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6.3 TÂNIA BACELAR DE ARAÚJO E A POLÍTICA NACIONAL DE

6.3.1 Transições e perspectivas nas políticas de desenvolvimento regional

As análises de Tânia Bacelar transitam entre o passado, o presente e o futuro. No Brasil, foi o setor público, no final da década de 1950, o principal protagonista das propostas de redução das desigualdades regionais. A proposta do GTDN para o Nordeste era de que o Estado assumisse o papel de principal indutor das necessárias transformações nas estruturas socioeconômicas tradicionais e dominantes já consolidadas e que impediam o avanço das forças produtivas na Região. No início dos anos 1960, a recém-criada Sudene assumiu de fato esse papel, concentrando os esforços e os recursos públicos na ampliação da infra-estrutura necessária à expansão das atividades econômicas, incentivando a realização de estudos e pesquisas sobre as potencialidades de recursos naturais para o desenvolvimento, fornecendo subsídios e incentivos fiscais e ampliando os investimentos estatais para o dinamismo da economia regional.

Com a mudança de orientação da política de desenvolvimento regional, a partir da imposição violenta do Estado autoritário no Brasil, que fez uma opção pelo crescimento econômico conservador, a Sudene continuou atuando como instrumento de redução das desigualdades regionais, embora as diferenças políticas fossem significativas, como ressalta Araújo (1997; 2000): em lugar de uma indústria colada à base regional e voltada para atender prioritariamente ao mercado nordestino, como propusera o GTDN, prevaleceu a indústria atrelada e dependente plenamente da região Sudeste; ao invés da diversificação da produção agrícola na Zona da Mata, o incremento da monocultura canavieira com os programas de incentivo à produção de álcool; ao invés da colonização nas áreas de expansão das fronteira agrícola, o oeste nordestino foi ocupada pelos capitalistas do Centro-Sul, que implantaram fazendas produtoras de soja e de frutas para exportação, e não pelos sertanejos nordestinos, com a produção de alimentos para o mercado interno; ao invés do fortalecimento da produção apropriada e socialmente justa no Semi-árido, a pecuária se firmou como a atividade hegemônica, consolidando a grande propriedade e impedindo as mudanças na estrutura fundiária regional.

Tânia Bacelar de Araújo constata que o processo de crescimento econômico, por si só, não era capaz de promover um novo modelo de desenvolvimento na Região. De um lado, a integração econômica, via capital produtivo tornou a Região mais dependente das empresas sediadas na região Sudeste, que migraram parte de seu capital para o Nordeste, atraídas pelos incentivos fiscais. Por outro lado, Araújo (1995) identifica novos desafios com a tendência de

aumento da heterogeneidade intra-regional, constatando que a tendência a desconcentrar a dinâmica econômica no espaço territorial do país, nas últimas décadas, era acompanhada de uma crescente diferenciação interna nas regiões brasileiras. De fato, no Nordeste os investimentos criaram uma dualidade entre as estruturas modernas e dinâmicas que convivem com áreas e segmentos econômicos tradicionais, tornando a realidade regional mais diferenciada e complexa:

Ao mesmo tempo em que diversos subespaços do Nordeste desenvolvem atividades modernas, em outras áreas a resistência à mudança permanece sendo a marca principal do ambiente sócio-econômico: as zonas cacaueiras, canavieiras e o Sertão semi-árido são as principais e históricas áreas desse tipo. Quando ocorre, a modernização é restrita, seletiva, o que ajuda a manter um padrão dominantemente tradicional (ARAÚJO, 1995, p. 136).

Mesmo assim, Araújo (1997) valoriza o fato de que havia em curso uma política de desconcentração espacial do crescimento econômico. O resultado é que, entre 1970 e 1990, a participação da região Sudeste na formação do PIB brasileiro diminui de 65% para 60%; a Sul permanece estável, respondendo por cerca de 17% da produção nacional; mas a Nordeste, a Norte e a Centro-Oeste ganharam importância relativa, passando juntas, de 18 % para 23 % no total do PIB brasileiro. No Nordeste, os setores econômicos, secundário e terciário, foram impulsionados e ganharam espaços na formação do Produto Regional, rompendo com a fraca dinâmica que prevalecia antes da criação da Superintendência. Dessa forma, o Nordeste melhorou sua participação na economia nacional com um acelerado ritmo de crescimento do seu PIB, que chegava a superar a média do Brasil e de outros países em desenvolvimento nas décadas de 1970 e início dos anos 1980. O resultado é uma atenuação da questão regional com uma modesta desconcentração nos investimentos: “Quer dizer, tem-se um fato novo importante, e aquele processo intenso de concentração, portanto, de exacerbação da questão regional, se atenua. Começa-se a viver uma tendência à desconcentração” (ARAÚJO, 2005, p. 218).

No período da chamada “Década Perdida” o Estado brasileiro começa a abandonar a política de desenvolvimento regional. As mudanças no cenário mundial haviam provocado uma crise fiscal e financeira interna, com o aumento do endividamento externo e a conseqüente transferência da poupança nacional para os países credores. O setor público abandonara o planejamento e buscara respostas imediatas aos problemas: “A crise abre a discussão de novos rumos a seguir, enquanto o planejamento (que exige projeto, visão de médio prazo) é desmontado, cedendo espaço para a gerência da crise” (ARAÚJO, 2000, p.

22). O planejamento regional é abandonado, e a Sudene passa por um processo de desgaste e esvaziamento.

Nos anos 1990, essa crise se acentua e o Estado abandona completamente o planejamento regional, com o projeto neoliberal assumindo a hegemonia da política fiscal e monetária, promovendo a recessão econômica como remédio para a crise inflacionária. O desmonte do setor público, a privatização de empresas estatais e a drástica redução dos investimentos no setor de ciência e tecnologia, resultam no abandono da perspectiva de construção de um projeto nacional de desenvolvimento, com a perspectiva de redução das desigualdades regionais, num contexto em que o Brasil adota de forma subordinada as orientações do “Consenso de Washington”: uma intensa abertura comercial como prioridade para a integração competitiva; a reestruturação produtiva e a flexibilização de direitos; as reformas profundas na ação do Estado e a implementação de um programa austero de estabilização monetária. É essa a dinâmica atual que marca a crise do planejamento regional e conduz ao fechamento da Sudene, pois “[...] no projeto neoliberal não há grande espaço para o Estado planejador nem para o Estado produtor” (ARAÚJO, 2000, p. 23).

O resultado não poderia ser diferente. A inserção passiva do Brasil nos mercados em globalização promove uma fragmentação espacial do país chamada de “desintegração competitiva”, comandada pelo mercado. Daí, a defesa intransigente de Tânia Bacelar de Araújo, de que o Estado deva assumir o controle social da economia, orientando a dinâmica econômica regional com o objetivo da integração nacional. O Estado é a instituição que pode promover a desconcentração espacial do desenvolvimento, indo além dos interesses imediatos do mercado, que atua a partir de vantagens locacionais, que terminam por concentrar os investimentos nas áreas mais dinâmicas e competitivas do país. Mas não se trata de um Estado autoritário e conservador. A descentralização e a democratização do Estado brasileiro são conquistas recentes da sociedade civil organizada, e devem ser mantidas na perspectiva do controle social e da ampliação das políticas sociais.

Há, pois, com o abandono da política de desenvolvimento regional, uma tendência à reconcentração espacial do dinamismo econômico no futuro imediato: “[...] estudos têm convergido para sinalizarem, no mínimo, para a interrupção do movimento de desconcentração do desenvolvimento na direção das regiões menos desenvolvidas” (ARAÚJO, 2000, p. 119). Não é apenas o mercado com suas estratégias locacionais que promovem esse movimento de reconcentração. As opções governamentais nas últimas décadas também atuam nesse sentido, direcionando seus investimentos para certos “focos competitivos”. São nessas áreas que estão concentrados os investimentos públicos em infra-

estrutura: a modernização de aeroportos, hidrovias e ferrovias. Isso não significa, para a autora, incentivar atividades econômicas que não são competitivas. O problema é que as áreas que apresentam baixo dinamismo econômico são abandonadas. Por isso, propõe que as políticas oficiais enfrentem esse desafio de reestruturação do setor produtivo nos diversos espaços sub-regionais:

Capacitar pessoas, dotar a região de competitividade sistêmica, apoiar o desenvolvimento de Centros de Pesquisa, laboratórios e estruturas de difusão de informação tecnológica, tendem a ganhar relevância, face ao novo padrão de competição (cada vez mais intenso) e aos novos padrões produtivo, tecnológico e gerencial. Um grande desafio para o Nordeste Brasileiro. Desafio diferente do que o relatório do GTDN propunha que fossem enfrentados (ARAÚJO, 1997, p. 465).

A proposta da autora é a retomada de uma política nacional de desenvolvimento regional: “[...] se essa hipótese de tendência pode ser verdadeira cabe ao Governo Federal atuar no sentido de evitá-la. Para isso, cabe-lhe conceber e implementar uma nova política de desenvolvimento regional. Ou melhor, uma política nacional de desenvolvimento regional” (ARAÚJO, 2000, p. 129). Trata-se de uma nova abordagem, que pressupõe pensar integralmente o país e cada uma das regiões com suas especificidades a partir de uma atuação pública ativa, favorecendo o acesso equilibrado àqueles elementos de fortalecimento da competitividade, para evitar a fragmentação do país com a exacerbação das rivalidades competitivas e a ampliação dos bolsões de miséria.

Ao defender essa proposta, a autora justifica a necessidade de tratar a questão regional brasileira, em geral, e cada região, de modo específico, como o caminho mais adequado para chegar às soluções para a questão regional tal qual se apresenta hoje num contexto interno heterogêneo, ao tempo em que ocorre a inserção econômica nacional na economia mundial extremamente competitiva. É essa a nova equação da promoção de uma política nacional de desenvolvimento nacional, regional e sub-regional. Para cada uma das áreas, a exemplo da sub-região semi-árida, devem ser definidas as estratégias adequadas, considerando suas especificidades naturais, econômicas, sociais e culturais, na definição das formas de atuação, das atividades econômicas apropriadas e respeitando seus ritmos: “[...] uma nova política nacional de desenvolvimento regional deve ser suficientemente detalhada e rica para contemplar, devidamente, a heterogeneidade que presentemente caracteriza a realidade espacial brasileira” (ARAÚJO, 2000, p. 136).

É necessário destacar os grandes objetivos a serem alcançados numa política nacional de desenvolvimento regional. Em primeiro lugar, é necessário ressaltar que, nos estudos e obras recentes de Tânia Bacelar de Araújo, tem cada vez mais destaque uma concepção de desenvolvimento regional com base em um novo conceito de desenvolvimento que respeita a natureza e que propõe a inclusão social. Envolve uma abordagem da realidade em suas múltiplas dimensões, com destaque para a solidariedade, a sustentabilidade ambiental e a preocupação com a dimensão social. É necessário promover um outro modelo de desenvolvimento que distribua melhor a renda e a riqueza, criando mais oportunidades.

Com base nessa compreensão, Araújo (2000, p. 133-134) enfatiza quatro objetivos fundamentais a serem perseguidos em uma política nacional de desenvolvimento regional. O primeiro é a redução sistemática das desigualdades regionais, considerando tanto a melhoria das condições de vida das populações que residem em distintas partes do território nacional quanto a geração de novas e dignas oportunidades de trabalho. O segundo, é a promoção da eqüidade ou a redução das desigualdades nos níveis de renda e oportunidades e condições de trabalho das populações regionais, ampliando os investimentos nas políticas sociais de educação, saúde e saneamento. O terceiro objetivo é o da promoção da eficiência e da competitividade, com a ampliação da base econômica regional dotada de uma estrutura produtiva capaz de competir no mercado nacional e internacional. Finalmente, é necessário promover a integração dos espaços regionais, articulando no interior da economia nacional as diferentes regiões, difundindo em todas elas os efeitos positivos do crescimento da economia e da inserção do país no mercado mundial.

A autora acredita na possibilidade do Brasil em promover esse novo ciclo virtuoso de desenvolvimento nacional, pois conta com algumas das condições necessárias para isso: existe a possibilidade de implantação de uma ampla reforma agrária, para enfrentar a questão do desemprego e dobrar sua área cultivada; pode-se dinamizar o mercado interno, atendendo às demandas insatisfeitas da população por bens de consumo e ampliando os empregos nos espaços urbanos e a melhoria da renda; é possível aproveitar o potencial produtivo e tecnológico que já se tem disponível, apostando na capacidade criativa e nas habilidades da população, com o incentivo à educação e à informação; e, finalmente, apostar na capacidade organizativa da população, quebrando valores herdados da colonização e da escravidão, e valorizando a solidariedade em vez da competição. Trata-se de novas bases para promoção de um novo modelo de desenvolvimento que seja sustentável.