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Gente, planta, água, clima e solo: equilíbrios e desequilíbrios ecológicos no Semi-

4.3 GUIMARÃES DUQUE E O AMBIENTE ECOLÓGICO SEMI-ÁRIDO

4.3.1 Gente, planta, água, clima e solo: equilíbrios e desequilíbrios ecológicos no Semi-

Duque reconhecia que a condição de semi-aridez do Nordeste tinha causas externas, sendo, porém, agravada por outras causas internas, como de manejo dos recursos naturais. Entre os fenômenos climáticos naturais (de abrangência planetária e universal), destacava os estudos já existentes, que relacionava o clima Semi-árido com as modificações gerais dos ventos do globo, as pressões atmosféricas, as temperaturas do ar em outras partes do mundo, com as secas incidindo no período de máxima combustão do sol. Entre as causas internas que agravavam essa situação, citava a devastação da vegetação, o manejo inadequado dos solos expondo-os à erosão, e ainda o desperdício da água.

A sua base de argumentação era a aceitação da semi-aridez como vantagem. As práticas não apropriadas a essa realidade, com a excessiva exploração dos recursos naturais e a ausência dos estudos de ecologia das regiões naturais é que levaram os lavradores a insistir nos cultivos dos cereais em ambientes impróprios, desde o período de colonização. A ampliação da ocupação humana significou um desgaste ambiental com a expansão antrópica em um meio físico frágil. Essas formas de devastação ambiental, movidas pelo egoísmo individualista, contrastam com os estilos de vida e com a cultura dos povos primitivos que habitavam a Região antes da invasão colonizadora. No entanto, a sabedoria e os valores indígenas foram aniquilados pela cultura branca européia marcada pelo individualismo, que fez desaparecer os conhecimentos da experiência local acumulada pela tradição.

A partir de uma visão holística sobre as relações entre os aspectos ambientais, a população e as formas culturais de exploração dos recursos naturais, enfatiza a importância do bioma e dos ecossistemas da Caatinga. Descreveu a Caatinga, destacando as características do xerofilismo. Ajuda a enxergar e a compreender outros valores fornecidos pela natureza para o bem-estar humano (como a sombra, os frutos e a absorção da insolação), destacando um novo olhar estético sobre a Caatinga, um complexo vegetativo sui-generis que necessita ser preservado:

[...] ela é um museu de preciosidades, um laboratório biológico de imenso valor, que urge ser preservado como fonte de espécies botânicas para estudos e aproveitamento futuros em benefício dos brasileiros e da humanidade. Essa flora da Caatinga demorou milênios de evolução para atingir o estado atual de adaptação e para adquirir as propriedades fisiológicas e de elaboração dos produtos variados (DUQUE, 1980, p. 45).

O que mais chama a atenção ao autor é a perfeita adaptação da vegetação às condições físico-geográficas e climáticas locais. É um exemplo da natureza, nos processos milenares de adaptação e convivência com formas superiores de sobrevivência. Assim ocorre com a vegetação xerófila, que tolera a escassez de água, que foge aos efeitos da deficiência hídrica ou que resiste às secas. Além das raízes resistentes que vão buscar a água profunda, essas plantas são dotadas de mecanismos reguladores da atividade fisiológica e de dormência. Por isso, as intempéries climáticas não tomam de supressa aquelas plantas. O clímax da estabilização é o xerofilismo da vegetação que resiste retorcida, unida, espinhenta e agressiva, em solos rasos, pedregosos, secos, quase sem húmus. A recuperação, no entanto, é imediata com as primeiras chuvas, mudando radicalmente a paisagem natural sertaneja.

Essa vegetação é constantemente ameaçada pela ação humana nesse ambiente. A ação antrópica tem sido perniciosa, ao retirar a vegetação apropriada para implantar culturas exógenas, que requerem outras condições climáticas. O autor esclarece que a vegetação de Caatinga primitiva (alta, fechada, impenetrável pela densidade e pelos espinhos), mais povoada por elementos arbóreos com suas espécies nobres, conseguiu escapar ao fogo indígena e sobreviver ao avanço dos primeiros colonizadores; sucumbiu ao processo de avanço populacional que requeria mais alimentos e matérias-primas para atendimento de suas necessidades. A vegetação nativa foi sendo rareada pela força do fogo, do machado e da erosão nos solos expostos, para dar lugar aos roçados de subsistência, aos grandes plantios de algodão, ou formando as paisagens desérticas. O excesso de animais e o pastejamento exagerado também causaram destruição dos solos com a erosão atuando sobre a terra despida.

Ora, se o autor denunciava essa situação na década de 1940, imagina-se a gravidade do quadro atual com a constatação de que as maiores áreas brasileiras que sofrem processo de desertificação estão localizadas nessa Região. A preocupação com os processos de desertificação no Semi-árido está presente nas análises de Duque desde as suas primeiras obras, na década de 1940. As principais causas da desertificação são as queimadas, o excesso de pastos, a retirada da cobertura vegetal para colocar no lugar um tipo de agricultura inapropriada, com as lavouras plantadas em fileiras nas encostas e que provocam a erosão e o ressecamento dos solos. Quando chega o inverno, as chuvas levam as suas mantas protetoras e tornam os solos expostos à erosão eólica, que produz o deserto, enquanto “[...] milhões de toneladas de terras férteis, de nutrientes, são levados anualmente dos campos para os rios e daí para o fundo do mar” (DUQUE, 2001, p. 201).

O autor argumentava que esse processo de desertificação é resultado da ânsia de extrair proveitos imediatos da natureza, mas que resulta em efeitos contrários pois “[...] a saarização progressiva vai rompendo cada vez mais o equilíbrio entre as associações vegetativas, o ciclo da água, a produção agrícola, a economia e o aspecto social” (DUQUE, 2001, p. 20). A devastação da vegetação nativa traz conseqüências prejudiciais para o funcionamento harmonioso do clima, da terra, das plantas, das águas e dos animais. O manejo inadequado e o uso intensivo da Caatinga é uma ameaça à própria sobrevivência humana, gerando pobreza, pois o fator limitante no futuro da produção na Região será o solo e não a água. Daí, o apelo para defender a terra de lavoura, como sustentáculo econômico da Região.

Outro aspecto da realidade regional estudada pelo autor é a questão hídrica. Destaca- se, em primeiro lugar, que água e o solo são dois elementos articulados da natureza. O manejo adequado do solo é garantidor de um melhor aproveitamento das águas da chuva que, apesar de irregulares, a disponibilidade pluviométrica no Semi-árido brasileiro é maior do que em outras regiões de clima Semi-árido do mundo. Por isso, afirma que “[...] a grande questão da água no Nordeste é seu pouco aproveitamento pelo povo, ou melhor, o mau uso onde está disponível” (DUQUE, 2004, p. 197).

Reconhecia que a significativa variação pluviométrica é um dos aspectos naturais do clima Semi-árido no Brasil. Ele caracteriza-se pela desproporção das precipitações nos dias e meses mais chuvosos, em relação ao total de chuvas no período de um ano considerado seco. A seca é caracterizada não pelo total da precipitação, mas pela sua distribuição. A questão chave é, então, a valorização da água da chuva, pois o bom aproveitamento e o uso racional da água equivale ao aumento da disponibilidade hídrica numa região seca, e possibilita ampliar a produção de alimentos e armazenar para o período anual de estiagem.

Por isso, justifica o represamento de água na Região, com o argumento de que elas evitam também um maior desgaste dos solos férteis, evitando que sejam levados pelas enxurradas. Além de retenção do solo, as barragens exercem uma função preponderante na economia da Região ao criar as condições favoráveis à vida animal e vegetal em torno das mesmas, permitindo o adensamento populacional e fazendo convergir as forças naturais e humanas para atendimento das necessidades essenciais da vida e para a promoção do progresso. No entanto, alerta que para a recuperação econômica e o aproveitamento dos recursos naturais, é urgente a utilização da água armazenada para fins produtivos, evitando que seja, em grande parte, perdida pela evaporação: “[...] todos sabem que os açudes evaporam 7 mm de altura d’água a cada 24 horas; isso significa 70 mil litros d’água por dia, por hectare superfície d’água” (DUQUE, 1996, p. 8).

Outra observação esclarecedora do autor é quanto à necessidade de diversificação dos métodos e das soluções hídricas. Além das grandes, médias e pequenas barragens, existem processos mais simples de aproveitar o solo e de economizar a água por meio das barragens subterrâneas, dos diques, dos desvios dos cursos d’águas etc. Defende, por exemplo, a adoção das barragens subterrâneas, considerando a adaptação das mesmas ao clima, ao reduzir o fator evaporação, e considerando a relação custo-benefício.

Mas a principal contribuição de Guimarães Duque no que se refere aos recursos hídricos no Semi-árido é a discussão que propõe sobre a função social dos açudes públicos, garantindo a produção de gêneros alimentícios ao seu redor, antes de qualquer outra lavoura e da atividade pecuária isolada. Denunciava que os proprietários de terras, nas bacias de irrigação dos açudes construídos com o dinheiro do povo, privilegiavam o plantio de cana-de- açúcar para o fabrico de aguardente, visando ao lucro individual. Por isso, sua conclusão era de que “Açude público e terra particular são duas entidades que não se combinam” (DUQUE, 2001, p. 169). Devido a esse seu posicionamento, passou a ser rechaçado pelos grandes e médios proprietários rurais, que se apropriavam indevidamente das águas e das áreas de influência dos açudes construídos com recursos públicos. Ao defender a Lei da Irrigação, juntamente com Celso Furtado, em 1959, visava disciplinar o uso das bacias dos açudes com métodos adequados de conservação dos solos para propiciar a ampliação da agricultura irrigada. A justificativa era, portanto social, técnica e ambiental:

A urgência de uma legislação conveniente sobre as terras irrigáveis do Nordeste não resulta apenas da necessidade de utilizá-las de maneira mais condizente com sua finalidade social. As exigências imperiosas e elementares de proteção, num clima tropical, do solo precioso e insubstituível das bacias de irrigação, sujeito que será a influência depletora de um cultivo intensivo, impõem um regime de severa disciplina na exploração dessas terras, para que a falta de rotação de cultivos, de adubação, de repouso, não venha destruir irremediavelmente a sua produtividade (DUQUE, 2001, p. 172).

É essa preocupação ambiental articulada com a questão social da sobrevivência das famílias sertanejas no Semi-árido, o mote permanente dos estudos e proposições de Guimarães Duque. É quase impossível separar os elementos de descrição e a análise da realidade, com as proposições que formula para o desenvolvimento regional.