mas representam, desde os estudos clássicos, uma tentativa de buscar a compreensão da própria natureza humana. Na abordagem dos gêneros discursivos, mais especificamente, o que está em jogo é a compreensão da linguagem como prática das inter-relações que se constroem predominantemente pela linguagem verbal. Na base das reflexões sobre essa prática, estão os enunciados9 que põem um sujeito em contato com outro. Esses enunciados concretos que emanam dos integrantes de uma ou outra esfera da atividade humana, quando considerados isoladamente, constituem enunciados individuais. Contudo, quando são considerados por sua funcionalidade − a de dar conta de diferentes necessidades de interação − revelam formas relativamente estáveis que cada esfera de utilização da língua elabora. Esses tipos de enunciados mais ou menos estáveis, que se modificam para dar conta de novas necessidades de interação ou para adequar-se a novos suportes, são denominados, na Linguística, gêneros discursivos10

Na percepção de Bakhtin

.

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O termo de Bakhtin que aparece em Estética da Criação Verbal traduzido como enunciado designa uma unidade real de comunicação verbal (ou seja, uma unidade discursiva) que, criada num determinado momento, tem um autor e se destina a alguém. Por isso cada enunciado é, nesse sentido, único e não reiterável.

, a riqueza e a variedade dos gêneros do discurso − orais e escritos − são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai se diferenciando e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa. Nessa complexidade devem

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Em textos destinados à orientação do ensino de língua, percebe-se um uso indiscriminado dos sintagmas "gêneros discursivos" e “gêneros textuais". Nas discussões linguísticas mais recentes, o primeiro é mais frequentemente atribuído a Bakhtin, uma vez que toda a fundamentação teórica aparece já em Marxismo e Filosofia da Linguagem e posteriormente em Estética da Criação

Verbal. O segundo sintagma - gêneros textuais - parece ser mais frequente em textos que

derivam da Linguística Textual. Como usuário deste último encontramos, entre tanto outros, Luiz Antônio Marcuschi, (In: DIONISIO, A. P., MACHADO, A. R. e BEZERRA, M. A., (Org.), 2005. Os PCN, conforme estudo de Brait (In: ROJO (Org.), 2000, p. 15-38), fazem um uso indiscriminado desses sintagmas, mesclando, além dos dois citados, "tipologia textual". Não entraremos na discussão do conceito de gênero que procede da tradição literária, tema de que se ocupa Neves, no artigo já referido. A nosso ver, faltam estudos mais específicos para tratar com mais propriedade desses dois modos de ser da linguagem - o literário e o não literário.

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ser consideradas as tecnologias que engendram novas formas de interação a partir das já existentes. Como formas de interação verbal, os gêneros do discurso caracterizam-se por sua heterogeneidade, incluindo, indiferentemente, a curta réplica do diálogo cotidiano, o relato, a carta familiar (hoje praticamente substituída pelo e-mail e outras formas de correspondência eletrônica), toda sorte de formas de informação e de apelos verbais veiculados por suportes midiáticos e publicitários, o repertório dos documentos oficiais, o universo das declarações públicas, as variadas formas de exposição científica e todos os modos literários (do dito popular ao romance volumoso).

Se não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo da fala, se tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal seria quase impossível (Bakhtin, 2000, p. 302).

Essa afirmação enfatiza a origem e a constituição sociocultural dos gêneros que não devem, todavia, ser entendidos como formas rígidas, uma vez que são fruto de uma atividade humana tão natural, a linguagem verbal. Daí dizer-se, na Linguística, que são formas resultantes de situações de interação verbal e da reflexão do homem sobre essas formas de maior ou menor complexidade que vão se estabelecendo culturalmente. A diversidade de formas atende à diversidade de funções exercidas pela linguagem no universo sócio- cultural. No dizer de François12,

A divisão dos gêneros depende, em particular, da oposição da fala de 'alguém', da fala do outro, daquela que eu reivindico como minha, daquela à qual estou habituado ou que me espanta, daquela que eu imito, aquela à qual eu respondo, aquela que eu comento, aquela à qual eu recuso responder ou aquela que me deixa sem voz [...]. (In: Brait, 1997, p. 201).

Ao considerar os gêneros do ponto de vista da sua constituição e circulação, Bakhtin percebe uma diferença essencial entre o gênero de discurso primário (simples) e o gênero de discurso secundário (complexo). Os gêneros

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Teorias do Discurso e Ensino 137 secundários do discurso − o romance, o teatro, o discurso científico, o discurso ideológico, ou seja, os gêneros característicos da escrita − aparecem em circunstâncias de uma comunicação cultural mais complexa e relativamente mais evoluída. Durante o processo de criação, segundo Bakhtin, esses gêneros secundários absorvem e transmutam gêneros primários (simples), gêneros que se constituíram em circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea. Os gêneros primários do discurso − o diálogo oral, o relato, a anedota e todas as demais formas da oralidade − ao se tornarem componentes dos gêneros secundários, transformam-se dentro destes e adquirem uma característica particular: perdem sua relação imediata com a realidade existente e com a realidade dos enunciados alheios. Esse processo de absorção e transformação de gêneros primários (da oralidade) pode ser mais facilmente percebido na literatura. É no romance, em especial, por sua extensão e complexidade, que representações e ressonâncias do cotidiano discursivo podem ser mais facilmente identificadas.

Os estudos linguísticos que se desenvolvem pela perspectiva dos gêneros discursivos fundamentam-se na compreensão dessas inter-relações que se constroem pela linguagem verbal. Para Bakhtin13, ignorar a natureza do enunciado e as particularidades de gênero que assinalam a variedade do discurso leva ao formalismo e à abstração. Essa advertência revela uma clara recusa a estudos da língua voltados meramente para a forma, embora, em suas reflexões, ele não desconsidere o sistema linguístico.

O estudo da natureza do enunciado e dos gêneros do discurso tem uma importância fundamental para superar as noções simplificadas acerca da vida verbal, a que chamam de o "fluxo verbal", a comunicação, etc, [...]. Irei mais longe: o estudo do enunciado, em sua qualidade de unidade real da comunicação

verbal, também deve permitir compreender melhor a natureza das unidades da língua (da língua como sistema): as palavras e as

orações (Bakhtin, 2000, p.287).

Os gêneros, como formas culturalmente estabilizadas de organização da atividade verbal − oral ou escrita −, são passíveis de mudanças e adaptações.

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Modificam-se no "fluxo verbal" para dar conta de novas necessidades comunicativas e/ou em função do surgimento de novos suportes14

3 Gêneros discursivos e prática escolar de linguagem

. Podem, ainda, ser adaptados ou mesmo criados especialmente para certos eventos de letramento, ou mais especificamente para dar conta de situações de ensino- aprendizagem e de outras práticas de interação verbal na escola. No entanto, por serem concebidos como constitutivos das práticas sociais e culturais, os gêneros não podem ser pensados de modo independente dos contextos de produção e circulação. Por isso, estudar a língua pela perspectiva dos gêneros do discurso pode representar uma possibilidade de refletir sobre as ações humanas que estão ligadas ao uso da língua.

Nos últimos anos, na tentativa de fazer frente à fragmentação do conhecimento, têm-se desenvolvido teorias e estratégias interdisciplinares (muitas vezes reduzidas, estas últimas, a articulações artificiais de saberes, é verdade), mas separa-se, ainda, em disciplinas distintas15

A principal razão para qualquer ato de linguagem − que parte de um eu e vai em direção a um tu − é a produção de sentidos, sempre novos e sempre outros em cada ato enunciativo, porque participantes, intenções e contextos nunca serão exatamente os mesmos. Os sentidos e a linguagem se constituem na interação e se renovam pela capacidade criativa dos sujeitos. Para

o que é constitutivo da própria existência social e subjetiva do indivíduo − a linguagem. A compreensão de que literário e não literário mesclam-se e fundem-se na atividade verbal tanto interior (constitutiva da consciência individual) quanto exterior (constitutiva das relações sociais) é ponto de partida para um trabalho escolar com a linguagem menos compartimentado e mais comprometido com a prática da atividade verbal − compreensão para a qual o referencial teórico dos gêneros discursivos aponta.

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Vejam-se as alterações ocorridas no processo de transformação de alguns gêneros: da carta ao e-mail e do diário manuscrito ao blog.

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A dissociação entre ensino de língua e ensino de literatura, bem como outras dicotomias presentes na escola básica, é tema do artigo Literário e não literário: arte, vida e aprendizagem. (In: GOMES, Leny da Silva e GOMES, N. M. Tebaldi. (2006)).

Teorias do Discurso e Ensino 139 desenvolvê-la, o aluno precisa encontrar espaços para dialogar e interagir com os textos, reconstruir sentidos a partir das suas experiências e dos seus saberes, confrontar suas ideias e percepções de mundo com as que são apresentadas ou representadas nos textos que materializam discursos, entendidos aqui num sentido amplo de construção sócio-histórica de maneiras de pensar e agir. Nesse sentido, convivemos com uma pluralidade discursiva que se reproduz e se reconstrói nos processos de interação social.

Os discursos se materializam linguisticamente e, ao mesmo tempo, impregnam ideologicamente a língua que os veicula. Desse processo decorre certa submissão discursiva, isto é, as palavras nos vêm já carregadas de sentidos. Todavia, sempre sobra espaço para a autoria e para a descoberta de outros significados e de outras formas de significar, ainda que o espaço de criatividade, muitas vezes, se restrinja − na produção textual escrita − ao modo de recortar e organizar fragmentos discursivos e − na leitura − ao modo de relacionar esses fragmentos para produzir outros sentidos.

Em todo ato de interação verbal, oral ou escrito, pressupõe-se uma competência social de utilização da língua de acordo com as expectativas em jogo. A escola deve, pois, funcionar como um laboratório de práticas sociais de produção de linguagem oral e escrita, propiciando a percepção e o desenvolvimento das múltiplas possibilidades de sentidos e formas de expressão e de interação verbal. Do trabalho diversificado com textos representativos das relações sociais e culturais resulta a produção de formas textuais tipicamente escolares que compõem o que poderíamos denominar "gênero escolar". São textos (orais e escritos) como diálogos, discussões escolares, comentários, paráfrases, resumos, resenhas, enfim, toda espécie de produção textual resultante da inter-ação com os gêneros que circulam no social extra-escolar e são selecionados para desenvolver as habilidades que propiciam a inclusão e a atuação numa sociedade letrada.

Em relação à leitura, o reconhecimento do gênero por sua função contribui para entendê-la como prática social responsiva − uma reação-resposta do destinatário do enunciado −, ou seja, como uma tomada de posição ativa a propósito do que é lido e compreendido. O leitor não é passivo em nenhum momento do processo de leitura, porque a compreensão resulta da atividade do

leitor: de embates entre formas linguísticas e sentidos possíveis, entre percepções, vivências e saberes do leitor com as representações textuais. É nesse sentido que a leitura produzida, de alguma forma, é sempre uma resposta.

Ao considerar as formas de circulação dos gêneros nas instituições do mundo atual, Kleiman diz que não há por que não incluir a escola no 'circuito dos gêneros'.

As ações nos eventos de diversas esferas de atividade do cotidiano não estão sedimentadas; elas não pertencem apenas a um tipo de evento social e os textos aí interpretados ou produzidos não pertencem apenas a um gênero, mas resultam de combinações de gêneros retirados das instituições [de]onde se originaram, pelos participantes do evento [...] (Kleiman, In: Bunzen E Mendonça (Org.), 2006, p.28).

Por essa sua maleabilidade, segundo Kleiman, os gêneros podem servir de matriz social e histórica de atividades escolares. No entanto, para que o gênero selecionado para o trabalho escolar não fique dissociado de sua função, será preciso ter sempre presente a necessidade de contextualização da atividade verbal, tanto na leitura quanto na produção do texto. Para isso, imaginemos, por exemplo, o engajamento dos alunos de uma determinada série em um projeto que tenha como meta final uma campanha de doação de alimentos a creches assistenciais da comunidade. Os saberes a respeito dos textos que circulam na esfera publicitária poderiam ser explorados na produção de textos destinados a servir de mola propulsora da campanha e conseguir o envolvimento dos pais, de grupos sociais e pessoas da comunidade; os de texto jornalístico, para divulgá-la dentro e fora da escola; os de texto científico para dar suporte à produção de relatórios de atividades interdisciplinares paralelas, como pesquisa do valor de determinados alimentos ou as consequências advindas da falta de outros.

Desse modo, a realização do projeto oportunizaria a inserção do aluno em diferentes esferas das práticas sociais letradas, tornando-o sujeito ativo de sua aprendizagem. A produção de faixas, cartazes, anúncios, notícias, reportagens, relatórios, entre outros, constituiria um exercício dos gêneros publicitário, jornalístico e científico, porém na condição de gêneros situados na escola. Na preparação e execução do projeto, além da leitura e produção textual, outras habilidades seriam exercitadas: discussão de grupo, relato oral, argumentação.

Teorias do Discurso e Ensino 141 Teríamos aqui um trabalho escolar fundamentando uma prática social da linguagem.

Em relação à adoção da perspectiva dos gêneros discursivos na escola, Kleiman lembra que é a prática social que viabiliza a exploração do gênero, e não o contrário. Sem o embasamento dessa prática, em vez de resultar no acréscimo de uma matriz sócio-histórica que guie as ações dos jovens, a adoção dos gêneros pode resultar na sobreposição de mais um conjunto de descrições metalinguísticas. A pesquisadora destaca a necessidade de um enfoque que se afaste do ensino de objetos que podem ser reduzidos aos seus aspectos linguísticos formais. Dito de outra forma, são as habilidades de interagir pela linguagem − compreendendo, interpretando, analisando, avaliando, argumentando e produzindo textos que dão conta de funções diversas − que devem ser estabelecidas como metas a atingir com o trabalho escolar e não a identificação e descrição de características formais dos gêneros.

O desenvolvimento dos estudos linguísticos tem contribuído para que essas outras esferas de uso da linguagem escrita, além da literária, passassem também a ser consideradas para efeito de estudos. Essa prática de modo algum diminui o valor do texto literário, muito menos desobriga a escola de dar-lhe o devido destaque no ensino. Ao contrário, a compreensão dos diferentes usos da linguagem certamente leva o aluno a perceber melhor nuanças próprias dos diferentes modos de existência da língua. Os próprios PCN orientam no sentido de que, no Ensino Fundamental, a escola deve abrir espaço para a diversidade discursiva e, no Ensino Médio, seja dada prioridade ao texto literário.

Confrontando a concepção clássica de gênero com a atual, Neves afirma que,

Falar de gêneros, hoje, na era da Lingüística, é ter como foco a interação pela linguagem, enquanto falar de gênero, em Aristóteles, era falar do objeto 'poética' ou do objeto 'retórica',

No documento TEORIAS DO DISCURSO E ENSINO (páginas 134-154)