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4 ÁGUAS DE SÃO PEDRO: SUA HISTÓRIA, SEUS TOPÔNIMOS E

4.2 Estudo onomástico do município

4.2.2 O denominador: Octávio Moura Andrade

4.2.2.1 Ideias e discurso de Octávio Moura Andrade

Sabe-se que o homem demonstra sua personalidade, seu caráter, não só pelo discurso, mas principalmente por suas ações e suas obras. Procurou-se investigar, nesse capítulo, a onomástica e a história de Águas de São Pedro, onde Octávio Moura Andrade teve um importante papel, pois foi o idealizador da estância e teve capital para implantá-la, além disso, como empresário vislumbrou no aproveitamento das águas minerais grandes possibilidades de negócios. Analisa-se, pois, aqui, sua visão sobre Águas de São Pedro, através de seus textos (discurso), dois deles publicados em jornais da época e o outro que permaneceu no acervo da família.

Todo discurso implica e mostra uma visão de mundo, uma ideologia. Segundo Fiorin,81

[...] o discurso é mais o lugar da reprodução do que da criação [ideológica]. [...] As visões de mundo não se desvinculam da linguagem, porque a ideologia82 vista como algo imanente à realidade é indissociável da linguagem. As ideias e, por conseguinte, os discursos são expressão da vida real. A realidade exprime-se pelos discursos.

Para mostrar alguns aspectos da visão de mundo de Octávio Moura Andrade escolheu- se três textos como exemplo de seu discurso, onde ele mostra suas ideias sobre patriotismo, em 1935; sobre Águas de São Pedro, em 1941 e sobre turismo, em 1963.

No primeiro texto, O que é ser patriota. Como qualquer cidadão pode servir a seu país,83 destacou-se o trecho em que Octávio demonstra ser adepto ao positivismo:

Bem ama a pátria aquele que trabalha em prol de seu progresso, que dá o melhor do próprio esforço e valor, da própria coragem, para o alevantamento de seu nome. E como os gênios mais notáveis, os heróis nacionais são aqueles que mais alto lhe elevaram a fama, ou seja, Ruy Barbosa, Santos Dumont, Dante ou Camões, eles hão de ser os venerados arquitetos da nação, modelos de patriotismo para o povo que a compõe [...]84 (grifo nosso).

Octávio termina essa palestra, elogiando a filosofia rotariana: “Bom patriota é todo rotariano, porque é da filosofia rotária o que da essência do patriotismo – o engrandecimento pessoal pela prática do bem em face da coletividade”85 (grifo nosso).

Foram grifadas algumas palavras encontradas nesse texto, que são valores da filosofia positivista:86 o progresso, o bem, os heróis nacionais como modelo, entre outras ideias que aparecem ao longo do discurso do autor, nesse caso uma palestra.

81

FIORIN, José Luiz. Linguagem e ideologia. 2. ed. São Paulo: Ática, 1990. p. 33. 82

Ibidem, p. 28: “A ideologia é o conjunto de ideias, representações que servem para justificar a ordem social, as condições de vida do homem e as relações que ele mantém com os outros homens”.

83

ANDRADE, Octávio Moura. O que é ser patriota: como qualquer cidadão pode servir a seu país. Palestra e publicação do Rotary Clube de Santos em 1935. Arquivo pessoal de Antonio Falcão de Moura Andrade. Mimeografado. 84 Ibidem. 85 Ibidem. 86

A filosofia positivista de Augusto Comte (1798-1857) propunha uma fórmula a ser seguida por seus adeptos: “o amor por princípio; a ordem por base e o progresso por fim”. (COMTE, Augusto. Catecismo

Positivista. Rio de Janeiro: Apostolado positivista do Brasil; Lisboa: Lucas & Cia., 1934, p. 471). Haveria o culto aos antepassados, principalmente os grandes homens, os exemplares. O sistema axiológico desta filosofia tendia a defender a ordem estabelecida, principalmente as hierarquias existentes.

No texto sobre “Águas de São Pedro”87 Octávio Moura Andrade tece comentários sobre a cidade de São Pedro desde que ele a conheceu:

[Ele diz que em 1935...] molhados seus caminhos eram intransitáveis. São Pedro – cidade esquecida no mapa do estado de São Paulo, que a Sorocabana ligava a Piracicaba num percurso incômodo e fastidioso de 60 quilômetros em quase três horas de viagem, de há muito se mumificara e dormia, tranquila, na pacatez e na humildade de seu casario quase despovoado [...].88

Nesse trecho Octávio mostra alguns aspectos da cidade de São Pedro, entre eles, a precariedade dos transportes, fator que no discurso sobre o turismo, em 1963, é muito valorizado por ele, principalmente para o desenvolvimento da cidade e sua atividade turística. Quando conheceu a cidade de São Pedro ele morava em Santos, que era uma cidade movimentada devido à atividade portuária, com importações e exportações. Nessa época ele pilotava seu próprio avião. Enquanto isso, as fazendas de São Pedro e os negócios da cidade que dependiam do café, com a crise de 1929 estavam estagnados. Nesse contexto, sua visão empresarial pensava num transporte mais eficiente, uma vez que a vida urbana moderna depende da circulação e esta poderia trazer mais desenvolvimento para essa cidade, que na sua visão “se mumificara”.

Na parte II, como Octávio mesmo dividiu seu texto, fala sobre o “extraordinário teor sulfuroso” de uma das fontes, mas comenta também a precariedade do balneário de Ângelo Franzin feito de paredes de “taboas velhas”:

Uma das fontes, de extraordinário teor sulfuroso, após jorrar anos a fio como afluente do córrego do Bebedouro que - menos que córrego – era apenas um grande banhado coberto de taboal, teve ligeiro aproveitamento num casebre tosco e miserável, que o antigo proprietário mandara levantar no local e que à guisa de balneário, [...].89

Na parte III do texto Octávio Moura Andrade mostra a necessidade de analisar as

87

ANDRADE, Antonio F. de Moura. Águas de São Pedro. (visão de São Pedro entre 1934 e 1940 e os primeiros trabalhos e estudos para a construção Da cidade). Águas de São Pedro: Transcrição de minuta datilografada por Octávio Moura Andrade, [1941?]. (Partes I e II)

88

Ibidem, parte I 89

águas,90 principalmente as duas que não eram sulfurosas,91 porque já havia pensado em aproveitá-las para uma indústria, o que se concretizou mais tarde com a “Fábrica de Engarrafamento”. Ao escolher o IPT de São Paulo para fazer a análise minuciosa das três águas, Juventude, Gioconda e Almeida Salles, que nessa época já estavam denominadas, sendo que a última recebera o nome do Dr. Almeida Salles, que participara das análises iniciais. Octávio Moura Andrade elogia esta instituição, o que corresponde aos ideais positivistas expostos por ele:

Temos em São Paulo a felicidade de possuir um órgão técnico que ornamenta nossa civilização e que, pelo valor de seus homens e perfeição de seus estudos, se equipara sem favor as mais autorizadas organizações científicas do mundo - o Instituto de Pesquisas Tecnológicas, anexo à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.92

Da mesma forma, elogia o trabalho do Dr. Francisco J. Maffei, diretor da seção química do IPT, que analisou as três águas, Juventude, Gioconda e Almeida Salles. Elogia também os “técnicos ilustres”, escolhidos para trabalhar em prol da construção e desenvolvimento da estância e que lá chegaram graças à existência do aeroporto e aviões que os transportaram:

Graças a esse campo de aviação, entretanto, aqui viemos ter, uma ou duas vezes por semana, durante anos a fio [...], os técnicos mais ilustres, os mais competentes profissionais, que por outra via dificilmente teriam conhecido nossas águas ou cooperado com suas luzes no desenvolvimento da estância.93

Na Parte IV ele discute a tese e os motivos para realizar a urbanização da estância: “Urbanizar o local das nascentes era a tese verdadeira; triunfante ele, cuidamos de pô-la em execução. Estávamos em 1936”.94

90

Quanto à análise da água sulfurosa (Juventude), existiram estudos anteriores ao do IPT, encomendado por Octávio. Se seguirmos as datas impressas temos: 1º) A “Análise Prévia nº 3.070” de 02/08/1933, assinada por Adelino Leal (Conferente) S. Teixeira (Químico) e Vicentina da Cunha (Auxiliar-química) e o “Exame Bacteriológico de Água” de 22/07/1933, assinado por Rangel Pestana e conferida pelo Dr. Almeida Salles em 29/08/1933; 2º) A “Análise nº 4.041” do objeto: “Água Sulfídrica de um poço profundo situado em São Pedro”, realizada por Paulo Andrade em Jundiaí em outubro de 1933. Estas análises foram publicadas pela “Empresa de Águas Sulfídricas e Termais Radioativas de São Pedro” em 1935. Ver Anexos “19” e “20”. 91

Ver Anexo “27”: capa e parte da Análise do IPT. 92

ANDRADE, [1941?], parte III. 93

Ibidem. 94

Na Parte V, ele fala sobre a contratação do urbanista Jorge de Macedo Vieira e suas qualidades e expõe aqui seu ideal sobre uma estância hidromineral que estava se esmerando para criar: uma cidade planejada para o turista sair das cidades industrializadas com conforto. Octávio escreve:

Sempre entendemos que uma estância hidromineral, verdadeira estação de cura e repouso, deve fugir de tudo quanto lembra a cidade grande, no que diz respeito à vida agitada e cansativa, seus ruídos particulares e sua poeira malfazeja. Deve oferecer, por outro lado, todo o conforto da mesma cidade. Obtém, assim, o acquista os resultados do repouso completo, sem sentir muito acentuado de se privar do bem estar a que por ventura esteja habituado em sua própria casa. (Vide ‘Ce que doit être uma Estacion Thermal”).95

Na parte VI, Octávio Moura Andrade descreve as dificuldades para urbanizar o local: “energia elétrica, água potável, esgotos e saneamento”. Mostra nesse trecho do texto sua capacidade de resolução dos problemas. Quanto ao transporte, além do aeroporto, “[...] já tínhamos resolvido logo de início, construindo cerca de 15 quilômetros de caminhos aptos para o trânsito de automóveis, [ônibus] e caminhões, ligando assim, a cidade às três fontes existentes”.96

Além das soluções para concretizar seu sonho de criar uma “estância modelar”, mais tarde, em 1963, em palestra proferida no Lyons Clube de Piracicaba em 25 de abril de 1963, Octávio Moura Andrade apresenta suas reflexões sobre o turismo, sob o título: “Piracicaba: Possibilidades turísticas da cidade e da região”.97

Desse texto destacaram-se as seguintes partes:

a) A tese há de ser de caráter prático, utilitário, pois só assim contribuiremos para o progresso e desenvolvimento do nosso meio. E as belezas e virtudes de uma cidade devem ligar-se economicamente, às suas possibilidades turísticas” (grifo nosso). b) Nunca se falou tanto em TURISMO no Brasil como nos dias que

correm. E, no entanto, praticamente quase nada temos realizado nesse setor.

95

ANDRADE, [1941?], parte V, onde cita uma publicação em francês, a qual não havia mais referências no texto.

96

Ibidem, parte VI. 97

Idem. Piracicaba: possibilidades turísticas da cidade e da região. Diário de Piracicaba, 1º maio 1963. Arquivo Pessoal de Antonio F. de Moura Andrade.

c) TURISMO SIGNIFICA TRANSPORTE. TRANSPORTE É FUNÇÃO DAS ESTRADAS. Neste capítulo Piracicaba usufrui de uma posição invejável, comparável mesmo, a qualquer grande centro de atração turística na Europa ou na América. [... além da estrada de ferro com ‘bitola larga’] também é servida Piracicaba com seu bom campo de pouso a 30 minutos de vôo da Capital, em confortável avião de turismo.

d) TURISMO SIGNIFICA HOSPEDAGEM. Todos quantos viajam, e o turismo é movimentação por excelência, requerem uma condição ‘sine qua non’ para deixar o conforto do próprio lar: a certeza de alojamento condigno, agradável, certo.

e) TURISMO SIGNIFICA TER O QUE MOSTRAR: Piracicaba, aqui, prima pela abundância. No setor agro pastoril [...]. No setor das indústrias [...]. No setor cultural e educacional [...]. O centro médico [...]. [E cita Águas de São Pedro, como ‘mais novo subúrbio piracicabano’, há 25 quilômetros, que poderia ser incluída nos roteiros turísticos de Piracicaba.].

Nesta parte do discurso (acima) Octávio realiza, na prática, a propaganda de Águas de São Pedro, que é seu próximo ponto de destaque para o desenvolvimento do turismo.

f) Como transformar tudo isso em realidade palpável, em corrente turística portadora de dólares, movimentadora de capitais? Em nossa opinião, apenas uma coisa será preciso: divulgar, anunciar, proclamar o que possuímos. Em uma palavra: PROPAGANDA.

Nesses trechos que foram destacados desse último texto, verificou-se que, para ele, em primeiro lugar o turismo é uma atividade econômica, mas que não adianta só falar sobre essa atividade sem pô-la em prática. Ele cobra a relação discurso e prática. Depois, sintetiza sua fala em quatro pontos principais, que sem eles não haveria desenvolvimento da atividade turística: 1º) O Transporte; 2º) A Hospedagem; 3º) Os atrativos turísticos, “Ter o que mostrar”: 4º) A Propaganda. Antes mesmo de falar sobre a propaganda já demonstra na prática seu “discurso publicitário”, ao divulgar a estância hidromineral que planejou e executou com ajuda de técnicos e da mão de obra dos são-pedrenses. Primeiramente fala das propriedades das três fontes e sugere aos turistas e piracicabanos que a visitem com essa breve descrição de Águas de São Pedro:

Junto a essas fontes, como sabeis, uma cidadezinha balneária desabrocha, fadada certamente a ser um dos grandes atrativos turísticos da região piracicabana. Os bons hotéis que ali funcionam, inclusive o maior deles que se destaca no meio do majestoso parque, dotado de todo conforto, são a garantia de bom acolhimento e de bem estar, que se soma com os desta cidade grande, para a recepção de levas de turistas que certamente em breve passarão a visitar-nos.98

Nesse trecho do texto de Otávio, de 1963, sobre o turismo na região de Piracicaba, ele mesmo, empresário-proprietário em Águas de São Pedro, faz a divulgação de seu empreendimento durante a palestra no Lyons Club de Piracicaba.

Todos esses textos registram contextos históricos diferentes, vividos por Octávio Moura Andrade, denominador da estância hidromineral Águas de São Pedro. Os registros de seus enunciados preservam a memória, que envolve a intertextualidade entre seus próprios textos e de outros autores. Todos os textos estudados demonstram entusiasmo e perseverança na busca do desenvolvimento do local escolhido por ele para ser seu laboratório de estudos e realizações, como advogado e homem de negócios, buscando a prosperidade de seus empreendimentos.

Pesquisou-se todo esse contexto histórico e ideológico para mostrar que, além de ser uma cidade planejada, pode-se dizer que Águas de São Pedro teve também seu nome planejado para atrair os turistas, como se pode perceber através da biografia e do discurso de Octávio Moura Andrade. O sentido de todas essas ações, que foram registradas por ele mesmo, era a promoção do turismo na cidade que ele, já na década de 30, vislumbrava como um importante empreendimento. Em Piracicaba, em 1963, ele aponta um turismo de possibilidades mais gerais e em Águas de São Pedro, devido ao seu tamanho e seu atrativo principal, as águas, o turismo de saúde, de descanso, diferenciado da cidade grande. Tanto o discurso político quanto o publicitário, preocupam-se com “o informar para persuadir” ou “o saber-fazer-querer-comprar” (ou consumir os serviços ou produtos turísticos), um discurso de sedução; ou “saber-fazer-acreditar” numa mensagem política, é um discurso centrado na imagem positiva do destinatário, como será demonstrado no próximo capítulo.

Segundo Barros,99 estudando a análise do discurso, o destinador-manipulador é quem tem a competência de organizar seu discurso, segundo seus objetivos e seu destinatário, ora ele é sujeito do “saber” como no discurso que acabou-se de estudar, e ora pode assumir-se

98

ANDRADE, 1963. 99

como sujeito de “poder”.100 A autora ainda enfatiza que "O exame interno do texto não é suficiente, no entanto, para determinar os valores que o discurso veicula. Para tanto, é preciso inserir o texto no contexto de uma ou mais formações ideológicas que lhe atribuem, no fim das contas, o sentido".

O contexto histórico é o da época da construção, fundação do GHSP e das vendas dos primeiros lotes da estância hidromineral planejada era o da “Crise do Café” e do início da II Guerra Mundial. Nesse cenário Octávio Moura Andrade soube usar a mão de obra local, que estava desempregada e na fábrica de engarrafamento aproveitou as laranjas de Limeira/SP, que não poderiam ser exportadas devido ao conflito mundial, para fabricar o refrigerante “Laranjada de São Pedro”, usando também a água Almeida Salles, que havia em abundância. Nessa época, as pessoas de maior poder aquisitivo, devido à guerra, quase não viajavam ao exterior. A estância, Águas de São Pedro, lhes oferecia descanso, saúde, lazer, jogos no cassino, etc. Portanto, Octávio Moura Andrade soube aproveitar de toda uma conjuntura para fortalecer seus negócios. Percebeu que esse setor nascente de suas empresas exigia divulgação. Assim a cidade teve até sua propaganda veiculada nos bondes da capital paulista, além dos convites e catálogos impressos, eventos promovidos no GHSP e no aeroporto da Empresa Águas Sulfídricas e Termais São Pedro.