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Não ter apetite pourtant ter saúde D Ter apetite pourtant não ter saúde.

No documento TEORIAS DO DISCURSO E ENSINO (páginas 114-125)

PARA RESUMIR TEXTOS: UMA PROPOSTA DE BASE SEMÂNTICO ARGUMENTATIVA

C. Não ter apetite pourtant ter saúde D Ter apetite pourtant não ter saúde.

Aspecto transgressivo (neg X PT Y) Aspecto transgressivo (X PT neg Y)

Nesse quadrado argumentativo, os pares A/B e C/D são recíprocos. (Cada par recíproco é formado pela apreensão positiva e negativa do mesmo bloco). Os pares A/D e B/C são conversos. (Cada par converso é composto de um aspecto argumentativo normativo e de um aspecto argumentativo transgressivo).

Conforme Carel (2002, p.37), a conversão é uma das relações fundamentais do discurso, visto instalar a oposição entre enunciados. Ao explicitar primeiramente, sob que condições duas argumentações são conversas, para depois tratar de enunciados conversos, afirma a pesquisadora que duas argumentações são conversas, primeiramente, quando se trata de encadeamentos como

(n) a polícia pressiona Paulo para que vá vê-la, donc ele irá.

(t1) a polícia pressiona Paulo para que vá vê-la, pourtant ele não irá.

isto é, de encadeamentos, com estrito parentesco material, da forma A donc C e A pourtant não-C.

Observa, contudo, Carel que são também conversos (n) e (t2):

(t2) os professores pressionavam Maria a responder, pourtant ela não respondeu

Explica que a relação de conversão não exige um estrito parentesco material, sendo converso a A donc C qualquer encadeamento que exprima o mesmo bloco semântico e o mesmo aspecto transgressivo desse bloco, ou seja, A pourtant não-C. Entende a autora em foco que são conversos, em relação ao encadeamento normativo (n), ambos os encadeamentos transgressivos (t1) e

(t2), porque, ainda que não sejam estritamente aparentados materialmente, ambos exprimem a mesma ideia de ação feita sob pressão e sob o mesmo ponto de vista transgressivo, ou seja, tanto em (t1) quanto em (t2) é dito que se pode resistir à coação.

A seguir, Carel (p. 37) define a noção de enunciados conversos:

(...) dois enunciados serão ditos conversos se suas argumentações internas são conversas. Por exemplo, os dois enunciados até mesmo esse bom estudante foi reprovado e esse

bom estudante, como se esperava, foi aprovado são conversos

porque eles condensam respectivamente as argumentações conversas é um bom estudante, pourtant ele foi reprovado e é um

bom estudante donc foi aprovado.

Como se mencionou antes, a base teórica para o estudo do resumo reuniu tanto ideias da Teoria dos Blocos Semânticos quanto da Teoria da Polifonia.

Ducrot (1968, p.65), em sua Teoria da Polifonia, faz perceber que a ideia de sujeito-falante remete, na verdade, a várias funções muito diferentes, como a função de sujeito empírico (produtor do enunciado); de locutor (responsável pelo enunciado); de enunciador (responsável pelos pontos de vista apresentados pelo enunciado), e que a indicação da posição de locutor, em relação à posição dos enunciadores, pode ser de identificação, de aprovação e de oposição.

Em vista disso, na perspectiva da Teoria da Polifonia que propõe, há três etapas importantes para a constituição do sentido do enunciado:

(a) apresentação dos pontos de vista dos diferentes enunciadores;

(b) indicação da posição do locutor em relação à posição dos enunciadores;

(c) identificação do(s) enunciador(es) com outra pessoa que não o locutor.

Para que essa noção de polifonia pudesse ser aplicada à estrutura global do texto, tivemos (Graeff, 2001) de transpô-la do enunciado para o texto e considerar que o sentido de um texto expositivo-argumentativo é redutível a uma superposição de diferentes vozes que, postas em cena pelo locutor, dialogam entre si, agrupando-se para concordar ou discordar e, com as quais o locutor concorda e se identifica, ou não. Isso significa que, num texto, os enunciadores são agrupados conforme a identidade da orientação argumentativa do que

Teorias do Discurso e Ensino 115 enunciam. Em outras palavras, conforme o encadeamento argumentativo que suas manifestações expressam.

No caso de o locutor não concordar com uma dada orientação argumentativa, os enunciados que a evocam são todos apagados, isto é, não são retidos no resumo. Já relativamente ao conjunto de vozes, ditas aparentadas por evocarem o mesmo bloco semântico e o mesmo aspecto argumentativo desse bloco, ele é mantido no resumo, expresso num enunciado argumentativo que represente essa ideia comum, que organiza as vozes no conjunto, caso o locutor com ele concorde e/ ou se identifique.

Observe-se que, no caso de o locutor se identificar com um encadeamento transgressivo de um dado bloco semântico, isso significa que ele concorda/ reconhece a existência do aspecto normativo, mas que preferiu expressar o bloco em seu aspecto transgressivo. Nesse caso, a presença, no resumo, de um encadeamento argumentativo transgressivo torna desnecessária a presença do seu converso normativo.

A construção das matrizes para análise dos resumos, que especificam essas unidades semânticas básicas, observou os seguintes passos (Graeff, 2001, p.92-93):

a) leitura do texto-base;

b) identificação dos blocos semânticos;

c) estabelecimento do quadrado argumentativo de cada bloco, composto pelos aspectos recíprocos (positivo e negativo) e pelos aspectos conversos (normativo e transgressivo);

d) seleção dos encadeamentos expressos no texto-base;

e) seleção dos encadeamentos com que o locutor do texto-base concorda e/ou se identifica.

4 Metodologia da pesquisa

4.1 Os textos

Foram selecionados três textos (denominados aqui Texto1, Texto2 e Texto3) dentre artigos de opinião, publicados na Revista Veja, em 2003. Esses textos versam sobre temas da atualidade, de interesse dos brasileiros em geral.

4.2 Os participantes

Participaram da pesquisa 10 (dez) alunos de Curso de Pós-Graduação em Letras, em nível de Mestrado.

4.3 O procedimento

1- O Texto 1 Qual a mais bela?, de Rosana Zakabi, publicado nas páginas dedicadas a assuntos gerais da revista Veja, de 17/12/2003, p.146, foi distribuído aos alunos. Solicitou-se que o resumissem, observando os princípios de economia e de fidelidade. Não se definiu tempo para a realização da tarefa.

2- Os alunos receberam instruções formais sobre procedimentos para realização de resumos, com base nas teorias da Polifonia e dos Blocos Semânticos. A seguir, juntamente com o professor, leram o Texto2, Mataram mais um, de Ronaldo França, publicado nas páginas sobre o Brasil, da revista Veja de 13/08/2003, p.5; identificaram os blocos semânticos desse texto e elaboraram o quadrado argumentativo correspondente a cada um dos blocos. Por fim, selecionaram os encadeamentos argumentativos com os quais o locutor concorda e/ou se identifica. A seguir, com base nesses encadeamentos argumentativos selecionados e já hierarquizados pela própria interdependência existente entre os blocos semânticos do texto, escreveram o resumo. O professor leu, comentou cada resumo, solicitando aos alunos que o reescrevessem, quando julgou necessário. Procedimento semelhante foi adotado com o Texto 3 Sobre veados, flamingos e outros bichos, ensaio de Roberto Pompeu de Toledo, publicado na revista Veja, em 20/08/2003, p.126.

Acertados os resumos dos textos 2 e 3, os alunos receberam novamente o Texto 1 e a respectiva cópia do resumo que fizeram sobre esse texto, com a tarefa de que cada um avaliasse o seu resumo e de que o reescrevesse, se julgasse necessário. Ao final da atividade, entregaram o resumo do Texto 1, na última versão.

3 - Essa última versão do resumo do Texto1 de cada aluno foi avaliada, considerando os princípios de completude (presença/ausência de unidades

Teorias do Discurso e Ensino 117 semânticas básicas), de economia e de fidelidade, com base nos procedimentos referidos em relação aos Textos 2 e 3, isto é, com base na matriz gerada por esses procedimentos, e, em seguida, comparada com a primeira versão do resumo do Texto 1, também avaliada com os mesmos critérios.

4.4 Passos para resumir os textos 2 e 3

4.4 1 Etapas seguidas em aula, para sintetizar o Texto 2

Mataram mais um, de Ronaldo França, publicado nas páginas sobre o Brasil, da revista Veja de 13/08/2003, p.5, que se lê abaixo:

Mataram mais um

Diretor de presídio é assassinado no meio da rua. De tão banal, a cena já não comove os brasileiros

Ronaldo França

O Rio de Janeiro foi palco, na semana passada, de mais uma cena de banditismo explícito. Foi assassinado, com dezessete tiros, o diretor do presídio de Bangu III, Abel Silvério de Aguiar. Seu carro foi perseguido por outros dois automóveis, na Avenida Brasil, a mais movimentada do Rio. Os bandidos encapuzados dispararam até que ele perdesse o controle da direção. Aguiar chocou-se contra um ônibus. Os assassinos, que usavam coletes à prova de bala e máscaras, saltaram dos carros e atiraram mais de perto, para garantir a execução. Duas semanas antes, Paulo Rocha, o coordenador de segurança do complexo penitenciário, que reúne quinze unidades, foi assassinado no mesmo local, de forma semelhante. Apesar da inaceitável ousadia dos bandidos, não se registrou comoção especial pelas mortes. É como se os assassinatos, mesmo quando de agentes da lei, juízes e políticos, fossem inescapáveis fatos da vida. Não são. Não podem ser. A história mostra que a banalização do banditismo é um fenômeno que, como o câncer, nasce e cresce silenciosamente. Quando se tenta atacá-lo, em muitos casos, já é tarde demais.

A ousadia dos bandidos é crescente. Quando eles agem de maneira especialmente cruel, produzem reações da sociedade na forma de manifestações públicas "pela paz" ou "contra a violência". Essas manifestações têm sido inócuas para conter os marginais. Elas podem revelar, no fundo, um fenômeno de adaptação, de amortecimento social diante do inimigo que não se sabe mais como combater. Em junho, mês da mais recente estatística disponível, 600 pessoas foram assassinadas no Rio. No último trimestre, a violência ceifou 950 vidas por mês em São Paulo. Somente nos dois principais Estados da federação

matam-se, em média, 18.600 pessoas por ano. São números assustadoramente altos. A Guerra do Vietnã matou, em média, 20 000 pessoas por ano, somados os dois lados. O Rio e partes de São Paulo passam por uma guerra urbana que, por sua persistência e pela freqüência dos episódios sangrentos, acabou se incorporando à rotina urbana.

Na semana passada, após o assassinato de Aguiar, as autoridades fluminenses de segurança anunciaram, como de praxe, medidas urgentes. Especula-se que o crime teria sido cometido por quadrilhas insatisfeitas com o rigor na prisão ou em virtude de uma disputa pelo controle das cantinas nos presídios. A polícia promete apurar o caso. Um estudo feito pelo secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares, mostrou que apenas 8% dos homicídios investigados pela polícia são elucidados. As investigações não costumam andar muito além do anúncio de medidas urgentes. E, no entanto, afora as famílias, ninguém se lembra de cobrar soluções. É como se tudo fosse muito normal. Não é.

O professor entregou o texto aos alunos. Foram feitos comentários sobre a revista, sobre a sua circulação, sobre a seção onde se encontra o texto, sobre seus possíveis leitores, etc. A seguir, o professor iniciou a leitura do texto. Já, no primeiro período, percebeu-se que o locutor do texto constatava a existência de

banditismo explícito no Brasil, mas não se sabia, ainda, o que ele achava

disso, como se posicionava diante dessa constatação. Somente após relatar ocorrências de banditismo explícito, o locutor apresenta a outra parte do bloco semântico expressa no enunciado: Apesar da inaceitável ousadia dos bandidos, não se registrou comoção especial pelas mortes. Então, pôde-se perceber que escrevia sobre a existência de banditismo explícito, relacionada com a

inexistência de comoção especial da sociedade. O locutor se posiciona,

convocando esse bloco semântico em seu aspecto argumentativo transgressivo (Há banditismo explícito PT não há comoção especial da sociedade). Manifesta seu espanto diante dessa conduta fora do normal da sociedade. Note- se que o normal seria (Há banditismo explícito DC a sociedade rechaça,

repudia, exige medidas em sentido contrário, etc). Mais adiante, no texto, ele

vai sintetizar o encadeamento argumentativo transgressivo por meio da expressão banalização do banditismo. Em outras palavras, esse encadeamento constitui uma paráfrase da expressão em foco, ou seja, sua argumentação interna. O texto, então, passa a explicitar essa banalização, constatando tanto o aumento da violência, da ousadia dos bandidos quanto a ineficácia de ações em sentido contrário por parte das autoridades e a ausência de indignação por parte

Teorias do Discurso e Ensino 119 da sociedade. O locutor conclui o texto com os enunciados É como se tudo fosse muito normal. Não é. Observe-se que o primeiro desses enunciados expressa o encadeamento O banditismo explícito é rotineiro DC é normal. Já o segundo enunciado, que expressa o ponto de vista do locutor sobre a banalização do

banditismo, contém o encadeamento argumentativo transgressivo O banditismo explícito é rotineiro PT não é normal. Como se pôde perceber, o locutor

rechaça a atitude da sociedade brasileira de considerar banal o banditismo explícito, exortando-a a cobrar soluções das autoridades. Essa seria uma possível síntese do texto 2.

4.4.2 Etapas seguidas em aula, para sintetizar o Texto 3

Sobre veados, flamingos e outros bichos, de Roberto Pompeu de Toledo, articulista da Revista Veja, publicado em 20/08/2003, p.126, do qual se lê abaixo a segunda nota, que trata do segundo tipo de poder – o da casa do patriarca da Globo.

Sobre veados, flamingos e outros bichos Duas notas e dois tipos de poder: o da imagética do ministro da Justiça e o da casa do patriarca da Globo

Roberto Pompeu de Toledo

No fundo, no fundo, a diferença entre o burguês e o aristocrata é que o aristocrata nunca vende a casa. Um burguês, e burguês aqui cobre desde a classe média até a classe média alta, como se diz no Brasil, vive trocando de casa, ou de apartamento. Aristocrata que é aristocrata nasce e morre na mesma casa – ou castelo. Quando morre – supremo requinte – é enterrado nos próprios domínios. A princesa Diana repousa na herdade da família. No Brasil não há, salvo os Orleans e Bragança – que, ao que consta, não pretendem vender o Palácio Grão-Pará, na doce Petrópolis –, aristocratas. Mas há os que, lúcidos, sabem que, depois de acumular riqueza, o passo seguinte é perseguir os atributos da aristocracia. Ajuda muito. Duplica o prestígio e reforça o poder. E, entre esses atributos, o principal é a casa – uma casa que não só se imponha pelo tamanho e pela elegância, mas que transmita a idéia de raízes, de permanência, de continuidade. O banal sonho da casa própria da patuléia transmuda-se, no aristocrata, na fidelidade ao castelo.

Essas coisas vêm a propósito de Roberto Marinho. Ele morava numa mansão do nobre bairro do Cosme Velho – e atenção que se disse "nobre", não "rico"; "rico" é a Barra da Tijuca. No amplo terreno, cortado por um rio – nada menos que o Rio Carioca, com nome igual ao dos habitantes da cidade –, criava flamingos, araras, macacos e outros bichos. O patriarca da Globo ali estava fazia mais de meio século, marca pífia em termos europeus, mas de causar estupor no Brasil – e não se duvide de que a casa, e os bichos, e o rio contribuíram pesadamente para a mística do proprietário. Especialista no assunto, Roberto Marinho sabia que o poder emana, também, da casa em que se mora. No fim, não chegou a ser enterrado em seus domínios, mas foi velado neles – e assim, mesmo morto, se apresentou em escala superior ao comum dos mortos. Costumam chamar Machado de Assis, que morou ali perto, de "bruxo do Cosme Velho", apelido meio incompreensível num escritor tão racional e límpido. Roberto Marinho, o prestidigitador do poder e do prestígio, foi o verdadeiro bruxo do Cosme Velho.

Nesse ensaio, o autor apresenta, como ele mesmo refere, “Duas notas e dois tipos de poder: o da imagética do ministro da Justiça e o da casa do patriarca da Globo.” Foi objeto de análise argumentativa a segunda nota, que começa com o enunciado: No fundo, no fundo, a diferença entre o burguês e o aristocrata é que o aristocrata nunca vende a casa. Esse enunciado convoca o bloco semântico que relaciona ser aristocrata / manter-se na casa, em suas formas recíprocas: É aristocrata DC não muda de casa e É burguês DC muda

de casa. Na sequência do texto, o locutor comenta que burguês vive trocando de

casa e apresenta exemplos que reiteram a argumentação expressa no encadeamento de que nobre, mesmo quando morre, permanece na propriedade da família. A seguir, o enunciado: Mas há os que, lúcidos, sabem que, depois de acumular riqueza, o passo seguinte é perseguir os atributos da aristocracia. Esse enunciado trata dos burgueses que, depois de ricos, querem ser reconhecidos como nobres. Continuando, o texto explicita por que o principal atributo da aristocracia é a casa (...) uma casa que não só se imponha pelo tamanho e pela elegância, mas que transmita a idéia de raízes, de permanência, de continuidade. O enunciado com mas convoca o aspecto transgressivo da forma recíproca negativa É burguês DC muda de casa, expresso pelo encadeamento argumentativo transgressivo É burguês PT não muda de casa. A partir daqui, todo o último parágrafo do texto é usado pelo locutor para mostrar que foi assim com Roberto Marinho, que sempre viveu na mesma casa, sendo nela até velado.

Teorias do Discurso e Ensino 121 Em síntese, Roberto Marinho era burguês, mesmo assim possuía atributos da aristocracia.

5 Apresentação e análise dos resultados

Após trabalharem, em sala de aula, na síntese dos Textos 2 e 3, os alunos foram unânimes em afirmar que os resumos do Texto1 Qual a mais bela?, elaborados antes de conhecerem a Teoria dos Blocos Semânticos, eram “muito ruins”, especialmente em função de terem mantido as exemplificações, as quais reproduzem encadeamentos argumentativos.

Verificou-se que esses resumos são, no geral, longos, tendo cinco deles entre 40 a 44 linhas; quatro, entre 31 a 35 linhas, havendo apenas um com 25 linhas, o que não o isenta do atributo longo, em vista de se conceber o resumo como uma paráfrase resumitiva que expressa o(s) encadeamento(s) argumentativo(s) com que o locutor concorda e /ou se identifica.

Nessa direção de análise, é interessante que se leia o texto em foco, para que se possam considerar, posteriormente, as suas unidades semânticas básicas.

Qual a mais bela?

Dois concursos elegem misses com critérios opostos, uma delas com o peso de 117 quilos

O padrão universal de beleza é o da mulher alta, magérrima, com seios e bumbum firmes e abundantes. Algo como Gisele Bündchen, certo? Nem sempre. Em alguns países, mulher bonita é aquela que não apenas exibe seios e bumbum fartos, mas também apresenta cintura larga, barriga exuberante, braços fortes e pernas bem grossas. Neste mês, dois concursos de beleza elegeram mulheres completamente distintas uma da outra. Um deles ocorreu em Burkina Fasso, na África. As participantes tinham entre 75 e 130 quilos e desfilaram em trajes de banho. A grande vencedora foi Carine Riragendanwa, de 27 anos, 1,80 metro de altura e 117 quilos. O outro foi na China e elegeu a miss Mundo 2003. A vencedora foi a irlandesa Rosanna Davison, de 19 anos, também de 1,80 metro de altura e dezenas de quilos mais magra. Para o concurso de miss Mundo, o pré-requisito é ter 90 centímetros de quadris, 60 de cintura e 90 de busto. O concurso de Burkina Fasso parte do pressuposto de que, quanto maiores forem as medidas das misses, melhor.

Apreciar formas arredondadas não é exclusividade de Burkina Fasso. Fugindo do padrão de beleza em voga no Ocidente, que prega a magreza absoluta, quem faz sucesso em várias sociedades da África e de algumas ilhas do Pacífico Sul são as gordinhas. Na Nigéria, há um festival todos os anos que também elege uma miss, geralmente a mais corpulenta. Antes de se casarem, muitas noivas nigerianas passam por um regime de engorda para agradar a seus pretendentes. No mundo ocidental, as formas arredondadas foram valorizadas até meados do século passado – a musa dos anos 50 era Marilyn Monroe, com seus seios e quadris voluptuosos. Na Renascença, as mulheres roliças eram fonte de inspiração para os artistas consagrados da época. Elas simbolizavam status, conforto e boa saúde. A magreza estabeleceu-se como sinônimo de elegância no início dos anos 90, quando as supermodelos Cindy Crawford e Claudia Schiffer se transformaram no padrão de beleza na maior parte dos países.

Sabe-se hoje que, além da questão cultural, há ainda fatores biológicos que contribuem para o conceito de beleza. Segundo os cientistas, a simetria facial, ou seja, a medida dos olhos, do nariz, da boca e das faces, é um item importante na escolha dos parceiros. É sinal de genes saudáveis, ausência de parasitas e sistema imunológico eficiente. A proporção entre cintura e quadris também é um indicador ancestral de saúde e fertilidade. Quadris mais largos costumam ser atraentes para a maioria dos homens. Talvez por esse motivo os corpos esqueléticos são admirados mais pelas mulheres que por eles. Ainda assim, casos como o de Burkina Fasso estão se tornando cada vez mais raros. Países que antes cultuavam as cheinhas passaram a admirar as mais magras por influência da indústria da moda. Há também a questão da saúde. Excesso de gordura tornou-se sinônimo de doenças cardiovasculares e diabetes – e, pior ainda, a obesidade é vista como sinal de desleixo. No Arquipélago de Tonga, no Pacífico Sul, ser gordo foi privilégio reservado aos nobres durante séculos. Nas últimas décadas, a prosperidade permitiu que os pobres também engordassem.

No documento TEORIAS DO DISCURSO E ENSINO (páginas 114-125)