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TEORIAS DO DISCURSO E ENSINO

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Academic year: 2021

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Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Chanceler:

Dom Dadeus Grings

Reitor

Joaquim Clotet

Vice-Reitor:

Evilázio Teixeira

Conselho Editorial:

Antônio Carlos Hohlfeldt Elaine Turk Faria Gilberto Keller de Andrade

Helenita Rosa Franco Jaderson Costa da Costa Jane Rita Caetano da Silveira Jerônimo Carlos Santos Braga

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Jussara Maria Rosa Mendes Lauro Kopper Filho Maria Eunice Moreira Maria Lúcia Tiellet Nunes

Marília Costa Morosini Ney Laert Vilar Calazans

René Ernaini Gertz Ricardo Timm de Souza Ruth Maria Chittó Gauer

EDIPUCRS:

Jerônimo Carlos Santos Braga – Diretor Jorge Campos da Costa – Editor-chefe

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Carmem Luci da Costa Silva

Claudia Stumpf Toldo

Leci Borges Barbisan

Lia Lourdes Marquardt

Organizadoras

TEORIAS DO DISCURSO E ENSINO

Porto Alegre 2009

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© EDIPUCRS, 2009 Capa: Deborah Cattani

Diagramação: Stephanie Schmidt Skuratowski Revisão: Rafael Saraiva

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

T314 Teorias do discurso e ensino [recurso eletrônico] /

organizadoras, Carmem Luci da Costa Silva ... [et al.]. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2009. 263 p.

Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader Modo de Acesso: World Wide Web:

<http://www.pucrs.br/orgaos/edipucrs> ISBN 978-85-7430-936-1 (on-line)

1. Linguistica – Teorias. 2. Português – Ensino.

3. Línguas Estrangeiras – Ensino. I. Silva, Carmem Luci da Costa.

CDD 410

Ficha Catalográfica elaborada pelo

Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS

Av. Ipiranga, 6681 - Prédio 33 Caixa Postal 1429

90619-900 Porto Alegre, RS – BRASIL Fone/Fax: (51) 3320-3711 E-mail: edipucrs@pucrs.br http://www.edipucrs.com.br

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COLABORADORES

Carmem Luci da Costa Silva (UFRGS) Claudia Stumpf Toldo (UPF)

Gisele Benk de Moraes (UPF) Magali Lopes Endruweit (UERGS)

Neiva Maria Tebaldi Gomes (UNIRITTER) Neusa Maria Henriques Rocha (UPF) Niura Maria Fontana (UCS)

Roberta Macedo Ciocari Sônia Litchenberg

Tânia Maris de Azevedo (UCS) Telisa Furlanetto Graeff (UPF) Vania Morales Rowell

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ... 7 PARTE 1 - TEORIAS DO DISCURSO E ENSINO DO PORTUGUÊS

A língua portuguesa como instrumento de aquisição de conhecimentos no ensino fundamental: algumas reflexões ... 12

Tânia Maris de Azevedo e Vania Morales Rowell

Teorias linguísticas e o ensino da escrita ... 34

Magali Lopes Endruweit

Pela inserção do discurso na escola ... 51

Sônia Lichtenberg

Argumentação e ensino de língua materna ... 77

Carmem Luci da Costa Silva

Para resumir textos: uma proposta de base semântico-argumentativa ... 104

Telisa Furlanetto Graeff

Gêneros discursivos no ensino: o foco na interação verbal ... 133

Neiva Maria Tebaldi Gomes

O comportamento dos demonstrativos na organização dos enunciados ... 153

Claudia Stumpf Toldo e Neusa Maria Henriques Rocha

PARTE 2 - TEORIAS DO DISCURSO E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS

Construção da autonomia na formação do professor de língua estrangeira .. 175

Niura Maria Fontana

Operadores argumentativos little, a little, few, e a few no ensino inglês como língua estrangeira ... 211

Roberta Macedo Ciocari

Uso de pero, sino e sin embargo através da teoria da argumentação na língua ... 236

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APRESENTAÇÃO

Este livro foi organizado por um grupo de pesquisadores que desenvolvem, com o apoio do CNPq, o projeto “A construção do sentido no discurso”.

Ao folhar as páginas desta obra, o leitor encontrará reflexões sobre questões teóricas e práticas acerca da língua e de suas perspectivas no complexo e heterogêneo mundo da educação. Pensar a realidade da língua é pensar que todos os discursos se constroem a partir do uso que dela se faz. Como escreveu Saussure em um de seus rascunhos*

Os textos que compõem este livro estão organizados em duas partes. Encontram-se, na primeira, estudos concernentes a teorias do discurso, aplicadas ao ensino da língua materna. Na segunda parte, há trabalhos que dizem respeito à aplicação de teorias ao ensino de línguas estrangeiras.

, “a língua só é criada com vistas ao discurso”. Diante disso, queremos, neste livro, divulgar estudos desenvolvidos sob diferentes perspectivas teóricas do discurso e questionar alguns aspectos do ensino de língua, tanto materna quanto estrangeira, na escola, tendo presente que o professor precisa – acima de tudo – ser um profissional capaz de criar conhecimento e alternativas para a aprendizagem de seus alunos. Assim, os textos aqui apresentados se propõem a buscar um diálogo possível entre concepções teóricas, e são dirigidos a estudiosos da língua, a professores de modo geral e a alunos de Graduação, futuros professores.

Na primeira parte, Tânia Maris de Azevedo e Vania Morales Rowell, em “A língua portuguesa como instrumento de aquisição de conhecimentos no ensino fundamental: algumas reflexões”, propõem uma abordagem para o ensino da língua portuguesa que leve em conta a língua como “ferramenta” para a aquisição de conhecimentos em todas as áreas. Para tanto, defendem uma concepção de ensino de língua materna a partir de pressupostos vinculados às

*

STAROBINSKI, Jean. As palavras sob as palavras: os anagramas de Ferdinand Saussure. São Paulo: Perspectiva, 1974.

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teorias linguísticas enunciativas, que se centram nos sentidos produzidos pela língua em uso na interlocução.

Em “Teorias lingüísticas e o ensino da escrita”, Magali Lopes Endruweit reflete sobre a presença da escrita na escola e sua relação com as teorias linguísticas subjacentes às concepções de escrita. A discussão se dá em três momentos: o primeiro trata do entendimento segundo o qual a escola é o lugar da escrita por excelência; o segundo analisa as principais publicações presentes em sala de aula nos últimos trinta anos e o terceiro procura o significado da escrita na escola.

Em “Pela inserção do discurso na escola”, Sônia Lichtenberg analisa o contexto ensino-aprendizagem da língua portuguesa nas escolas de níveis fundamental e médio, assim como os instrumentos utilizados para esse fim – gramáticas tradicionais e livros didáticos – questiona os limites de um ensino que deixa de lado a língua em uso e, em consequência, o discurso. A autora propõe um ensino centrado no funcionamento da língua no discurso a partir da Teoria da Enunciação de Émile Benveniste.

No artigo “Argumentação e ensino de língua materna”, Carmem Luci da Costa Silva discute o saber teórico-metodológico do ensino de língua materna proposto pelos PCNs, bem como verifica, nessas diretrizes para os ensinos fundamental e médio, a presença de aspectos que contemplam o funcionamento enunciativo-argumentativo da língua. A partir disso, mostra análises centradas na Teoria da Argumentação de Oswald Ducrot para refletir sobre as possibilidades de exploração do uso argumentativos da língua em sala de aula. Assim, a autora pontua em seu texto duas questões relacionadas: (1) o tratamento da língua em uso e (2) a consideração da argumentação no uso da língua.

“Para resumir textos: uma proposta de base semântico-argumentativa” é um artigo em que Telisa Furlanettto Graeff testa uma metodologia de resumo de textos expositivo-argumentativos com base nas teorias da Polifonia e dos Blocos Semânticos propostas por Oswald Ducrot e Marion Carel. A aplicação dessa metodologia a alunos de Pós-Graduação em Letras em nível de Mestrado revelou-se adequada, visto que os alunos passaram, a partir dessa metodologia, a produzir resumos considerando os princípios necessários a esse gênero

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Teorias do Discurso e Ensino 9 textual: completude (presença/ausência de unidades semânticas básicas), economia e fidelidade.

“Gêneros discursivos no ensino: o foco na interação verbal”, de Neiva Maria Tebaldi Gomes, estuda a possibilidade de levar os gêneros discursivos para a escola. Essa atividade permite, conforme a autora, compreender o espaço escolar como uma extensão do grande espaço das relações sociais em que se movem e se constituem os sujeitos. Esse estudo mostra que, independentemente de perspectivas teóricas, falar de gêneros na Linguística é ter como foco a interação pela linguagem, é tratar das formas de interação verbal que se constroem nas práticas sociais, procurando entender melhor o que o homem faz com a linguagem.

“O comportamento dos demonstrativos na organização dos enunciados”, pesquisa desenvolvida por Claudia Stumpf Toldo e Neusa Maria Henriques Rocha, evidencia, à luz da perspectiva linguístico-funcionalista, que a língua tem de ser tratada no seu contexto de uso e entendida na relação com as diversas possibilidades de interação. Para tanto, analisa a construção de sentidos no texto, por meio das relações que se estabelecem, nesse processo, entre os componentes sintáticos, semântico-discursivos e pragmáticos. As autoras procuram compreender o comportamento dos pronomes demonstrativos em enunciados de humor, com o propósito de mostrar que o professor pode levar o aluno a reconhecer a função referenciadora desses pronomes e o papel que eles desempenham na construção dos sentidos do texto.

A segunda parte é constituída de textos que abordam o ensino de línguas estrangeiras a partir de teorias sobre o uso da linguagem. Em “Construção da autonomia na formação do professor de língua estrangeira”, Niura Maria Fontana apresenta a noção de autonomia na escola e afirma a necessidade de que o professor tenha conhecimento de teorias linguísticas para, pela relação da teoria com a prática, desenvolver essa competência em seus alunos. Propõe, então, que o professor tenha uma concepção de língua, não como estrutura, mas como atividade situada, que contemple noções como texto, coesão, enunciação, gênero e discurso. É apresentado o relato de um experimento com dois grupos de alunos.

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Em “Operadores argumentativos little, a little, few, e a few no ensino do inglês como língua estrangeira”, Roberta Macedo Ciocari estuda o uso dos chamados quantificadores, destacando que os materiais didáticos comumente utilizados tornam difícil a tarefa de explicar a diferença existente entre os componentes de cada par. Por isso, os alunos não conseguem empregá-los com segurança, visto não os distinguirem. Com o estudo da Teoria da Argumentação na Língua, a autora propõe uma nova abordagem dos quantificadores em questão, que ajudaria tanto alunos como professores no entendimento desse assunto.

Com seu trabalho, “Uso de pero, sino e sin embargo, através da teoria da argumentação na língua”, Gisele Benck de Moraes constata que uma das dificuldades que se apresenta a alunos e professores de língua espanhola é o uso de pero, sino, sin embargo no discurso. A busca de esclarecimentos em gramáticas, dicionários e até mesmo em livros didáticos parece não ser suficiente para dar clareza sobre o uso desses termos: a explicação é sucinta e comparativa e, geralmente, trata só de pero e de sino. Em virtude dessa dificuldade, a autora faz um estudo em que mostra o funcionamento dos articuladores pero, sino e do conector sin embargo em textos, com base em descrições amparadas pela Teoria da Argumentação na Língua (TAL) de Oswald Ducrot.

Tendo em vista a importância que a Linguística assume no cenário do ensino de língua e a relevância dos temas desenvolvidos neste livro, as autoras esperam que os textos aqui apresentados oportunizem reflexões e discussões que contribuam para o trabalho de professores em sala de aula.

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PARTE 1

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A LÍNGUA PORTUGUESA COMO INSTRUMENTO DE AQUISIÇÃO DE CONHECIMENTOS NO ENSINO FUNDAMENTAL: ALGUMAS REFLEXÕES

Tânia Maris de Azevedo* tmazeved@ucs.br Vania Morales Rowell** umorell@yahoo.com.br

As palavras só têm significado na corrente do pensamento e da vida. (Wittgenstein)

1 Introdução

O ensino de língua materna, hoje, parece estar um tanto desfocado em relação ao seu objetivo, principalmente no que se refere ao Ensino Fundamental: à metalinguagem é conferido o status de protagonista, quando deveria, no máximo, ser coadjuvante.

O estudo da língua tem se reduzido à memorização de regras gramaticais aplicadas a uma única modalidade, a língua escrita, em uma única variante, a padrão-culta. A língua é tratada como uma dobra sobre si mesma no sentido de que o estudo da estrutura e da forma é visto como suficiente e até mesmo essencial para que, como consequência natural e necessária, o sujeito aprenda a produzir e compreender eficientemente textos/discursos reais, aqueles inseridos em situações cotidianas de comunicação, quer escolares, quer não.

Obviamente, e a experiência é testemunha disto, essa consequência não é assim tão natural e, menos ainda, necessária. Muito pelo contrário, a “aprendizagem” da metalinguagem parece até distanciar o aprendiz das tarefas de compreensão leitora e de produção de textos/discursos. O estudo da gramática normativa acaba por inibir e limitar a atividade de produção do aluno, pois este tem sempre a impressão de não saber escrever, como se a língua

*

Professora do Departamento de Letras de Universidade de Caxias do Sul, Doutora em Linguística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

**

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Teorias do Discurso e Ensino 13 escrita fosse uma modalidade a que somente os grandes literatos têm acesso, longe, portanto, do uso corrente advindo de necessidades cotidianas. Tanto é assim que é comum ouvir, nos mais diversos meios e nas mais diferentes profissões – inclusive na de professor –, profissionais afirmando categoricamente não saber “colocar suas ideias no papel” e ter dificuldade para ler um texto mais especializado e mais complexo.

É preciso lembrar que a criança chega à escola como usuário da língua e com uma competência comunicativa de base já bastante desenvolvida em nível oral, além de contar com uma imaginação prodigiosa e extremamente fértil em termos de possibilidade de criação e potencialidade de aquisição de recursos linguísticos para aprimorar sua expressão verbal.

A escola, na contramão desse processo, introduz a criança no mundo do código escrito, desprezando o que ela já domina linguisticamente e impondo a ela um registro desvinculado do seu contexto de uso. Unidades desprovidas de sentido – como letras, sílabas, palavras e mesmo orações – são trabalhadas num universo totalmente artificial, impondo ao sujeito aprendiz a condição do “não saber”, da plena ignorância, como se o falante já não dominasse estruturalmente mecanismos básicos de uso da língua. A língua escrita é colocada ao aluno como uma ilustre desconhecida, sem qualquer vínculo com a língua que ele já usa, e usa proficientemente em várias situações enunciativas.

Por outro lado, as demais disciplinas curriculares tratam a aquisição do conhecimento em suas áreas, cada uma no seu nicho, como retenção de conteúdos temáticos, de informações específicas, sem que haja consciência de que a linguagem é o principal veículo de interação, por meio da qual se dá a construção do conhecimento, e a língua a ferramenta maior de acesso às informações e de processamento/sistematização delas rumo à construção dos saberes.

Essa falta de consciência faz com que os professores que atuam com as outras disciplinas que compõem o currículo do Ensino Fundamental não se percebam como também professores de língua materna, como se o processo de apreensão e apropriação do conhecimento não fosse mediado pela língua.

É nesse contexto que se circunscreve o presente trabalho, cujo objetivo é o de propor uma abordagem instrumental para o ensino de Língua Portuguesa no

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Ensino Fundamental (mais especificamente, de 5ª a 8ª série), ou seja, uma abordagem que conceba a língua como “ferramenta” para a aquisição de conhecimentos em todas as áreas, desde o acesso à informação até a estruturação do pensamento e dos diferentes raciocínios que cada área impõe ao sujeito conhecedor.

São diferentes textos, diferentes estruturas, diversos campos semânticos a serem dominados e mobilizados para que o sujeito possa transitar pelas várias áreas e pelos múltiplos tipos de conhecimento. São requeridas do aprendiz diferentes habilidades linguísticas para a construção dos diversos saberes atinentes a cada forma de conhecer e cabe à escola, a cada professor e, mais especificamente, ao professor de língua materna a instrumentalização linguística do aluno para a construção do conhecimento.

O que defenderemos aqui são algumas concepções acerca do ensino e do ensino de língua materna, algumas formas de conceber a língua como instrumento de interação humana e mediadora da aquisição de conhecimentos. Portanto, não filiaremos este trabalho a nenhuma teoria linguística em especial, mas a determinadas posturas que, transpostas ao ensino, possam dar conta da real função da língua na construção do conhecimento. Se houver necessidade de explicitar alguns pressupostos teóricos, certamente, estes estarão vinculados às chamadas teorias enunciativas, pois cremos que o uso da língua e sua função na interlocução devam ser a tônica do processo educativo em se tratando do ensino da língua materna.

Como já foi dito, o Ensino Fundamental não é lugar de discussões metalinguísticas e muito menos de prescrições gramaticais, mas, se o objetivo é proporcionar ao aluno situações que o leve a construir conhecimentos e formar conceitos, nesse nível de ensino a língua portuguesa deve ser tratada desde os seus diversos usos, quer em termos de leitura, quer de produção, e o aporte teórico que pode alicerçar essa concepção de ensino só poderá ser aquele inscrito na perspectiva enunciativa da linguística.

Dados os limites desse estudo, não se tem a pretensão de propor soluções definitivas para o problema detectado, mas apenas elencar algumas reflexões que poderão contribuir para que o ensino de língua materna assuma sua principal função no Ensino Fundamental: a de municiar o aprendiz com os mecanismos

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Teorias do Discurso e Ensino 15 linguísticos necessários à compreensão e produção dos diversos gêneros discursivos presentes no cotidiano de qualquer cidadão e daqueles gêneros de que se valem as demais disciplinas curriculares para tratar o conhecimento.

2 Alguns conceitos de base

No momento em que se concebe a linguagem como responsável pela estruturação do pensamento e a língua como veículo dessa estruturação e, portanto, como instrumento fundamental à aquisição de conhecimento, faz-se mister discutir, mesmo que breve e superficialmente – dadas as limitações impostas pela configuração deste trabalho –, alguns conceitos que se põem na base de uma proposta de ensino instrumental da língua materna.

Não há como pensar o ensino de língua sem pensar antes no ensino como educação formal. E falar sobre a educação formal requer uma breve reflexão sobre o conceito de homem em suas relações com os conceitos de natureza, cultura, sociedade.

O homem só difere dos outros animais por ser capaz de, pela interação com seus semelhantes, agir sobre a natureza no sentido de transformá-la de acordo com suas necessidades de sobrevivência e também por ser o único a preservar o fruto dessas constantes transformações – a cultura – ao longo da história para que as gerações futuras possam se valer delas sem ter que refazer o caminho já trilhado.

O ser humano distingue-se dos outros animais e assume a condição de sujeito, principalmente, por ser o ÚNICO:

- dotado de racionalidade, o que lhe possibilita abstrair, distanciar-se da “realidade” a ponto de, por meio da percepção, compreensão, interpretação, representar-se e representar o mundo;

- capaz de, por sua alteridade constitutiva, constituir-se na intersubjetividade e auto-referir-se, por meio da linguagem;

- a manter sua identidade, independentemente das alterações físico-químicas, afetivas, de personalidade, de caráter que ocorrem com ele ao longo da vida;

- a poder refletir sobre si mesmo, pois é dotado de consciência – consciência esta que lhe permite inclusive ter consciência da existência de seu próprio inconsciente, de sua experiência pessoal intransferível;

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- a concretizar a idéia de liberdade, por ser capaz de conceber e fazer escolhas e poder operar essas escolhas dentro dos meios interno e externo, avaliando-as e avaliando sua própria operacionalização.1

Essas potencialidades do ser humano que o diferenciam dos outros animais e o tornam único têm na base – e, ao mesmo tempo, como principal instrumento de atualização, de concretização – sua capacidade de linguagem, a competência humana de constituir-se e constituir seu mundo na e pela linguagem.

Para abstrair, compreender, interpretar, representar-se e representar o mundo, referir e autorreferir-se, preservar sua identidade, refletir sobre si mesmo, sobre seu conhecimento e sobre suas próprias formas de conhecer e aprender, bem como para realizar, tornar concreta a ideia de liberdade, exercendo sua cidadania, o homem se vale da linguagem, e, mais especificamente, do sistema linguístico que põe em uso.

A condição social do homem, a interação com os demais da mesma espécie, bem como a preservação da cultura construída só é possível porque o homem possui uma linguagem, uma forma de simbolizar, de representar, de abstrair dos fenômenos conceitos que perduram por meio da linguagem.

Da relação do homem, como sujeito conhecedor que é com a natureza e com os outros sujeitos, relação desencadeada pelos conflitos que a sobrevivência cotidiana impõe, surge o processo de educação informal que, novamente via linguagem, é o grande responsável pela preservação da cultura e pela consolidação da sociedade.

A educação informal tem por características: (a) a não sistematicidade, uma vez que não é planejada nem regida por quaisquer preceitos didático-pedagógicos; (b) a espontaneidade, já que acontece na justa proporção da necessidade, nos diferentes grupos e relações sociais, à medida que os conflitos surgem como elementos perturbadores da estabilidade do indivíduo/grupo; e (c) a circunstancialidade, visto que o processo não tem local e hora marcados, efetiva-se conforme a exigência das situações problematizadoras.

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Teorias do Discurso e Ensino 17 Por meio do processo educativo informal, são transmitidos valores, crenças, mitos, enfim, regras de convivência de um grupo, de geração em geração.

A educação é o vetor de transmissão da cultura enquanto que esta define o quadro institucional da educação e ocupa um lugar essencial em seus conteúdos. A educação, afirma-se, ocupa uma posição central no sistema de valores e os valores são os pilares em que se apóia a educação. Postas a serviço das necessidades de desenvolvimento do ser humano, a educação e a cultura tornam-se, quer uma, quer outra, meios e fins deste mesmo desenvolvimento.2

Da exigência de organizar e disseminar conhecimentos de modo a torná-los comuns a comunidades maiores e mesmo à sociedade como um todo, surge a educação formal, ou ensino. Com ambiente e horários determinados, com profissionais especializados, com material apropriado e programas curriculares estabelecidos, a educação formal, diferentemente da informal, assume a configuração de processo sistemático – metódica e metodologicamente organizado para propiciar a aquisição do conhecimento produzido –, programado – com objetivos e ações planejados previamente e conteúdos hierarquicamente dispostos ao longo de um currículo – e situado artificialmente – em oposição à circunstancialidade que define o processo de educação informal, a educação formal tem tempos e espaços definidos, ocorre por meio da criação de ambientes de aprendizagem, antecipando necessidades e conflitos.

A educação formal passa a ser, então, um simulacro do processo educativo informal, no sentido de que tenta reproduzir situações conflitivas na forma de situações de aprendizagem, para que o sujeito conhecedor tenha acesso ao conhecimento social e historicamente produzido.

Todo o processo educativo, seja ele formal ou informal, só é possível por meio da linguagem e, mais especificamente, da língua oral ou escrita. Conhecimentos matemáticos, físicos, químicos, geográficos, independentemente de terem uma linguagem própria, um sistema de formalização e representação, são veiculados pela educação, formal ou não, por meio do sistema linguístico, da

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linguagem verbal, oral ou escrita. Os questionamentos, as explicações, as definições, os exercícios didáticos têm na linguagem verbal sua forma de expressão e o meio de decifração/compreensão de símbolos e gráficos pertinentes às diversas áreas do conhecimento. Qualquer que seja a forma de educação, da mais sistemática a mais espontânea, tem como veículo mais utilizado a língua, justamente por ser ela o meio mais viável de transmissão de informações e de processamento delas rumo à formação de conceitos e, consequentemente, à construção do conhecimento.

Falando em conhecimento, esse é outro conceito de base a ser aqui discutido, pois de como o compreendemos e entendemos o ato de conhecer decorre a concepção de ensino de língua proposta.

O conhecimento é visto aqui como o resultado, o produto do processamento, da organização, enfim, da sistematização do conjunto de informações a que somos expostos a todo instante ou a que nos expomos quando temos um problema a solucionar. Essas informações chegam a nós de várias formas e por diversas vias, desde o que é percebido sensorialmente até o que é intelectualmente captado ou acessado.

O que ocorre é que essas informações por si só não se constituem meios para a solução de problemas, precisam ser inter-relacionadas para assumir a configuração de conhecimento construído e, então, poder ser adaptadas, ressignificadas e aplicadas, como instrumentos de resolução, a situações que se colocam como problemas.

O conhecimento só é conhecimento enquanto organização, relacionado com as informações e inserido nos contextos destas. As informações constituem parcelas dispersas de saber. [...] [A] informação é uma matéria-prima que o conhecimento deve dominar e integrar.3

O conhecimento resulta, por conseguinte, de uma ação do sujeito sobre o objeto a ser conhecido. Não há, pois, transmissão de conhecimento, mas reconstrução, ressignificação do objeto de conhecimento pelo sujeito por meio da ação, da interação, que se faz, por sua vez, pela linguagem.

3

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Teorias do Discurso e Ensino 19 É a partir de um acontecimento que se institui como desafio/problema ao sujeito que o processo de conhecer entra em ação, ou seja, que o sujeito, pela interação com outros sujeitos e com as informações – objeto de conhecimento –, constrói uma rede de relações entre essas informações e delas com a situação- - problema, interpretando-as e convertendo-as em possibilidades de solução ou de minimização do problema instituído.

O produto desse processo, independentemente da efetiva solução do problema, é o que se concebe como conhecimento, uma vez que essa rede de relações estabelecida foi incorporada pelo sujeito e poderá ser o alicerce de novas relações na busca de outras soluções para outras situações conflitivas. A cada evento que se apresenta ao sujeito cognoscente, ele localiza e mobiliza o que já assimilou a respeito, ressignifica e reconstrói o conhecimento que já possui e, buscando novas informações, realizando novas interações, incorpora novas redes de relações ao seu conhecimento prévio, ampliando-o, redimensionando-o e/ou sedimentando-o para a solução de novos problemas.

Assim, sucessiva e recursivamente, o conhecimento vai sendo construído, aprofundado, alargado, e o sujeito vai se tornando mais autônomo, mais senhor de suas interpretações e ações sobre o mundo e sobre si mesmo.

Como diz Luckesi (1989, p. 47-48),

o conhecimento é o produto de um enfrentamento do mundo realizado pelo ser humano que só faz plenamente sentido na medida em que o produzimos e o retemos como um modo de entender a realidade, que nos facilite e nos melhore o modo de viver, e não, pura e simplesmente, como uma forma enfadonha e desinteressante de memorizar fórmulas abstratas e inúteis para nossa vivência e convivência no e com o mundo.

Desde essa perspectiva, o objeto de conhecimento não se apresenta ao sujeito como um reflexo do real a ser assimilado, mas como um objeto a que o sujeito precisa atribuir sentido. Por isso, o conhecimento é sempre, como diz Morin (2002), tributário da interpretação, logo, da subjetividade, isto é, construído individual e transitoriamente, não admitindo o caráter de verdade tácita e imutável.

A linguagem assume no processo de conhecer pelo menos três funções: a de veicular a interação do sujeito cognoscente com o objeto de conhecimento,

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possibilitando sua apropriação; a de estruturar e organizar o conhecimento resultante dessa interação; e a de tornar consciente ao sujeito todo esse processo.

[...] o homem transforma e é transformado nas relações produzidas em uma determinada cultura. Mas a sua relação com o meio não se dá de forma direta, ela é mediada por sistemas simbólicos que representam a realidade; e a linguagem, que se interpõe entre o sujeito e o objeto de conhecimento, é o principal sistema de todos os grupos humanos.4

Quando o sujeito se questiona sobre algo, quando mobiliza o que já conhece a respeito do que está investigando e, desde aí, estabelece novas relações a fim de se apropriar desse objeto de investigação e, ainda, quando consegue tomar consciência do caminho percorrido para desvendar o objeto que se lhe põe à frente, bem como do resultado desse desvelamento, o faz por meio da linguagem, seja ela verbal ou não. Como diz Vygotsky, a linguagem dá forma ao pensamento, estruturando-o. É por meio da linguagem que o sujeito interpreta, constrói, reconstrói, ressignifica, redimensiona e socializa o conhecimento.

Para Luria (1987, p. 202),

a presença da linguagem e de suas estruturas lógico-gramaticais permite ao homem tirar conclusões com base em raciocínios lógicos, sem ter que se dirigir cada vez à experiência sensorial imediata. A presença da linguagem permite ao homem realizar a operação dedutiva sem se apoiar nas impressões imediatas e se limitando àqueles meios de que dispõe a própria linguagem. Esta propriedade da linguagem cria possibilidade de existência das formas mais complexas do pensamento discursivo (indutivo e dedutivo), que constituem as formas fundamentais da atividade intelectual produtiva humana.

Se a linguagem é o instrumento fundamental do processo de conhecer e se o conhecer pressupõe o aprender, a linguagem desempenha na aprendizagem função igualmente essencial, como mediadora das relações entre o sujeito e o objeto a conhecer.

4

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Teorias do Discurso e Ensino 21 Nesse sentido, quando se pensa uma proposta para o ensino de língua materna, outro conceito de base a ser repensado é o de aprendizagem. É preciso saber como se entende o processo de aprendizagem, como se aprende, para poder conceber uma proposta de ensino, uma vez que este só tem sentido se pensado da perspectiva do aprender.

Não há espaço aqui para analisarmos todas as formas de aprendizagem, restringir-nos-emos, pois, à aprendizagem formal, sistematizada, escolar.

Se o ato de conhecer pressupõe a construção de uma rede de informações interconectadas, faz-se necessário aprender a tecer essa rede. A aprendizagem, aqui, é vista como o desenvolvimento de competências/habilidades essenciais ao ato de conhecer como as de observar, comparar, classificar, analisar, sintetizar, interpretar, criticar, descobrir, estabelecer relações. Outra vez, o desenvolvimento de tais competências/habilidades tem como principal ferramenta a linguagem e, essencialmente, a linguagem verbal. Desde a mais simples observação até a construção da mais complexa rede de relações tem na verbalização o maior instrumento de representação/sistematização/consolidação.

Segundo Piaget, aprender é diferente de conhecer. Aprender, para o autor, é saber realizar, ao passo que conhecer é compreender e distinguir as relações necessárias, é atribuir significado às coisas. Nesse sentido, aprender diz respeito mais aos procedimentos e às estratégias empregadas pelo sujeito para agir sobre o objeto de conhecimento e decifrá-lo ou ressignificá-lo.

Novamente, aqui, torna-se essencial a consciência sobre esses procedimentos: aprender a aprender, pois, é fundamental para o aprimoramento das estratégias pressupostas pelo conhecer. A meta-aprendizagem, assim como a metacognição, é fundamental para assegurar ao sujeito a autonomia do seu desenvolvimento, uma vez que lhe permite otimizar processos e redimensionar estratégias em função do objeto a conhecer.

A aprendizagem resulta de construções efetivadas pelo sujeito cognoscente por meio de estágios de reflexão, remanejamento e remontagem das percepções que ocorrem na ação sobre o mundo e na interação com outras

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pessoas5. A aprendizagem é resultado de um processo de interação entre o mundo do sujeito e o mundo do objeto, por uma integração ativada pelas ações do sujeito6

A aprendizagem, por decorrência, só ocorre à proporção que o aluno age sobre os conteúdos específicos e, desafiado por situações problematizadoras, tem suas próprias estruturas de pensamento previamente construídas ou em construção. E, ainda, pelo desenvolvimento de competências/habilidades, mantém uma relação ativa como o conhecimento, relação essa que produz transformações no sujeito cognoscente e no próprio objeto cognoscível.

.

No entanto, a aprendizagem não pode ser vista como um fenômeno unicamente individual. Se o ser humano é aqui entendido como um ser essencialmente social, só se pode compreender a aprendizagem como resultado de um constante processo de interação, não apenas do sujeito com o objeto a conhecer, mas do sujeito com outros sujeitos. No caso específico do ensino formal, a aprendizagem decorre fundamentalmente das interações aluno-professor e aluno-aluno.

Segundo Wood7

5

MORAES, 2000, p. 200.

, a teoria vigotskiana atribui ao sucesso alcançado pela cooperação a base da aprendizagem e do desenvolvimento. A instrução, tanto formal como informal, em contextos sociais variados, realizada por colegas, familiares, amigos e professores dotados de maior conhecimento, é o principal veículo de transmissão cultural do conhecimento. O conhecimento encontra-se inscrito nas ações, no trabalho, nas brincadeiras, na tecnologia, na literatura, nas artes e na fala dos membros de uma sociedade. E apenas por meio da interação com os representantes de vários grupos sociais e culturais é que o sujeito poderá adquirir, incorporar e desenvolver posteriormente aquele conhecimento. Ou seja, é através das múltiplas inter-relações que o indivíduo mantém com os diferentes grupos sociais que vai construindo seu conhecimento e incorporando valores, crenças e atitudes que compõem a cultura e que, por sua vez, fazem-na perpetuar-se.

6

Id. Ib.

7

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Teorias do Discurso e Ensino 23 O ato de conhecer pressupõe uma ação do sujeito sobre o objeto de conhecimento, no sentido de compreendê-lo e decifrá-lo, processos que por sua vez implicam o ato de refletir, já que nem todo o objeto de conhecimento está disponível sensorialmente. É pela possibilidade de representar simbolicamente, ou seja, pela linguagem, que o sujeito consegue abstrair, logo, analisar, hipotetizar, deduzir, generalizar, transferir, projetar, acessar e processar informações, sistematizando-as e incorporando-as na forma de conhecimento construído.

É pela linguagem que o homem se apropria do conhecimento. E é pelo questionamento sobre a realidade (esta concebida como um ponto de vista do sujeito, logo, individualmente percebida e compreendida) que o conhecedor conhece. Portanto, é a língua que permite ao sujeito assumir uma atitude investigativa sobre o mundo, questioná-lo e questionar o conhecimento produzido, e, assim, construir sobre ele seus pontos de vista. É a língua o principal instrumento de tomada de consciência do mundo pelo sujeito.

Conhecer nada mais é do que atribuir sentido ao que se nos apresenta; conhecer, portanto, pressupõe a linguagem para tal atribuição de sentido. É por meio da linguagem que o sujeito conhecedor age sobre o objeto a conhecer e, nessa ação, construindo hipóteses e generalizações, confere sentido a ele, apropriando-se desse objeto e tomando consciência do próprio processo de conhecê-lo, o que, consequentemente, lhe permitirá decifrar novos objetos cognocíveis e implementar novas formas de conhecer.

De acordo com Vygotsky (1998), quando trata do processo de formação de conceitos, o signo, ao mesmo tempo em que funciona como elemento mediador nesse processo, afigura-se como sua síntese, uma vez que se torna a exteriorização, a abstração, a formalização do próprio conceito formado. A linguagem, nesse sentido, assume papel mediador e estruturante no processo de conhecer. É por meio dela, e mais especificamente por meio da língua, que significamos e representamos o mundo que se nos dá a conhecer.

É a língua a responsável pela transformação do conhecimento em saber e em saber-fazer, visto que ela possibilita a socialização de informações e o desenvolvimento de habilidades que o raciocinar pressupõe. É pela propriedade de referir pela língua que o sujeito se constitui e constitui o mundo que o cerca.

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As concepções até aqui discutidas formam o alicerce sem o que não seria possível delinear uma proposta para o ensino de língua materna no Ensino Fundamental. Somente quando se tem por base e se acredita que a função da língua é a de mediar o processo de conhecer em qualquer área pode-se propor que o ensino de língua configure-se como uma instrumentalização ao ato de transformar informações em conhecimento e, posteriormente, outra vez por meio da língua, transformar esse conhecimento construído em ferramenta para a solução de problemas que o viver e o conviver impõem.

Assim sendo, é hora de repensarmos o ensino da língua materna desde essa perspectiva: algumas concepções, algumas diretrizes, alguns redimensionamentos.

3 Português instrumental: a língua a serviço da construção de saberes no ensino fundamental

Se a educação formal é tida aqui como uma simulação dos processos de ensino e aprendizagem desenvolvidos pela educação informal, o ensino da língua materna não poderia ser concebido de outra forma. Assim, o ensino da língua portuguesa deveria seguir na direção da aquisição da linguagem oral, no sentido de que essa modalidade da língua é apreendida e aprendida em seu uso, pela interação do sujeito com outros que já a detém. Ensinar língua materna, então, significa expor o sujeito aprendiz a diferentes situações de emprego da língua, seja na modalidade escrita para aprendê-la, seja na modalidade oral para aperfeiçoá-la.

Hoje, as aulas de língua portuguesa estão direcionadas prioritariamente à aquisição e ao desenvolvimento da língua escrita, quer em termos de compreensão leitora, quer no que se refere à produção de textos. A língua oral é relegada a um segundo plano ou nem sequer trabalhada, sendo inclusive “atrofiado” seu uso no ambiente escolar, já que as interlocuções são limitadas e rigidamente supervisionadas, e as intervenções dos professores sobre a oralidade dos alunos vão exclusivamente ao sentido da correção e, ainda, da correção com critérios do nível culto da modalidade escrita.

Além disso, o ensino de língua está muito longe de priorizar as situações de uso efetivo da língua a ser aprendida/aprimorada; a descrição ou mesmo a

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Teorias do Discurso e Ensino 25 normatização do sistema linguístico é o foco dos currículos na Educação Básica. A língua como objeto de ensino é uma língua atemporal, fora de contexto, portanto, desprovida de qualquer função, mas plenamente recheada de regras e normas, cuja infração é sempre motivo de punição; é a língua sobre si mesma e por si mesma, sem qualquer vínculo com as possibilidades reais de emprego e, menos ainda, sem qualquer possibilidade de criação sobre ou de rompimento do sistema que é tido como restritivo e coercitivo; é uma língua fossilizada, sem ninguém que a atualize, que a realize, que atribua sentido a ela.

Ora, sabe-se bem que o sentido não está na língua, como entidade virtual, mas no contexto de uso das formas da língua; é o discurso, como diz Ducrot (2002), que doa sentido, é na parole saussuriana que o dizer se faz dito e, portanto, pleno de sentido. Então, como conceber um ensino de língua que a artificializa, que suprime dela o que lhe confere sentido? Como esperar que o aluno aprenda a usar uma língua, a sua língua, ensinando suas formas e estruturas descontextualizadas, fora da situação enunciativa que a faz fazer sentido?

Diante disso e da crença de que a língua é, além do principal instrumento de interlocução dos seres humanos, o principal mediador na formação de conceitos e, consequentemente, da construção de saberes pelos sujeitos, o que se propõe aqui é quase o inverso disso. É um ensino de língua materna (em que as modalidades oral e escrita tenham o mesmo status e sejam constante e concomitantemente trabalhadas) cujas bases sejam as situações enunciativas, os contextos de interlocução, os diferentes objetivos dos locutores, os diversos perfis dos interlocutores.

Nossos professores de língua – seja por formação profissional, seja por falta de formação – são muito atraídos pela descrição de língua e pelo ensino de gramática. Sempre fazemos sucesso na formação de professores quando discutimos as características formais e de estilo de um texto ou gênero, a partir de nossos instrumentos. Por outro lado, nossos alunos não precisam ser gramáticos de texto e nem mesmo conhecer uma metalinguagem sofisticada. Ao contrário, no Brasil, com seus acentuados problemas de iletrismo, a necessidade dos alunos é de terem acesso letrado a textos (de opinião, literários, científicos,

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jornalísticos, informativos, etc.) e de poderem fazer uma leitura crítica e cidadã desses textos.8

Por isso, acredita-se que os gêneros discursivos, desde a abordagem de Bakhtin, possam se constituir meios eficientes para o ensino da língua materna numa perspectiva mais enunciativa e funcional.

A proposta desse autor vem ao encontro da função que se atribui aqui ao ensino de língua materna no Ensino Fundamental, ou seja, a de instrumento do processo de aquisição/construção de conhecimentos em todas as demais disciplinas que compõem o currículo desse nível de ensino.

Como diz Bakhtin,

todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse uso sejam tão multiformes quanto os campos da atividade humana, o que, é claro, não contradiz a unidade nacional de uma língua. O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados9 (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção composicional. Todos esses três elementos – o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional – estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominados gêneros do discurso.10

Cada área do conhecimento – e, por conseguinte, no referido processo de simulação, cada disciplina do currículo – possui formas específicas de expressar seus raciocínios e conceitos: definições, explicações, justificativas, questionamentos, fórmulas, gráficos, mapas, esquemas, enfim, uma grande

8

ROJO, p. 27.

9

Conceito situado pelo próprio autor no campo da parole saussuriana, significa o ato de enunciar, de exprimir, transmitir pensamentos, sentimentos, etc. Bakhtin, segundo seu tradutor, usa indiscriminadamente os termos enunciado e enunciação, sem distingui-los.

10

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Teorias do Discurso e Ensino 27 quantidade e diversidade de gêneros discursivos aplicados às finalidades e necessidades de cada área e de cada conceito trabalhado, analisado.

O sujeito aprendiz é exposto a essa multiplicidade de gêneros discursivos sem que nenhuma instrumentalização linguística lhe seja fornecida. A ideologia escolar tem a falsa impressão de que o fundamental a ser ensinado é o conteúdo temático de cada área, como se esse conteúdo não fosse veiculado por um conjunto de sequências discursivas próprias da área e que requerem domínio, por parte do sujeito cognoscente, para que possam ser compreendidas e, então, aprendido, transferido e aplicado o conteúdo que é por elas transmitido.

Desde essa perspectiva, à educação formal cabe não só ensinar o conhecimento produzido em cada área, mas também instrumentalizar o aprendiz para que tenha acesso a esses conhecimentos e seja capaz de apropriar-se deles para construir seus próprios conceitos e produzir novos conhecimentos.

Particularmente, à disciplina de língua portuguesa fica uma dupla tarefa: a de instrumentalizar o aluno para compreender e produzir os gêneros discursivos cotidianos, orais ou escritos, dos mais informais aos mais formais; e a de instrumentalizá-lo também para operar, quer em termos de leitura, quer de produção, com os gêneros utilizados pelas outras disciplinas, desde aqueles próprios das várias áreas do conhecimento até os que são didaticamente usados pelas disciplinas para acesso e construção do conhecimento produzido, a saber: os relatórios, resumos, resenhas, esquemas, etc.

Ainda conforme Bakhtin,

em cada campo existem e são empregados gêneros que correspondem às condições específicas de dado campo; é a esses gêneros que correspondem determinados estilos. Uma determinada função (científica, técnica, publicística, oficial, cotidiana) e determinadas condições de comunicação discursiva, específicas de cada campo, geram determinados gêneros, isto é, determinados tipos de enunciados estilísticos, temáticos e composicionais relativamente estáveis.11

Nesse sentido, o que se propõe aqui é que a função, a finalidade, a situação enunciativa determinem a forma, os mecanismos linguístico-gramaticais

11

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e textuais a serem trabalhados, ensinados nas aulas de língua materna, e não o contrário como vem sendo feito. Que a hierarquização dos conteúdos a serem trabalhados no Ensino Fundamental, principalmente nas últimas quatro séries, em língua portuguesa, seja feita com base nos gêneros discursivos veiculados nas outras disciplinas do currículo e que seja assumida pela disciplina de língua materna a função instrumental que tem em relação às outras que compõem o currículo.

Não se postula que seja abolido o estudo da forma em função da análise enunciativo-discursiva, mas que esta seja priorizada e norteie o ensino daquela. Acredita-se que tanto os recursos textuais (mecanismos que asseguram coerência e coesão nos níveis macro e microtextual) quanto os aspectos gramaticais sejam tratados em função do gênero analisado, de acordo com o que é requerido pela situação enunciativa.

De acordo com Rojo,

toda prática de linguagem se dá numa situação (de comunicação, de enunciação, de produção ou circulação) que é própria de uma determinada esfera social, em um dado tempo e espaço históricos. Esta esfera neste tempo/espaço admite determinados participantes (com relações específicas), temas e modalidades de linguagem e de mídia, e não outros. Estes participantes articulam seus enunciados em gêneros específicos dessa esfera e as propriedades composicionais e estilísticas desses enunciados em gêneros (forma composicional, formas lingüísticas) serão dependentes das relações entre estes participantes. Em especial, das apreciações de valor que estes façam sobe o tema e sobre seus interlocutores.12

Cabe ao professor de língua materna criar situações-problema que desafiem o aprendiz não só a compreender como também a produzir diferentes gêneros discursivos, isto é, situações conflitivas cuja resolução dependa da produção/compreensão de determinados gêneros. Só assim os alunos perceberão a importância de aprimorar-se linguisticamente para poder interagir em diferentes contextos e com diversos objetivos e interlocutores e tirar o máximo proveito dessas interações.

12

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Teorias do Discurso e Ensino 29

Falamos apenas através de determinados gêneros do discurso, isto é, todos os nossos enunciados possuem formas relativamente estáveis e típicas de construção do todo. Dispomos de um rico repertório de gêneros de discurso orais (e escritos).

Em termos práticos, nós os empregamos de forma segura e

habilidosa, mas em termos teóricos podemos desconhecer inteiramente sua existência. [...] até mesmo no bate-papo mais descontraído e livre nós moldamos nosso discurso por determinadas formas de gênero, às vezes padronizadas e estereotipadas, às vezes mais flexíveis, plásticas e criativas [...]. Esses gêneros do discurso nos são dados quase da mesma forma que nos é dada a língua materna, a qual dominamos livremente até começarmos o estudo teórico da gramática.13

Bakhtin acrescenta ainda que a língua materna – sua composição vocabular e sua estrutura gramatical – não é apreendida por nós a partir de dicionários e gramáticas, mas de enunciações concretas que ouvimos e reproduzimos nas diferentes situações discursivas, com os interlocutores que nos rodeiam. Assimilamos as formas da língua somente nas e pelas enunciações. As formas da língua e as formas típicas dos enunciados, isto é, os gêneros do discurso, chegam à nossa experiência e à nossa consciência em conjunto e estreitamente vinculadas.14

Aprender a falar, de acordo com o mesmo autor, significa aprender a construir enunciados (porque falamos por enunciados e não por orações isoladas e, menos ainda, por palavras isoladas). Há, segundo ele, entre os gêneros do discurso e as formas gramaticais e destes com o discurso uma relação de inter-dependência em termos de organização: os gêneros do discurso organizam o nosso discurso quase da mesma forma que o organizam as formas gramaticais (sintáticas).

15

Não entraremos aqui nos meandros da discussão linguística existente entre tipos textuais e gêneros discursivos (ou como quer Marcuschi, gêneros textuais). Não é objetivo deste texto apresentar uma discussão teórica e terminológica sobre esse assunto, no entanto, Marcuschi (2002) faz uma distinção interessante entre esses conceitos e pensamos ser pertinente

13 BAKHTIN, 2003, p. 282-283. 14 Id. ib. 15 Id. ib.

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apresentá-la aqui, pois cremos ser possível aliar, como ferramentas pedagógicas para o ensino de língua materna, tipos textuais e gêneros do discurso.

O autor16

Já a expressão gêneros textuais (ou o que chamamos aqui gêneros discursivos) é usada como uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. Os gêneros, segundo ele, são inúmeros, e alguns exemplos seriam o telefonema, a carta comercial, a carta pessoal, o romance, o bilhete, a reportagem jornalística, o horóscopo, o artigo científico, a resenha, etc.

diz usar a expressão tipo textual para designar uma espécie de construção teórica definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas) e afirma que esses tipos abrangem categorias como a narração, a exposição, a argumentação, a descrição e a injunção.

Por estar didaticamente muito bem posto, reproduziremos o quadro elaborado pelo autor17 para expressar essa distinção.

TIPOS TEXTUAIS GÊNEROS TEXTUAIS

1. construtos teóricos definidos por pro-priedades linguísticas intrínsecas;

1. realizações linguísticas concretas definidas por propriedades sociocomunicativas;

2. constituem sequências linguísticas ou sequências de enunciados e não são textos empíricos;

2. constituem textos empiricamente realizados cumprindo funções em situações comunicativas;

3. sua nomeação abrange um conjunto limita-do de categorias teóricas determinadas por aspectos lexicais, sintáticos, relações lógicas, tempo verbal;

3. sua nomeação abrange um conjunto aberto e praticamente ilimitado de designações concretas determinadas pelo canal, estilo, conteúdo, composição e função;

4. designações teóricas dos tipos: narração, argumentação, descrição, injunção e exposição.

4. exemplos de gêneros: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, aula expositiva, reunião de condomínio, horóscopo,

16

2002, p. 22-23.

17

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Teorias do Discurso e Ensino 31

receita culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio, instruções de uso, outdoor, inquérito policial, resenha, edital de concurso, piada, conversação espontânea, conferência, carta eletrônica, bate-papo virtual, aulas virtuais, etc.

Se no ambiente escolar, e mesmo fora dele, o conhecimento se manifesta por diferentes gêneros discursivos e se é papel da disciplina de língua materna instrumentalizar o aluno para o livre trânsito entre esses gêneros para que possa se apropriar do conhecimento produzido pela humanidade e, então, exercer plenamente sua cidadania, acreditamos ser possível, no ensino de língua portuguesa, aliar, mesmo que somente como instrumentos didáticos – uma vez que as bases teóricas que dão origem à distinção feita por Marcuschi sejam em muitos pontos divergentes – esses dois pontos de vista apresentados pelo autor.

Os tipos de texto, tanto quanto os aspectos gramaticais da língua, vêm sendo trabalhados no ensino como fins em si mesmos. É comum vermos professores destinarem grande parte do período letivo ao ensino de narrações e descrições (principalmente no Ensino Fundamental), suas estruturas, seus elementos, seus subtipos e, a par disso, categorizações e classificações lexicais e sintáticas, forçando ambientes de compreensão e produção de textos que se “enquadrem” nessa tipologia, como se um texto real fosse puramente narrativo ou descritivo.

Nossa proposta é que, partindo das situações enunciativas que dão origem aos diversos gêneros discursivos (quer aqueles presentes no cotidiano, quer aqueles de que se valem as demais disciplinas curriculares), analisando a finalidade de cada gênero, seu estilo, seu conteúdo, os tipos de texto, ou mais especificamente as sequências discursivas que os constituem, sejam trabalhados para explicitar a composição característica de cada gênero, sua construção composicional, como define Bakhtin.

Nesse sentido, tanto a tipologia textual quanto os aspectos gramaticais – que passam a ser vistos como mecanismos de coesão e coerência textuais, portanto de um prisma descritivo e não mais prescritivo – serão trabalhados em

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função dos gêneros discursivos ensinados, ou seja, o uso da língua em contextos similares aos reais determinará o estudo do sistema linguístico.

Conforme o próprio Bakhtin18,

A língua como sistema possui uma imensa reserva de recursos puramente lingüísticos para exprimir o direcionamento formal: recursos lexicais, morfológicos [...], sintáticos [...]. Entretanto, eles só atingem direcionamento real no todo de um enunciado concreto.

Uma instrumentalização linguística com essa configuração parece-nos ser capaz de facilitar ao aluno seu processo de formação de conceitos, a aquisição de conhecimentos e, consequentemente, a construção dos saberes indispensáveis a sua inserção na sociedade de que faz parte como verdadeiro cidadão.

Visto que o aluno, quando chega à escola, já domina a língua materna, o papel do ensino da língua, mesmo da modalidade escrita, deve ser o de instigar, provocar e promover uma tomada de consciência dos mecanismos e processos linguísticos que o sujeito já usa e de outros disponíveis no sistema linguístico, quer oral, quer escrito, no sentido de possibilitar a ele um uso mais efetivo e eficaz desses recursos no desenvolvimento de competências/habilidades necessárias à aquisição do conhecimento.

REFERÊNCIAS

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textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.

DUCROT, Oswald. Os internalizadores. Tradução Leci Barbisan. Letras de Hoje. Porto Alegre: EDIPUCRS, nº 129, set. 2002. p.7-26

LUCKESI, Cipriano et al. Fazer universidade: uma proposta metodológica. São Paulo: Cortez, 1989.

18

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Teorias do Discurso e Ensino 33 LURIA, A. R. Pensamento e linguagem: as últimas conferências de Luria. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.

MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In DIONISIO, A. P., MACHADO, A. R. e BEZERRA, M. A. (orgs.). Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.

MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente. 6ª. ed., Campinas, SP: Papirus, 2000.

MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

NANCZHAO, Zhou. Interações entre educação e cultura, na óptica do

desenvolvimento econômico e humano: uma perspectiva asiática. In DELORS et al. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: MEC: UNESCO, 1998.

ROJO, Roxane. Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e aplicadas. A sair em MEURER, J. L., BONINI, A. e MOTTA-ROTH, D. (orgs.). Gêneros textuais sob perspectivas diversas. Florianópolis, SC: UFSC/GT de LA da ANPOLL. www.google.com.br. Acesso em: 10/06/2005.

SANTOS, Marcia M. C. dos, PEREIRA, Siloe e AZEVEDO, Tânia M. de (org.). Projeto pedagógico UCS-licenciatura (Formação Comum). Caxias do Sul: EDUCS, 2004.

VYGOTSKY, Lev S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1998. WOOD, David. Como as crianças pensam e aprendem. São Paulo, SP: Martins Fontes, 1996.

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TEORIAS LINGUÍSTICAS E O ENSINO DA ESCRITA

Magali Lopes Endruweit* magali.endruweit@gmail.com

1 Introdução

Esta reflexão parte da escola e sua relação com a linguística, mais precisamente, da presença da escrita na escola e as teorias linguísticas que subjazem à concepção de escrita presente em sala de aula. Algumas razões sustentam esse caminho.

Em primeiro lugar, a relação entre o ensino de língua e a escrita segue um senso comum responsável por ligar a escrita ao ensino e à escola, filiando a prática da escrita escolar ao positivo próprio da ciência. Por esse prisma, “é preciso ir à escola para aprender a ler e a escrever”.

Em segundo lugar, pela tão discutida relação entre linguística e escola, sugerindo que esta possa tornar-se um lugar em que as teorias sejam aplicadas, oportunizando, de certa forma, uma “prática” a uma epistemologia.

Por fim, pela suspeita de que a presença da escrita na escola esteja ancorada em duas questões: a) na relação com a ciência e b) na relação com a fala. Ambas as versões estão presentes na escola e estão autorizadas pela linguística saussuriana.

Mas como se chegou a conceituação de escrita como sendo “da escola?” Para responder a essa pergunta será necessário um passo atrás, ou seja, tentar acompanhar a discussão de como a escrita é entendida na escola e as prováveis consequências dessa conceituação para o ensino da escrita.

*

Professora de Língua Portuguesa da UERGS e Doutora em Letras – Estudos da Linguagem pelo PPG- Letras/UFRGS.

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Teorias do Discurso e Ensino 35

2 A escola como o lugar da escrita

O ensino da língua vale-se da legitimação da escrita como regularidade, própria do saber escolar, resultando no distanciamento de qualquer visão enunciativa da escrita. Na verdade, a escola é, sim, o lugar da escrita regular. Talvez porque a primazia cronológica da fala como prática oral desenvolvida em interações do dia a dia, sendo adquirida naturalmente à medida que a criança cresce, seja entendida como uma aquisição informal. Ao contrário da escrita, tomada como uma manifestação formal da alfabetização, representa a aquisição de um bem cultural, significando certo prestígio decorrente do processo de escolarização1

A escrita está presente na maioria das práticas sociais dos povos em que penetrou. Mesmo quem não sabe escrever está constantemente sendo influenciado por ela. Segundo Kato (1995), é função da escola introduzir a criança no mundo da escrita para que esta seja capaz de fazer uso desse tipo de linguagem para comunicar-se, em uma sociedade que prestigia a escrita. A escrita faz parte da escola, tanto que é impensável uma sala de aula sem quadro negro - ou branco, seguindo o avanço tecnológico - ainda mais nos ensinos fundamental e médio. Por mais que mudem as metodologias, os recursos usados no dia a dia escolar, “dar aula” significa, também e ainda, escrever no quadro; frequentar a sala de aula, por sua vez, também implica envolver-se muito mais com a expressão escrita do que com a oral. Sem dúvida, a escrita facilita as atividades desenvolvidas na escola. Citando Bottéro (1995, p.21):

. É, portanto, na escola que a criança terá maior contato formal com a língua escrita.

Por outro lado, ao contrário do discurso oral, flutuante, lábil e contínuo, que não se pode apanhar, como água e o tempo que escorrem, a mensagem escrita é materializada, tendo recebido ao mesmo tempo consistência e duração: não é uma corrente de água inesgotável e impermanente como o rio de Heráclito, no qual nunca nos banhamos duas vezes; tornou-se um objeto, coerente, autônomo e manipulável à vontade.

1

Para Graff, (1994), é equivocada a identificação entre alfabetização e escolarização, pois é possível haver alfabetização desvinculada de escolarização.

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A escrita como um objeto material se presta à análise, à separação de suas partes e ao retorno reparador sobre o que foi escrito, mas talvez sua principal função seja a de armazenar. De fato, a função de arquivar da escrita parece ser decisiva para compreenderem-se as implicações sociais e intelectuais da cultura escrita2

Para esse fim, as publicações mais representativas

e, acrescento, de sua importância em sala de aula como representação do oral e da regularidade. Mas é possível pontuar essa presença da escrita tão arraigada ao discernível da língua em relação ao ensino? Apontar gestos dessa presença é a proposta do item seguinte, perseguindo as formas de retorno da escrita através das publicações dirigidas aos professores, pois, certamente serão um testemunho da época em que surgiram.

3

A questão de fundo, no entanto, é saber como a escrita situa-se dentro das teorias linguísticas apresentadas aos professores, posição que, consequentemente, repercutirá no ensino da escrita em sala de aula.

de cada década (abordando os últimos trinta anos) serão chamadas a testemunhar sobre o ensino de língua na escola.

3 As teorias linguísticas e a escrita

Entre os anos 70 e 80 o ensino volta-se para as teorias da comunicação, prioriza o uso e vê a língua como um instrumento de comunicação transparente, afastando-se gradativamente do ensino da gramática. A discussão sobre o ensino ou não de Gramática na escola é tema de grande interesse na época. Por conta disso, textos não literários, do dia a dia, passam a fazer parte dos livros didáticos; a linguagem oral torna-se parte das aulas. A visão instrumental domina a concepção de língua como veículo de comunicação.

Até a década de 70, o estudo centrado no ensino da Gramática priorizava a escrita. Com a mudança de enfoque, as atenções voltadas para a oralidade, o

2

Olson (1995) refere-se à cultura escrita em âmbito mais geral do que apenas a instrução, em sentido restrito, como à capacidade de ler e escrever. Tomo emprestada a condição de armazenamento, característica da cultura escrita, estendendo-a para o processo de escrita dentro da escola.

3

Evidentemente, essa escolha irá retratar uma visão particular em relação à escolha das obras citadas. No entanto, não deixa de ser um testemunho em relação à importância da publicação.

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Teorias do Discurso e Ensino 37 trabalho em sala de aula buscou atividades diferenciadas do que se fazia até então. Em vista disso, surge no Brasil, nos anos 80, uma gama de autores dedicados a estudar a relação que se estabelece entre a linguística e o ensino de língua materna em sala de aula. Tais trabalhos repercutem até hoje entre os professores, refletindo a delicada situação que se abateu sobre o ensino, sugerindo que muitas questões (talvez a maioria delas) ainda permanecem insolúveis4

De certa forma, algumas previsões foram lançadas bem antes, em 1973, com Lingüística e ensino do Português (GENOUVRIER; PEYTARD), e alcançaram os dias de hoje. Trata-se de uma obra singular: precursora de uma discussão que perduraria muitas décadas, traduzida do francês para o português, tinha como objetivo atender às necessidades do professor português e brasileiro e levou a reformulações frequentes e radicais do original francês, o princípio básico foi o de utilizar o arcabouço conceitual do texto francês estofando-o com material luso-brasileiro.

.

A posição de vanguarda defendida pelos autores abre caminho para as novas discussões a respeito da adoção de textos literários consagrados como modelo do bem escrever: cremos que bons textos não são apenas os do passado; cremos que a língua escrita vive também nas cartas, nas revistas, nos jornais, e que uma língua existe, antes de mais nada, oralmente (1973, p.146). Já afirmavam que não deveria haver primazia da língua escrita em relação à oral: duas faces da mesma moeda, interdependentes entre si. A língua escrita é vista como transcrição gráfica, como a materialização da oralidade. Os autores acreditam que o aprendizado da escrita, a partir da entrada para a escola, é o momento em que a criança passará a conhecer verdadeiramente a língua: A primeira distância experimentada e vivida em relação à língua refere-se, portanto

4

Ilustrando esse período vale lembrar as palavras de Ataliba Castilho ao apresentar o livro de Perini (2000):Uma aula de gramática, ou mesmo um livro de gramática, funcionam mais ou menos

assim: o professor diz lá umas coisas em que você não crê, os alunos piscam, piscam, e fingem que acreditam, e tudo fica na mesma. Para que então aprender gramática? Porque cai no vestibular. Mas haveria alguma razão verdadeira para tudo isso? Ah, bom... As coisas estavam nesse pé quando, em 1985, apareceram três professores universitários e seus livros maravilhosos. Sem nenhum acordo prévio, usando argumentos não coincidentes, eles semearam a desconfiança quanto às certezas da gramática escolar: Rodolfo Ilari, Celso Pedro Luft e Mário Perini.

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ao contacto da criança com a escrita. É isso que caracteriza sua situação de aluno (p.20).

É possível perceber que o ponto de vista defendido pelos autores reflete o momento de mudança por que passam os estudos linguísticos no Brasil. Nota-se a tendência da valorização da expressão oral relegada ao segundo plano devido aos estudos gramaticais, e o professor é instigado a recorrer à linguística para poder realizar a passagem além das aparências gráficas (p. 45).

Vê-se que a escrita é a exterioridade, representando um empecilho para se chegar até a verdadeira essência: a fala como oralidade. Tal caracterização da escrita testemunha a concepção de escrita como simples reprodução do som.

Seguindo essa discussão, Ilari (1984-1986)5

Considerando algumas orientações teóricas presentes em nosso ensino, o autor tenta avaliar a assimilação de ideias provenientes da linguística e suas consequências práticas para o ensino: a primazia da expressão falada sobre a escrita, proporcionando o uso de textos antes pouco valorizados por não serem literários. E é pela via da redação que a escrita aparece como a expressão de um exercício escolar tendo como função escrever textos.

, em Lingüística e ensino da língua portuguesa, apresenta a coletânea de seis artigos que procuram responder a uma mesma pergunta: pode a Linguística contribuir para o aperfeiçoamento do ensino da língua materna?

Ilari propõe uma perspectiva formal mais ampla que a gramática para pensar a redação escolar: a teoria do texto ou teoria do discurso. A partir daí, apresenta objetivos para a aula de redação, priorizando a expressão escrita como uma oportunidade de explorar a variabilidade da língua.

É preciso dizer que essa forma de ver a escrita como “expressão escrita” manifestada através de textos não chega a colocar em questão a relação de submissão ou não da escrita em relação à oralidade. O interesse passa a ser o texto tomado como unidade essencialmente comunicativa da língua; ponto de

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Referências

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