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Garantias Financeiras para empreendimentos minerários de grande porte

3. Estudo de caso baseado no Termo de Ajuste de Conduta firmado com as partes

4.2 Mecanismo de Garantias Financeiras para a recuperação de áreas degradadas

4.2.1 Adoção dos mecanismos de garantia financeira pelos empreendimentos minerários

4.2.1.1 Garantias Financeiras para empreendimentos minerários de grande porte

Na matriz multidisciplinar dos aspectos que referenciam as interfaces entre a indústria de mineração e o meio ambiente, o arcabouço legal e os protocolos-técnico, econômico,

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financeiro e social – de ações e procedimentos que formatariam as melhores práticas para

aproximação e condução da problemática do fechamento da mina passaram a assumir uma dimensão crucial (VALE, 2000, p. 384, grifos nossos).

Seguindo os artigos e pesquisas técnicas especializadas sobre fechamento de mina e sua reabilitação, o entendimento consolidado recomenda, além das boas práticas e planejamento de sua execução, o emprego dos mecanismos de garantia financeira. Ante a interdisciplinaridade que permeia a reabilitação de áreas degradadas pela atividade de mineração e a ausência de tecnologia, de mecanismos de gestão ambiental e de políticas públicas de proteção aos recursos naturais o segmento aprendeu com os erros pretéritos:

No passado, a abordagem adotada implicitamente preferenciava, quando muito , uma solução a posterior, caracterizando um enfoque nitidamente ex-post. Ao longo dos últimos anos, todavia, face às inúmeras disfunções ocorridas, observou-se uma crescente evolução e o amadurecimento do arcabouço legal e regulatório que disciplina a preparação dos relatórios e estudos de impacto ambiental. Nesse contexto, os aspectos que formatam a problemática do fechamento da mina passaram a ser compulsoriamente internalizada no estudo de viabilidade do projeto de abertura da mina, segundo uma ótica fundamentalmente ex-ante.

Ressalte-se que, em nível global, até meados da década de 70, a apreciação do impacto potencial advindo do fechamento da mina estava muito enviesada para os aspectos econômicos e sociais, sendo o foco sobre o meio ambiente de natureza tópica e tangencial. Especialmente, em se tratando de projetos mineiros nos países do “hemisfério sul” cuja concepção de desenvolvimento estava associada ao estigma do enclave. Naquela época, entre as grandes questões inseridas na política mineral destacavam-se os acordos de mineração entre os governos dos países do “terceiro mundo” e as empresas multinacionais.

As principais vertentes e atributos do arcabouço tributário, assim como dos mecanismos e dispositivos correlatos e societários estavam endereçados a maximização da captura da renda econômica dos projetos , ao aumento dos níveis de processamento e de agregação de valor e a maior articulação do projeto com as economias nacional e regional dos países hospedeiros. Nos países industrializados, todavia, a problemática ambiental já se manifestava com relativa intensidade (VALE, 2000).

Como bem abordado por Vale (2000), um dos exemplos mais conhecidos diz respeito á

mineração de carvão a céu aberto. Considerando a extensão da área minerada, uma das formas de minimizar o impacto ambiental advindo da remoção do capeamento para exposição das camadas é garantir que o processo de avanço da frente de lavra seja controlado desde o inicio e as áreas afetadas sejam posteriormente recuperadas. Assim

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preservada tendo em vista garantir o reestabelecimento da capacidade regenerativa da cobertura vegetal, agrícola ou florestal (p. 385, grifos nossos).

O projeto de recuperação e fechamento de minas abandonadas e áreas degradadas pela mineração de carvão no Brasil é considerado tecnicamente “o projeto, que não encontra

paralelo na América Latina, vez que está estruturado nas linhas de drenagem superficial, organismos vivos, mapeamento, geologia e hidrogeologia, engenharia de reabilitação, biologia e revegetação e aspectos socioeconômicos".

Isso porque a extensão dos impactos gerados pela atividade de mineração ocasionou um passivo ambiental com três bacias hidrográficas atingidas (rios Araranguá, Tubarão e

Urussanga). Em razão da grande dimensão da bacia carbonífera, ela foi dividida em distritos

geográficos, com base na distribuição espacial das áreas impactadas, com o objetivo de facilitar a comunicação e o planejamento. Ao todo são 18 distritos perfazendo um total de 6.171,24

hectares de áreas impactadas pela atividade de mineração.

A recuperação ambiental que compõe a Bacia Carbonífera do Sul do Estado de Santa Catarina é oriunda de julgamento histórico proferido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) que faz parte integrante do estudo em razão da exigência de apresentação de garantia financeira ou

seguro ambiental para assegurar o cumprimento das obrigações constantes do Termo de

Compromisso de Ajuste de Conduta – padrão firmado pelas empresas de mineração e homologado em juízo.

Quando um órgão regulador decidir exigir uma garantia financeira, ele deve considerar como este mecanismo afetará operações novas e operações existentes. O impacto será muito diferente. Operações novas terão mais opções para se adaptarem às exigências do que as operações existentes. Além disso, se a mineração é marginal ou está chegando ao fim de sua vida útil, o fluxo de caixa restante pode ser insuficiente para suportar a exigência financeira requerida. Os órgãos reguladores devem aplicar garantias a operações existentes, de tal forma que contribuam para a meta de proteção ambiental, mas não impeçam os trabalhos dos

operadores, resultando no fechamento prematuro da mina (MILLER, 1998).

Esse cenário é comum em várias empresas e países, tendo em vista a falta de diretrizes

governamentais que circundam o assunto plano de fechamento. Erros que podem ocorrer

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estimado, a empresa falir e o fundo formado tornar-se indisponível ou, ainda, o fundo nem se formar, por mudança de política da empresa. A vulnerabilidade do órgão ambiental e da comunidade é considerável, pois a única garantia é o bom nome da empresa no mercado. Entretanto, como no Brasil a legislação não prevê o uso de garantias financeiras para a fase

de fechamento da mineração, a formação do fundo particular, como o da empresa de mineração SAMARCO é a melhor prática atualmente disponível, conclui (TAVEIRA, 2003,

grifos nossos).

Cabe destacar em Almeida (2006) a análise econômico-financeira dos diversos mecanismos de garantia financeira, comparado ao custo de fechamento em que analisa o Cenário

V – Inserção da garantia financeira considerando a emissão de uma apólice de seguro ou

fiança bancária no valor total do custo de recuperação ambiental e fechamento da mina, renovável anualmente no valor total de 2,829% sobre o faturamento bruto do empreendimento, para recuperação ambiental e fechamento.

Foi considerado o custo da apólice de 4% para a renovação anual sobre o valor total de face da apólice. Gasto de 2,829% sobre o faturamento anual com despesas correntes para a recuperação ambiental e fechamento da mina, conforme Tabela 4.1.

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Tabela 4.1 – Inserção da garantia financeira, considerando-se a emissão de uma apólice de seguro ou fiança bancária no valor total do custo de recuperação ambiental e fechamento da mina, renovável anualmente e despesas com recuperação ambiental. (Valores em milhões de R$)

TIR 21,66%

VPL R$ 150,52 milhões Fonte: ALMEIDA, 2006.

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Almeida (2006) demonstra pela análise que “De acordo com a legislação que vier a ser adotada pelos órgãos reguladores no Brasil, pois ainda não existe uma legislação para o plano

de fechamento de áreas de mineração e definição de mecanismos de garantia financeira) para

os cenários I, II e III, a MBR poderá apresentar para o fechamento da mina de Capão Xavier, a garantia corporativa do Grupo CAEMI (Controlador da MBR), ou penhora de bens. Para o cenário V16 poderá ser adotada a formação de fundos e apólice de seguro” (p.150).

Cabe ressaltar, que o estudo compara mecanismos distintos que não podem ser

confundidos, pois compõe o mesmo item 6 - Despesas com apólice de seguro ou fiança bancária.

Essa feita por instituições financeiras para garantir o valor do custo da recuperação, àquelas emitidas por Seguradora, por meio de contrato (RAD) que tem por objetivo o acompanhamento e execução das obras de recuperação ambiental e o monitoramento para fechamento de mina.

Em conclusão, Almeida (2006) faz recomendações que merecem ser destacadas:

(...) a adoção de mecanismos de garantia financeira para empreendimentos de grande porte no Estado de Minas Gerais, além do desenvolvimento de novas pesquisas direcionadas para empreendimentos de pequeno e médio porte para avaliar, em sua viabilidade, o impacto da adoção desses mecanismos.

Há que se ressaltar a necessidade do envolvimento dos empresários no fornecimento dos dados para pesquisas futuras, de forma que os resultados encontrados possam expressar valores condizentes com a realidade destas empresas. Juntos, empresários, órgãos reguladores e a sociedade, através do amplo debate, definirão quais mecanismos de garantia financeira serão específicos para cada segmento de mercado (grande, médio e pequeno porte). (p. 153).

Depreende-se que as empresas de grande porte vêm buscando soluções técnicas adequadas ao planejamento para o fechamento integrado de mina, mas isso não é o suficiente.

É inconteste a necessidade de regulação sobre a desativação e encerramento da atividade de mineração com previsão dos mecanismos de gestão financeiros e econômicos.

16 TRI - Taxa Interna de Retorno (21,66%). É a taxa de desconto para o qual o VPL (R$ 150,52 milhões) Valor

Presente Líquido é zero. Se for maior que a taxa de retorno esperada, o investimento é atrativo em termos financeiros. Se for igual a taxa esperada, o investidor é indiferente ao investimento. E se for menor que a taxa de retorno desejada, o investimento não é atrativo em termos financeiros.

86 4.3 Evolução do Mecanismo de Garantias

Em princípio, dentro da linha da pesquisa proposta, se faz necessária a abordagem da origem do mecanismo de garantia para alcançar o objetivo do estudo ora apresentado.

Com a evolução das relações sociais e comerciais, o crédito passou a fazer parte das relações mercantis e, inevitavelmente, com a disponibilidade de crédito surge à incerteza do cumprimento dos compromissos firmados. Assegurar as transações comerciais era, e continua sendo, um desafio tanto para o comprador como para o vendedor. Com o surgimento do mecanismo Crédito, surge o mecanismo Garantia.

A garantia surgiu primeiramente em razão da incerteza, já que, em princípio, o conceito de risco não havia sido desenvolvido como ferramenta. Conceitualmente, incerteza é a ausência de informação e risco é baseado em informação existente. O risco envolve o conhecimento de

dados para avaliação da probabilidade de ocorrência de sinistro, inadimplência, exoneração de

obrigações etc. Assim, para garantir as transações em razão da incerteza foram empregadas as garantias dos direitos reais, como é o caso da hipoteca e do penhor, que ainda são usadas e as garantias de direito pessoais ou fidejussórias17, também denominadas “garantias pessoais”, pois nas “pessoais” o adimplemento da dívida se dá quando, por aval, fiança ou caução, a satisfação do débito é garantida por uma terceira pessoa que não o devedor.

A garantia pessoal ou fidejussória é a que deriva do contrato de fiança, e se caracteriza, nos termos do art. 818 do Código Civil de 2002, quando uma pessoa se obriga por outra, para com o credor desta, a satisfazer a obrigação, caso o devedor não a cumpra.

A distinção entre fiança e aval, outra garantia fidejussória supramencionada, se evidencia na leitura do Código Civil Brasileiro (artigos 818 a 839) concomitantemente com a avaliação do regime cambiário vigente no país, pois, para as obrigações civis em caso de contração de dívida, a garantia prestada por terceiro é a fiança e, para as obrigações comerciais, é o avalista (mediante aval por escrito) o coobrigado a garantir o adimplemento do débito.

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Como ensina o professor Caio Mário da Silva Pereira, “o instituto fiança configura-se na fiança convencional (livremente convencionada entre as partes), na fiança legal (como resultado de comando da lei) ou fiança judicial (por imposição de autoridade judicial)” (PEREIRA, 2003).

Todavia, com a evolução do mercado financeiro criou-se a figura da “fiança bancária” que é uma garantia fidejussória ofertada por instituição financeira para fazer cumprir as obrigações do contratado (devedor). Nesse sentido, nas lições de Meirelles (2006), “trata-se de fiança de natureza comercial e onerosa e, por isso, torna o banco solidário com o contratado até o limite da responsabilidade afiançada”. Assim, é o banco o terceiro a adimplir a dívida caso o devedor não cumpra com seus compromissos.

Em sintonia com o amadurecimento do mercado financeiro, em 2006, aprovou-se a Lei Federal nº 11.382 alterando o § 2º do artigo 656 do Código de Processo Civil18, o quê permitiu que a fiança bancária passasse a fazer parte do arcabouço legal brasileiro, ao lado de outro mecanismo de garantia, o seguro garantia judicial.

Identifica-se, portanto, que o mecanismo de garantias “fiança” e “seguro garantia” foram dispostos na legislação nivelados, podendo ser escolhido pelo penhorado, como “garantia pessoal” a ser apresentada ao juízo.

4.4 Síntese

Depreende-se que no atual contexto de transações comerciais, que envolvem contratos ou negócios jurídicos, a exigência da garantia tornou-se um fator fundamental no sucesso de

um empreendimento. E não seria diferente nos contratos e negócios jurídicos transacionados na

esfera do direito ambiental.

Em vários países, legisladores procuraram criar leis para fornecer bases legais tanto nos contratos firmados pelo próprio governo, licitações, bem como nos contratos firmados empresas privadas e pessoas físicas, como ocorre no Brasil com o Código Civil em seus artigos 815 e 854,

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“Art. 656 – A parte poderá requerer a substituição da penhora:

§ 2º – A penhora pode ser substituída por fiança bancária ou seguro garantia judicial, em valor não inferior ao do débito constante da inicial, mais 30% (trinta por cento)”.

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nos Decretos Lei nº 200/1967, 73.140/1973 e 2.300/1986, na Constituição no artigo 37, inciso XXI, e finalmente na Lei Federal nº 8.666/1993 e suas posteriores alterações.

Feitas essas breves considerações acerca da evolução do mecanismo de garantia, cumpre esclarecer que esta pesquisa busca mecanismo de garantia alternativo que substitui e

complementa as garantias reais convencionais as quais não fazem parte do objeto deste estudo.

Dentro desta premissa do estudo proposto acerca do Seguro Garantia será tratado em capítulo próprio, objetivando a viabilidade para vinculação do instrumento econômico desde a concessão da titulação minerária e notadamente no licenciamento ambiental da atividade.

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5 SEGURO GARANTIA

É de se registrar a escassa doutrina nacional sobre o instrumento econômico, quiçá sobre obrigações contratuais “de fazer” e “dar” em contratos ambientais. A matéria se mostra consubstanciada na análise técnico-jurídica desta seção na ousada “arquitetura jurídica” de intitulá-lo “seguro garantia ambiental”.