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Geografia da memória: referenciais modificados pelo crescimento da

4 ÁGUAS DE SÃO PEDRO: SUA HISTÓRIA, SEUS TOPÔNIMOS E

4.1 Uma cidade que nasce das águas e do planejamento urbano

4.1.3 Geografia da memória: referenciais modificados pelo crescimento da

Em relação ao tema proposto, é aqui abordado o espaço urbano percebido em diversos ângulos, de acordo com o interesse, a vivência e a memória de moradores de diversas faixas etárias. Yázigi comenta: “Vejo o lugar como um dos referenciais indispensáveis à vida, nas esferas do cotidiano, do trabalho, dos afetos e dos ideais, mas desoladamente, com perdas indizíveis”.62

A percepção humana é sempre um processo seletivo, que depende da formação e visão de mundo de cada um. Segundo Santos, “a dimensão da paisagem é a dimensão da percepção do que chega aos sentidos”.63 Tem-se perfeita consciência de que, como pesquisadores e educadores, a tarefa é ultrapassar a paisagem e chegar ao seu significado, através da reflexão e da interpretação e alcançar o conhecimento do lugar. Nesse capítulo, a intenção foi verificar as alterações ocorridas na cidade no sentido paisagístico, do espaço em termo de visibilidade, para registrar o que foi percebido e lembrado pelos moradores.

O estudo toponímico também ajuda a recuperar a memória do lugar através de seus nomes próprios, pois segundo Dick,64 o topônimo exerce a função de ser um “repositório” de fatos históricos, geográficos, etnográficos, antropológicos e sócio-culturais.

Águas de São Pedro é uma cidade nova, que foi planejada e, como tal, evoluiu muito rápido, principalmente no início de sua implantação, como se pode ver no seu histórico. Os moradores mais antigos, que acompanharam e trabalharam nesse projeto, têm a lembrança da época em que havia plantações ao redor da cidade e da construção dos hotéis. Já os mais

62

YÁZIGI, Eduardo. A alma do lugar. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2001. p. 41. 63

SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado: fundamentos teóricos e metodológicos da Geografia. 2. ed., São Paulo: Hucitec, 1991. p. 62.

64

DICK, Maria Vicentina de Paula do A. Toponímia e antroponímia no Brasil: coletânea de estudos. 3. ed. São Paulo: FFLCH-USP, 1992. p. 15.

jovens, encontraram boa parte da cidade pronta, mas lembram também de locais que foram significativos na sua infância e adolescência e que hoje não existem mais, como é o caso do playground que havia onde hoje é o Terminal Rodoviário.

Através das entrevistas, podem-se observar várias referências ao espaço vivido anteriormente no início da cidade, que ficou na memória de seus moradores e que hoje está alterado. Os referenciais espaciais e a vida em torno dos mesmos eram diferentes, conforme depoimentos a seguir registrados:

- Quando cheguei aqui, só havia o Grande Hotel, o Hotel Avenida a Pensão Santo Antonio, a Bandeirantes e a Suzy. A Vila Bela já existia. O Hotel Estância era campo de futebol [...]. O ‘calipio’ [eucalipto] balançava e eu tinha que levar café para as minhas irmãs no balneário, do outro lado era pasto [...] Eu gostava da arquitetura da casa dos Moura Andrade e dos quiosques de madeira, feito pelo ‘Borboleta’, que havia no parque. Eu vi crescer a cidade com bastante área verde.

M.O.B. em 25/07/09). (

- Eu morei na ‘Fazenda Pitanga’, entre Piracicaba e Rio Claro, (vizinha do Tanquinho). Quando vim morar aqui só havia o GHSP, era o tempo do Cassino.

ão havia estrada pronta, estava terminando [...]. (L.P.S., em 26/07/09). N

- Aqui no início era horrível, porque tudo era difícil. Não tinha nada. O pão, a carne, tudo tinha que vir de São Pedro. Quando recebia o pagamento tinha que pagar as contas, o armazém,..., mas a comunidade era ótima. Agora tem de tudo,

as aquela comunidade acabou. (L.P.S., em 26/07/09). m

- Onde era o Colorido [mercado] era ‘calipal’ e onde é o comércio chique, eram os barracões, campo de futebol. Onde era o Jd. Porangaba era plantação de arroz, milho... No tempo de Ângelo Franzin dizem que era fazenda de café. No Jerubiaçaba era tudo ‘calipal’ e invernada do Moura Andrade (local para gado),

ue tem até hoje, onde é a Fonte Almeida Salles. (L.P.S. em 26/07/09). q

- A minha rua, Maximiniano Santin, nome de um italiano que trabalhou na construção da cidade, antes chamava, Vila Honolulu [...]. Outra vila chamada Shangri-lá (que não existe mais) ficava no Bosque Municipal próxima ao GHSP. A minha rua iniciou-se com todas as casas muito semelhantes em suas construções,

ara abrigar os dirigentes do GHSP. (S.M.S.C.N., em 18/11/2009). p

- Meu pai tinha um sítio no bairro Graminha. Plantava um pouco de tudo: milho, arroz, café. Em 1929 ele cortou todo o café porque tinha muita broca e não tinha preço. [...] Da minha família o Dr. Octávio comprou as terras do Campo de Aviação. [...] Eu sou mais velho que a cidade, pois tenho 88 aos e a cidade vai fazer 70 anos em 2010 e eu vinha na Fazenda do Franzin para estudar. Aqui onde estamos [Loja de artesanato Pau Brasil], era a Pensão Líder com cinco quartos em cima, bar e snooker em baixo. Em 1962 eu comprei este imóvel e transformei tudo isto em Restaurante Brasília embaixo e moradia em cima. Brasília era um nome da

oda na época. (A.C. em 04/10/2009) . m

- Em 1950 nós mudamos para a Fazenda ‘Mangueirão dos Porcos’, onde é hoje a ‘Floresta Escura’. Em 1968, mudamos para Vila Califónia. Aqui nesta região havia fazenda de gado, plantava-se arroz, feijão, milho, etc. A avenida do ‘Bate-Vento’ [Av. Antonio Joaquim de Moura Andrade] era tudo ‘calipal’. Quando cheguei aqui, ainda havia a fábrica de engarrafamento. Tomei o refrigerante, mas não conheci a fábrica. Já havia quatro hotéis: O Grande Hotel, o Avenida, a Pensão Santo Antonio, e a Pensão Bandeirantes. Vi a construção do Hotel Jerubiaçaba, Hotel Villa e da Pensão Bela Vista, que dono também tinha a Pousada Piccola. (A.G. em 04/10/2009).

- Esta casa onde moro no Jardim Porangaba foi construída em 1965. Todas as casas no início foram construídas pelo Moura Andrade e como eu trabalhei na olaria dele, posso dizer que os tijolos desta casa, passaram pelas minhas mãos. A olaria ficava próxima ao Restaurante do Lago, onde hoje é o loteamento Águas do

ampo. Antes ali era chamado de ‘Sítio do Oscar Franzin’. (J.M. em 06/08/2009). C

- Onde era a ‘Piscina Municipal’ era um gramadão livre, onde era o vestiário da piscina, era o vestiário do campo. Neste espaço livre instalavam circo, parque de diversões com roda gigante, trem fantasma, etc. Agora o vestiário é atrás do Campo, perto da colônia do COPM. Onde estava o mercado Três Fontes, era um gramado que até um prefeito usou para fazer shows de ‘Festival de Inverno’.

R.R.V. em 10/02/2010). (

- Na Represa Palmeira havia uma espécie de quiosque grande com pedalinhos. avia mais ônibus de excursões que visitavam a cidade (M.R.M., em 15/11/2009). H

- No local da atual Rodoviária era um parque com brinquedos e banheiros públicos. Na Vila Operária tinha uma fonte de água potável. Era um quiosque de madeira,

ue hoje é um caramanchão de cimento. (M.L.P.S. em 28/01/2010). q

- O meu pai me disse que o gramado do Grande Hotel era usado para fazer piqueniques (H.H.B. em 31/10/2009).

Através desses depoimentos é possível notar que algumas pessoas, que trabalharam na construção da cidade, trazem as lembranças do seu local de trabalho ou de como a cidade foi organizando seus espaços. Os mais jovens, por terem passado sua infância ou adolescência nesse lugar, sentem faltam de alguns espaços de lazer que foram importantes para suas vidas e que hoje já não existem mais. A cada fase da vida valorizam-se mais determinados aspectos do espaço cotidiano. Em seu livro de memórias, Rubem Braga escreve: “Se uma criança pudesse fazer o mapa de uma cidade – pensava eu, olhando o pé de romã -, ele teria menos casas e mais árvores e bichos”.65

A compreensão da importância de um topônimo é essencial no estudo da história e da memória de um lugar, pois no ato de comunicação, são nomes de referência dos locais por eles designados. Quando se faz referência ao nome de um lugar, geralmente vem as lembranças ou as histórias que mostram quão significativos eles foram para nós. A paisagem da cidade, que foi modificada ficou na memória das pessoas que participaram daquele momento. Segundo Dick, “[...] a Toponímia reflete de perto a vivência do homem enquanto entidade individual e enquanto membro do grupo que o acolhe [...]”.66 Muitas vezes, estes aspectos passam despercebidos pela indústria do turismo, que nem sempre se interessa por essa temática.

65

BRAGA, Rubem. Casa dos Braga: memória de infância. Rio de Janeiro: Record, 1998. p. 23. 66

DICK, M. V. P. Do A., A motivação toponímica e a realidade brasileira. São Paulo: Arquivo do Estado, 1990. p. 19.